Como o esforço da Suíça para limpar imagem de paraíso fiscal ajuda a Lava Jato
Após vários escândalos de evasão ilegal de dinheiro e forte pressão internacional, a Suíça tenta mudar sua imagem de maior paraíso fiscal do planeta.
O país está reformando suas práticas bancárias e passou a cooperar de maneira mais espontânea em investigações sobre contas secretas de estrangeiros no país, como vem ocorrendo atualmente no caso da Lava Jato.
O maior passo nesse sentido foi dado recentemente pelo Conselho Nacional (a câmara baixa do Parlamento) do país, que aprovou, em setembro, a troca automática de informações tributárias com administrações fiscais internacionais a partir de janeiro 2018.
Na prática, isso porá fim ao famoso sigilo bancário suíço, praticado desde o século 19 e regulamentado por uma lei de 1934.
As instituições financeiras do país serão obrigadas a comunicar ao Fisco suíço os dados bancários de estrangeiros, que serão repassados às autoridades fiscais dos países dos titulares das contas.
Em maio, a Suíça já havia firmado com a União Europeia (da qual o país não faz parte) um acordo sobre a troca automática de informações fiscais de cidadãos europeus não residentes na Suíça.
Para analistas, o fim do sigilo bancário suíço é uma etapa importante para a "normalização" do país, criticado durante décadas por sua falta de transparência e sua recusa em cooperar com as administrações tributárias ou a Justiça de países estrangeiros em casos de investigações fiscais.
"A Suíça tem sofrido forte pressão internacional. A transparência fiscal está no foco da comunidade internacional nos últimos dois anos", disse à BBC Brasil Monica Bhatia, chefe do secretariado do Fórum Mundial para a Transparência e Troca de Informações Tributárias, integrado por 129 membros, entre eles a Suíça e o Brasil.
"Há cada vez menos lugares para esconder dinheiro no mundo. Estamos avançando fortemente nesta direção", assegura Bhatia.
O fórum foi criado em 2000, organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No total, 96 países já se comprometeram a realizar a troca automática de informações tributárias.
A Suíça sofreu pressão nos últimos anos sobretudo dos Estados Unidos. Em 2009, o banco suíço UBS aceitou - sob a ameaça de ter sua licença retirada nos Estados Unidos - entregar à Justiça americana o nome de algumas centenas de clientes acusados de fraude fiscal, apesar de não haver, na época, um acordo de cooperação administrativa com o país.
Cooperação com o Brasil
Contas não declaradas representam evasão fiscal, mas isso não significa que os recursos foram obtidos com atividades ilegais. Para evitar que o país receba recursos de práticas criminosas como tráfico de armas ou corrupção - o que afeta sua imagem -, a Suíça tem reforçado sua colaboração com investigações internacionais.
O Ministério Público (MP) suíço informou em março ter bloqueado cerca de US$ 400 milhões ligados ao escândalo da Petrobras, dos quais US$ 120 milhões já foram devolvidos ao Brasil.
"O escândalo de corrupção no Brasil afeta a praça financeira suíça e seu sistema de defesa contra lavagem de dinheiro. Por isso o Ministério Público da Confederação tem todo o interesse em participar da melhor forma possível por meio de suas próprias investigações para elucidar esse escândalo", afirma um comunicado do órgão suíço.
O MP da Suíça informou que as investigações permitiram descobrir mais de 300 contas suspeitas ligadas à operação Lavo Jato em cerca de 30 bancos do país
Em abril, a Suíça também devolveu ao Brasil US$ 19,4 milhões (cerca de R$ 77,4 milhões) ligados a uma organização criminosa que negociava decisões judiciais, desmantelada na operação Anaconda.
O dinheiro havia sido depositado na Suíça pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos.
Em 2009, entrou em vigor um acordo de cooperação judicial em assuntos penais entre o Brasil e a Suíça.
"A cooperação entre os dois países, que já é forte, será facilitada", havia afirmado, na época, o MP suíço.
Houve outros casos de colaboração com o Brasil. Alguns exemplos: em 2010, a Suíça bloqueou uma conta de US$ 13 milhões de Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney. Em 2013, o Ministério Público do Rio Grande do Sul obteve o bloqueio de contas na Suíça de um advogado acusado de arquitetar um esquema de fraudes no sistema do ICMS do Estado.
Para mostrar seu empenho na luta por "limpeza", o país lançou, em setembro, um serviço online para permitir denúncias anônimas à polícia de supostos atos de corrupção.
"A nova plataforma tem o objetivo de apoiar de forma eficaz a luta contra a corrupção internacional, o que representa um dos principais objetivos do Ministério Público da Confederação", diz um comunicado.
No ano passado, o escritório suíço de luta contra lavagem de dinheiro (MROS, na sigla em inglês) recebeu 1.700 denúncias de atividades suspeitas (assinaladas pelos bancos do país), um recorde - que representa aumento de 25% na comparação com o ano anterior.
Apesar do fim do segredo bancário previsto para 2018, a Suíça permanece o primeiro centro offshore do planeta, com mais de US$ 2,1 trilhões de ativos privados depositados por clientes estrangeiros.
Sua participação de mercado no "private banking" internacional é de 25%, segundo a associação dos bancos estrangeiros na Suíça.
Caso HSBC
E, em meio aos esforços de limpar a imagem de seus bancos, continuaram a aparecer escândalos de evasão fiscal e lavagem de dinheiro, como o ocorrido no início deste ano com a filial suíça do banco britânico HSBC, no caso batizado de "Swissleaks".
Segundo dados vazados por um ex-funcionário da filial, o banco facilitou a abertura de contas sem se importar com a origem dos recursos e ainda ajudando clientes com dicas sobre como contornar tributos - um esquema de evasão fiscal que envolveu mais de 100 mil contas de clientes e de 20 mil empresas offshore que movimentaram mais de 180 bilhões de euros.
Nesta segunda-feira, começou na Suíça o julgamento de Hervé Falciani, ex-analista de informática do HSBC que furtou os documentos do banco e os repassou para o Fisco francês, no final de 2008.
Falciani foi indiciado por "espionagem econômica, furto de dados e violação do segredo bancário e comercial" e decidiu não comparecer ao seu julgamento no Tribunal Penal Federal suíço.
Cidadão francês, ele reside na França e não será extraditado.
Já o HSBC pagou cerca de US$ 40 milhões às autoridades suíças para encerrar as investigações por lavagem de dinheiro com fatores agravantes contra o banco.
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