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Tim Vickery: Vamos trocar o hino por uma canção mais próxima aos brasileiros?

Que tal cantar "Alegria, Alegria", de Caetano, no lugar do hino? Por que não? - Reprodução
Que tal cantar "Alegria, Alegria", de Caetano, no lugar do hino? Por que não? Imagem: Reprodução

Tim Vickery*

Colunista da BBC Brasil

29/04/2016 13h04

Junto com o apresentador André Rizek, lancei uma campanha no Redação SporTV para acabar com o hábito novo de tocar o hino nacional antes dos jogos de futebol (exceto os de seleções, quando é relevante). "Menos hino, mais charanga", declarou o Rizek. Assino embaixo.

Para falar a verdade, não consigo entender o apelo que o hino nacional tem para o povo brasileiro. Canta-se de uma maneira espontânea e cheia de emoção, em momentos especiais. Canta tanto quem é esquerdista quanto direitista. Canta-se por quê? O que representa? Quais valores? Eu olho para a letra e continuo sem entender.

Estou ciente de que, em algumas pessoas, o parágrafo anterior vai gerar uma indignação seguida por duas perguntas raivosas: por que, então, você não volta para o seu país? E como você atreve a falar de nosso hino quando o seu é tão ruim?

Felizmente, posso afirmar que as duas perguntas são supérfluas. A primeira porque já estou em meu país, fazendo uma visita rapidinha a Londres. E a segunda porque detesto o hino inglês. Não canto, nunca cantei, não me representa.

Acho estranho como tem gente que vai construindo sua identidade em cima de um acidente de nascimento. Isso não é negar a terra natal. Claro que a nossa origem tem uma influência enorme; a língua, a história, a cultura e a mentalidade fazem parte de quem somos. Mas não precisam definir a coisa toda. Na época moderna, globalizada, temos opções.

Tenho refletido bastante sobre esse assunto durante os meus anos no Brasil. Morar num outro país pode te roubar de sua identidade – um perigo no Brasil, onde há a palavra "gringo" para fazer referência a qualquer um de qualquer outro lugar.

E a palavra "inglês" também tem certas conotações imperiais que têm pouco a ver com quem eu sou.

Pode-se debater o assunto de o quanto o império britânico beneficiava a massa do povo. Criava empregos, sim – mas com salários de miséria. Não se pode negar que, enquanto o país dominava o mundo, a maioria da sua população vivia em estado de pobreza. Somente depois da Segunda Guerra Mundial, com o país se livrando de seu império, esse quadro começou a mudar.

Pessoalmente, não sinto nenhuma identificação com a história oficial, com os reis e rainhas, os generais e almirantes de conquista e os heróis do império. Todos podem ter os seus monumentos e estátuas lá no centro de Londres, mas não são os meus heróis.

A ligação que tenho com a terra do nascimento tem muito mais a ver com a geração que começou a deixar a sua marca no final da década de 50. A expansão de oportunidades estava mudando o jogo. Antes, as necessidades de sobrevivência limitavam a grande pergunta a um dilema shakespeariano: "ser ou não ser?" De repente, surgiu a possibilidade de fazer uma pergunta mais existencial: "como ser?"

Uma resposta interessante veio de um grupo de jovens modernistas. Como trilha sonora, pegavam a música negra dos Estados Unidos, inicialmente jazz moderno, mas depois R'n'B. Roupa e dicas de estilo vieram da Franca e Itália – em contraste com gerações anteriores, para esses jovens a Europa não gerava medo, desprezo ou indiferença, mas sim uma oportunidade a ser abraçada.

Nada disso se limitava à mera imitação. Foi mais um caso de tomar emprestado influências para construir algo novo em cima delas. Assim criou-se uma nova maneira de ser inglês, algo visto e ouvido no estilo e na música dos anos 60. Quer, então, um hino nacional alternativo? Que tal Waterloo Sunset, de The Kinks, ou Lazy Sunday Afternoon, de The Small Faces?

Ou, voltando para o Brasil, que tal Alegria, Alegria, de Caetano Veloso?

Nunca fui grande fã dele, talvez por não prestar atenção suficiente ao contexto da obra. Ultimamente, portanto, mergulhei na história dos festivais de música de cinco décadas atrás, especialmente de 1967. Aí comecei a sacar os botões que Veloso estava tentando apertar, as opções que estava escolhendo.

Guitarras elétricas e uma influência da colagem usada pelo Beatles – provocações propositais aos nacionalistas. Uma letra que anda como uma câmera na mão – mas, diferentemente do Cinema Novo, lidando com um cenário urbano. Trata-se de uma música para um novo tipo de brasileiro, com raízes mas sem medo de ser internacional, sem medo de ser livre e moderno. Talvez vá contra o vento, mas seria uma bela música para tocar antes dos jogos de futebol. Por que não?

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick