Delação combate "pacto de silêncio entre criminosos", diz juiz do mensalão
Peça-chave da operação Lava Jato, a delação premiada entrou mais uma vez nos holofotes após a revelação de gravação em que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), defende mudanças na lei que trata desse recurso legal.
Mas para o juiz federal responsável pela primeira sentença do mensalão, a delação é um instrumento "estritamente regulado em lei" e fundamental para "vencer pactos de silêncio estabelecidos entre criminosos".
"A colaboração premiada nasce não só da necessidade de apurar fatos criminosos realizados nos recônditos de escritórios, gabinetes e palácios, mas principalmente da necessidade do Estado vencer a omertà, ou pacto de silêncio, estabelecido entre os criminosos", afirmou à BBC Brasil o juiz Alexandre Buck Sampaio, da Justiça Federal em Minas Gerais.
Em setembro de 2010, Sampaio condenou o advogado Rogério Tolentino, braço direito do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, operador do mensalão, a sete anos e quatro meses de prisão por lavagem de dinheiro. Resultado de desmembramento da denúncia principal do caso, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, foi a primeira condenação decorrente das investigações daquele esquema de corrupção.
Atualmente cedido à presidência do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, o juiz atua na vara da Justiça Federal em Minas especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Além de ter assinado a primeira sentença relativa ao mensalão, foi responsável por ouvir, em Belo Horizonte, testemunhas da ação principal do caso que tramitava no STF.
"Esse juiz merece uma placa", disse à época o então ministro do STF Joaquim Barbosa, após Sampaio ter ouvido 150 testemunhas em 15 dias úteis.
Impacto das delações
A possibilidade de delação premiada existe no Brasil desde a década de 1990, mas ganhou fôlego e notoriedade com a Lava Jato - no mensalão, por exemplo, apenas dois reús fecharam colaborações.
Pelo mecanismo, o suspeito ou réu fornece informações sobre os crimes em apuração e pode receber benefícios em troca, como redução de pena. Na Lava Jato já houve ao menos 50 acordos de delação.
Para o juiz de Minas, o instrumento é essencial para investigar quadrilhas que contam com autoridades públicas, tanto pela possível complexidade dos fatos como pelo "poder dos criminosos em impedir e obstruir o descobrimento da verdade".
"O que antes se chamava de um poder paralelo ao do Estado hoje se verifica ser um poder muitas vezes transversal que, se não for enfrentado com rigor, em última análise, tem capacidade para minar a própria legitimidade da democracia", considera Sampaio, que é mestre em direito comparado e especialista em inteligência de Estado e de segurança pública.
Na conversa gravada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o senador Renan Calheiros - que já foi citado nas delações do ex-senador Delcídio do Amaral e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa - diz ser favorável a impedir que suspeitos ou réus presos possam fechar acordos de colaboração.
"Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo (inaudível) fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação", diz Renan na conversa divulgada pela Folha de S.Paulo, em resposta a uma sugestão de Machado sobre um "pacto" para "passar uma borracha no Brasil".
Projetos no Legislativo
Hoje há ao menos oito projetos em tramitação no Congresso que propõem modificações no funcionamento da delação premiada.
O PL 4.372/2016, por exemplo, do deputado Wadih Damous (PT-RJ), propõe que presos não possam fazer delação e que somente o conteúdo de um acordo não seja suficiente para embasar uma denúncia criminal.
O deputado justificou a proposta como forma de "amenizar o quadro de terror judicial" a que, avalia, acusados são submetidos na Lava Jato.
A delação premiada é acertada em acordo firmado entre o réu ou suspeito de crimes com o Ministério Público e a Polícia Federal. O réu colabora com as investigações em troca de benefícios como redução de pena, que ficam a cargo do juiz do caso.
Para Alexandre Sampaio, não faz sentido impedir delação de presos porque o juiz não participa das negociações do acordo de colaboração premiada. "Assim, como afirmar que se prende para forçar a delação se esta é ajustada pelo Ministério Público e/ou autoridade policial e já a prisão é decretada por um terceiro imparcial?", questiona.
Impedir a delação, afirma, seria ruim para o Estado - que não contaria com as informações do acordo - e para o colaborador, cuja eventual confissão traria benefícios. "Os únicos beneficiários seriam, assim, os outros integrantes da organização criminosa, geralmente os da alta cúpula, justamente aqueles cujos meios tradicionais de obtenção de prova não atingiam."
Em vez de mudar a lei, afirma o juiz, é preciso manter o controle de seu uso - "pois como qualquer outra obra humana está sujeita a desvios de finalidade".
'Coragem' de Moro
Especializado no julgamento de casos de crimes contra o sistema financeiro, o juiz federal diz que Sérgio Moro, magistrado responsável pela Lava Jato, se destacava nessa área desde o começo da instalação de varas especializadas em lavagem de dinheiro, há 13 anos.
"Para mim, além do preparo técnico, Moro possui aquela qualidade que, quanto ausente, as outras tornam-se irrelevantes pois não poderão ser usadas: a coragem", afirmou ele, que também diz ver essa qualidade em magistrados de instâncias superiores da Lava Jato, como o ministro do STF Teori Zavaski.
Sampaio diz que a criação dessas varas especializadas permitiu a troca de experiências entre juízes e um aperfeiçoamento das investigações e do sistema de Justiça criminal como um todo.
Questionado sobre a personalização da Lava Jato na figura de Moro, e se isso não seria prejudicial a investigações complexas, Sampaio diz que não se pode "confundir o recato judiciário com o dever de publicidade".
"A publicidade é a própria alma da Justiça e permite manter o próprio juiz, enquanto julga, sob julgamento. Acredito que em nosso país a sociedade já se encontra amadurecida o suficiente para identificar as questões que ela não só pode, mas tem o dever de saber para manter o Brasil livre e ainda torná-lo mais justo e democrático."
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