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'Brasil deveria seguir caminho da Argentina e condenar militares por Operação Condor', diz ativista

Marcia Carmo - BBC Brasil, Buenos Aires

29/05/2016 12h21

Após a Justiça argentina emitir a sentença inédita condenando à prisão militares de alta patente que participaram do chamado Plano Condor, defensores dos familiares das vítimas da ditadura esperam que o Brasil e os outros países sigam o mesmo caminho.

Segundo investigadores e especialistas, o Plano Condor - ou Operação Condor - consistia na troca entre os líderes dos regimes autoritários da região de informações sobre opositores às ditaduras no Brasil, na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Uruguai e na Bolívia.

Os governos do Cone Sul agiam de forma coordenada para combater os adversários dos regimes. Além da troca de informações, determinavam perseguições, sequestros, assassinatos e "desaparições" (termo usado quando as pessoas não foram mais encontradas), como recordam historiadores.

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"Esperamos que essa sentença aqui na Argentina tenha a possibilidade de gerar investigação sobre o Plano Condor no Brasil e nos outros países envolvidos naquelas ações conjuntas de perseguições e desaparecimentos nas ditaduras da região", disse à BBC Brasil a advogada Luz Palmás Zaldua, que representou o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) na causa.

Na sexta-feira, a Justiça argentina emitiu sentenças de até 25 anos de prisão para 17 acusados no processo, que envolveu 105 vítimas - 45 uruguaios, 22 chilenos, 14 argentinos, 13 paraguaios e onze bolivianos -, de acordo com a Justiça e o CELS, que reuniu provas e defende familiares das vítimas daquele período.

Segundo a advogada, "há muito a ser investigado" sobre o Plano Condor, oficializado com uma ata formal em 1975, mas "as apurações avançam de forma irregular em cada país".

No Brasil, uma vasta documentação do período foi analisada pela Comissão Nacional da Verdade. No país, a Lei da Anistia, promulgada em 1979, não permite que integrantes da ditadura nem opositores que cometeram crimes sejam punidos - embora, na avaliação de alguns juristas, casos de pessoas nunca encontradas configurem crime continuado e, por isso, passíveis de julgamento.

Quase duas décadas de processo

A investigação judicial argentina começou em 1999, com apenas cinco casos de vítimas. Mais de 200 depoimentos e pilhas de documentos depois, ela cresceu e envolveu mais de 30 acusados por "associação ilícita e privação ilegal da liberdade", entre outros crimes.

Na sexta, somente 17 deles ouviram o veredicto - os demais morreram no decorrer dos anos de investigação ou se ausentaram após serem considerados incapazes de entender o julgamento e sentença por causa de problemas de saúde. Dos presentes, dois acabaram absolvidos.

Nas quase duas décadas de processo, acusados como os ex-ditadores Jorge Rafael Videla, da Argentina, Augusto Pinochet, do Chile, Hugo Banzer, da Bolívia, e Alfredo Stroessner, do Paraguai, morreram.

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"A Justiça argentina pediu a detenção e extradição de Pinochet, de Banzer e de Stroessner em 2000 e 2001, para que eles fossem julgados aqui. Mas os pedidos foram rejeitados. Na época, Stroessner morava em Brasília, mas o Brasil também rejeitou o pedido de extradição", afirmou a advogada, que coordena a equipe de Memória, Verdade e Justiça do CELS, à BBC Brasil.

Videla chegou a prestar declaração na causa, mas morreu três dias depois na prisão - ele respondia por outros crimes contra a humanidade.

Em 2007, contou Zaldua, o Brasil aceitou um novo pedido feito pela Justiça argentina para extraditar o uruguaio Juan Manuel Cordero Piacentini. Cordero, como é chamado, respondeu por 11 sequestros e desaparecimentos de uruguaios, levados para um centro clandestino mantido na Argentina.

Cordero, de 78 anos, integra o grupo de condenados na sexta-feira. A maioria deles tem quase ou mais de 80 anos, segundo investigadores, e por causa disso deve cumprir prisão domiciliar.

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O uruguaio, no entanto, está na cadeia por ter desrespeitado normas da prisão domiciliar, contou Zaldua.

Os condenados ainda poderão recorrer da sentença. Familiares das vítimas e entidades como as Mães da Praça de Maio, formada por mulheres que tiveram filhos desaparecidos na ditadura, acompanharam o resultado na sexta. Eles consideraram a data como "um dia histórico".

Respaldo americano

O Plano Condor, segundo as pesquisas, era respaldado pelos Estados Unidos. Considera-se que seja responsável por 105 execuções e sequestros ocorridos durante os governos ditatoriais da Argentina (1976-1983), Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985), Paraguai (1954-1989), Bolívia (1971-1978) e Chile (1973-1990).

Em visita à Argentina em março passado, o presidente dos EUA, Barack Obama, determinou a retirada do sigilo de documentos americanos de inteligência relativos ao período, uma reivindicação histórica de organizações locais de direitos humanos.

A sentença argentina simboliza a primeira vez em que a Justiça reconhece o esforço coordenado de ditaduras sul-americanas para o sequestro e desaparecimento de opositores.