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"Sensacionalista" concorre com a realidade e ri à toa em tempos de crise

Lanna (esquerda), Mendonça e Fernandes: três das quatro cabeças do "Sensacionalista"  - Stefano Martini/BBC
Lanna (esquerda), Mendonça e Fernandes: três das quatro cabeças do "Sensacionalista" Imagem: Stefano Martini/BBC

Fernando Duarte

Em Londres

30/03/2016 17h37

Em meio ao clima de polarização política e social no Brasil, é difícil encontrar denominadores comuns. Um deles parece ser o compartilhamento de piadas do "Sensacionalista". Embora tenha sido fundado em 2009, o site satírico viu sua popularidade disparar com a crise política e hoje se transformou em uma rara razão para risadas dos dois lados do espectro político. Manchetes fictícias não poupam autoridades. Vão de críticas à presidente: "Com Lula no governo, Dilma pede dicas a Temer de como ser vice decorativo". E também à oposição: "PSDB e PMDB encomendam novos armários para engavetar tudo".

Polarização

"Nunca foi a intenção da gente confundir as pessoas. O site surgiu justamente para fazer humor, uma coisa de moleque, inspirado pela (revista satírica americana) "The Onion". E certamente a gente não tinha qualquer intenção de fazer algum tipo de protesto. Fiquei extremamente surpreso com o volume que a coisa tomou", diz em entrevista à "BBC Brasil" o jornalista e escritor Nelito Fernandes, criador do "Sensacionalista".

Fernandes lembra exatamente de como a sorte do site começou a mudar. Durante a campanha eleitoral de 2014, a TV Globo entrevistou os candidatos. Após uma dura entrevista do apresentador do "Jornal Nacional", William Bonner, com a presidente Dilma Rousseff, o site publicou a manchete irônica: "Após entrevista com Dilma, Bonner aparece com 20% das intenções de voto".

"Naquele momento, a gente tinha no máximo 4 mil visitas por dia, mas durante a campanha isso saltou para 30, 40 mil. Hoje, está na casa de 300 mil. Essa crise é péssima para o Brasil mas foi ótima para a gente".

Boner Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista
Manchete "lançando" candidatura de apresentador alavancou popularidade do site
Imagem: Reprodução/Sensacionalista

Hoje, o "Sensacionalista" conta 2,3 milhões de seguidores no Facebook. O site tem, segundo Fernandes, 11 milhões de visitantes únicos por mês e 25 milhões de visualizações. Números que impressionam até em comparação com veículos "reais" de mídia brasileiros. Além do momento propício, o criador do site acredita que o sucesso é resultado de uma política "todo mundo é um alvo e ninguém está a salvo". Especialmente no campo político.

"Temos a preocupação de sermos imparciais nas piadas. Gosto de dizer que oSensacionalista é contra todos, só não sabemos quem. Quando atingimos um milhão de seguidores, a gente fingiu que iria fechar o site para se aposentar em alta e pediu a várias celebridades que gravassem um vídeo sobre a gente. Umas das pessoas que toparam foi o (prefeito do Rio) Eduardo Paes, que criou uma notícia falsa de que o site seria declarado patrimônio da cidade. A gente adorou, mas imediatamente começou a bater nele", conta o fundador.

Mas o foco não é só político. Entre os posts mais bem-sucedidos do site, estão uma piada com a inflação: "Real terá novo animal estampado na cédula: Ja vali" e outra com a menor atenção dada à crise na saúde: "Aedes aegypti pede para ser citado em delação para voltar ao noticiário"

Além de Fernandes, outras três pessoas se encarregam da produção de conteúdo para o "Sensacionalista": Leonardo Lanna e Martha Mendonça, que assim como Fernandes trabalham como roteiristas de programas humorísticos da TV Globo, e o jornalista Marcelo Zorzanelli - este, o único que trabalha exclusivamente para o site. Apesar da popularidade, as receitas do "Sensacionalista", segundo Fernandes, vêm apenas da venda de anúncios via Google e a produção de editoriais bem-humorados para clientes corporativos.

"Preciso levar uma vida de hábitos frugais, mas ao menos tenho prazer com o que faço. Se a gente focasse em uma pegada mais comercial, o site perderia a graça. Hoje, temos uma liberdade editorial que não existe em lugar nenhum do Brasil. Não precisamos beijar a mão de ninguém ou nos preocupar com o lucro", diz Zorzanelli.

Aécio Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista
Piada com acusações ao senador Aécio Neves foi a segunda mais curtida da história do "Sensacionalista"
Imagem: Reprodução/Sensacionalista

No entanto, a turma do "Sensacionalista" percebeu uma chance de capitalização e, no dia Primeiro de abril lançará em livro uma antologia das melhores piadas do site. Bem ao estilo da trupe, o livro tem o título "Pagar por um Livro que Está na Internet É Sinal de Genialidade, Dizem Especialistas" (editora Belas Artes).

Fernandes e Zorzanelli admitem que o sucesso trouxe o que se pode chamar de um pouco mais de responsabilidade para o site. Mas Fernandes afirma que o acirramento dos ânimos no Brasil serve como estímulo para mais piadas. "O momento é de muito estresse e tensão e isso faz com que as pessoas às vezes não enxerguem as bobagens de cada lado. E, como muita gente está com a guarda levantada, a mensagem chega mais fácil se vier na forma de humor. Queremos provocar uma reflexão, mas também somos extremamente bobos", conta. "A gente tem que concorrer com a realidade, está ficando mais difícil fazer piada", acrescentou Zorzanelli ressaltando o bom humor com que observa a crise política atual.

Diante do teor pouco politicamente correto de algumas postagens, é de se imaginar que alvos do "Sensacionalista" por vezes expressem sua insatisfação publicamente, inclusive com processos na justiça. Não parece ser o caso na prática. Segundo a equipe, o site foi processado uma única vez, depois de um post em que ironizaram o deputado federal Marco Feliciano (PSP-SP), líder evangélico conhecido por posições polêmicas em questões como os direitos dos homossexuais.

Lula Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista - Reprodução/Sensacionalista
Vídeo com o ex-presidente Lula teve 246 mil curtidas no Facebook
Imagem: Reprodução/Sensacionalista

"Quando o casamento gay foi aprovado nos EUA, escrevemos que o Feliciano, em protesto, deixaria de importar cosméticos dos EUA. Ele tinha sido personagem de algumas piadas bem mais fortes da gente, mas ficou extremamente irritado com uma que a gente nem tinha achado tão engraçada assim. Mas ele perdeu o processo em todas as instâncias", conta Zorzanelli.

O conteúdo do site obedece ao que a equipe chama de "esquema de assembleia": as piadas precisam ser aprovadas por maioria simples para entrar no site. E nem sempre a unanimidade é garantia da popularidade de uma manchete. Na verdade, Fernandes & cia continuam se surpreendendo: no ano passado, uma paródia dos vídeos produzidos pelo Facebook para o Dia do Amigo, montada em "homenagem" ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi compartilhada 246 mil vezes na rede social.

"A melhor evidência de que estamos fazendo a coisa certa é que gente de todas as tendências políticas acusa a gente de pertencer ao outro lado. E a gente não parece que vai sofrer tão cedo com falta de material para as piadas", finaliza Fernandes.