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Como o medo e a paranoia impulsionaram a candidatura de Trump para presidência

24.jan.2016 - Mulheres protestam contra o candidato republicano ao cargo de presidente dos EUA na eleição de novembro - Jim Young/Reuters
24.jan.2016 - Mulheres protestam contra o candidato republicano ao cargo de presidente dos EUA na eleição de novembro Imagem: Jim Young/Reuters

Michael Goldfarb*

Especial para a BBC

25/01/2016 08h33

O sucesso desenfreado de Donald Trump nas pesquisas de opinião foi um dos feitos mais inesperados da corrida presidencial nos Estados Unidos até aqui. Mas levando-se em consideração uma tendência política predominante no país nas últimas décadas, a ascensão do multimilionário não é tão surpreendente assim.

Uma palavra simples de apenas quatro letras que sempre funciona para quem quer ser eleito presidente explica o "fenômeno": medo.

Os políticos que sabem se aproveitar desse sentimento - explorando o lado negativo dele na população - costumam ter êxito.

Há também outra palavra mais "elegante" que se usa para descrever um medo excessivo e irracional e a desconfiança: a paranoia.

Ela também funciona como estratégia política em certas ocasiões nos Estados Unidos. E a atual corrida presidencial é um bom exemplo de como ela pode ser bem explorada.

Donald Trump surgiu na frente dos aspirantes à candidatura republicana porque soube bem expressar os medos de muitos americanos atualmente: o medo dos refugiados, dos terroristas islâmicos e dos acordos de livre comércio com a China que poderão gerar desemprego para os americanos.

Caso seja eleito, Trump promete "fazer os Estados Unidos grande outra vez" - como se ele houvesse deixado de ser o país mais poderoso do mundo - e propõe soluções "simples" para isso: deportar 11 milhões de imigrantes sem documentação, proibir a entrada de muçulmanos no país e forçar o governo chinês a recuar.

'Estilo paranoico'

A frase que cita o "estilo paranoico da política americana" foi criada pelo historiador Richard Hofstadter.

Ele definiu Estilo Paranoico como "um fenômeno antigo e recorrente em nossa vida pública que está frequentemente vinculado a movimentos de insatisfação ou descontentamento suspeitos".

Em um país que costuma cultivar um otimismo contagiante, é interessante ver como o medo muitas vezes fica escondido nas terras americanas.

Richard Parker, que ensina religião na Escola John F. Kennedy da Universidade de Harvard, descobriu que a paranoia na vida pública do país já existia inclusive no século 17 durante os Julgamentos das Bruxas de Salem.

É fácil esquecer como a política religiosa da "pátria mãe" (Inglaterra) viajou pelo Atlântico até suas primeiras colônias.

Se acrescentamos a isso as lutas da vida diária com a natureza, os combates dos primeiros habitantes do país com os indígenas nativos e as práticas religiosas milenárias que ensinavam que "o fim do mundo estava próximo", temos, conclui Parker, "um povo preparado para ter medo".

Assim aconteceu na cidade de Salem. As pessoas se voltaram contra os moradores que tinham pensamentos mais liberais e os acusaram de praticar bruxaria.

Nessa época, a ideia de bruxaria não era algo fictício. As pessoas realmente acreditavam nos "espíritos maus que podiam habitar nossas almas e corpos", segundo Parker.

"Foi a base da psicologia e da fisiologia primitivas."

'Surtos' de medo

No início da década de 1950, outro "surto de medo" tomou conta dos Estados Unidos. Era uma época em que os comunistas ocupavam cargos importantes. E criaram, então, as listas negras com os nomes de supostos e antigos comunistas em Hollywood.

O Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso, inicialmente dirigido pelo senador Joseph McCarthy, convocou várias personalidades famosas para testemunharem em Washington contra seus colegas.

Carreiras de sucesso foram arruinadas. E quem se negava a testemunhar, como o dramaturgo Arthur Miller, tinha o passaporte cancelado.

Outra onda de medo que frequentemente se repetiu na história do país é a das sociedades secretas, como a dos maçons.

Religião

Mas a religião é a base da maioria dos medos que "rondaram" os Estados Unidos.

Nos primeiros dias de República, suspeitava-se que os católicos estavam planejando um complô papal para tomar o controle do país.

Quando, ao final da década de 1840, chegou ao país uma onda enorme de católicos que fugiam da fome na Irlanda, esses temores aumentaram.

Formou-se então um novo partido político chamado "Know Nothing" (Saber Nada), cuja principal bandeira era "anti-imigração irlandesa".

Os membros do partido foram instruídos para que dissessem, quando fossem perguntados sobre o grupo político: "não sei nada" - por isso o nome adotado.

O próximo grupo a despertar medo nos americanos foram os judeus, que vieram principalmente no início do século 20.

Toda a população de judeus imigrantes, alguns dos quais eram socialistas vindos da Rússia, ficou tachada com o rótulo da Revolução Russa.

Para a década de 1930, durante um programa de rádio semanal, um padre católico irlandês Charles Coughlin incitava o medo dos judeus e da suposto discurso que eles faziam sobre o comunismo em suas fábricas, campos e minas.

A professora de história da Universidade de Harvard, Lisa McGirr, acredita que o "estilo paranóico" da política americana - sobre o qual escreveu Hofstadter - está baseado principalmente na religião.

"Está vinculado com a religião: o evangelismo e o fundamentalismo que têm muitas facetas na vida do americano."

União Soviética

Depois da Segunda Guerra Mundial, o temor se voltou de vez contra a União Soviética. Robert Welch, o fundador da Sociedade Ultradireitista John Birch, declarou que o então presidente Dwight D Eisenhower era uma "ferramenta dos comunistas".

A organização se tornou a base dos movimentos políticos comunitários que dominaram a política americana durante as últimas quatro décadas.

E ainda que Welch tenha sido repudiado pelos conservadores americanos por sua declaração sobre o presidente, muitos deles não tiveram nenhum problema com a forma extrema como a Sociedade Birch espalhava o medo sobre uma iminente chegada ao poder dos comunistas nos Estados Unidos.

Nos primeiros meses de campanha, a maioria dos analistas políticos descartava Donald Trump na disputa.

Agora não é mais assim. Trump entendeu melhor do que eles que uma porção significativa da sociedade americana está com medo.

Ele se aproveitou desses temores, sejam eles racionais ou não. E fez isso falando em termos que não são "politicamente corretos", segundo ele mesmo descreve.

Na Carolina do Sul, recentemente conheci um homem chamado Robert Sandifer.

Ele tem cerca de 70 anos, é estudado e rico - e se aposentou em uma ilha pacata no sul de Charleston, um dos lugares mais bonitos dos Estados Unidos.

"Trump nos fez voltar a ter esperança", me disse Sandifer.

"Esperança? Para mim, soa mais como desespero", eu disse.

Sandifer educadamente discordou: "Se ele fizer o que diz que irá fazer, todos nós teríamos menos medo."

E para deixar as coisas mais claras, acrescentou: "Todos temos muito medo do governo federal".

*Michael Goldfarb é jornalista americano e autor de "Emancipation: How Liberating Europe's Jews from the Ghetto led to Revolution and Renaissance"