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Qual é o país mais bem educado do mundo?

Steve John Powell e Angeles Marin Cabello - Da BBC Travel

01/06/2016 17h46

O Sol já começava a sumir no mar, alertando que talvez tivéssemos matado muito tempo em nosso passeio de bicicleta pela ilha japonesa de Ninoshima, na baía de Hiroshima.

Sem saber o horário do último ferry-boat para o continente, paramos em um bar de beira de estrada para perguntar. A questão motivou olhares preocupados de todos os lados: o último barco estava prestes a sair.

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"Você pode conseguir se pegar um atalho", disse um homem, saindo do bar e indicando uma rua estreita morro acima. Como a noite caía rápido, tínhamos sérias dúvidas se conseguiríamos, mas partimos mesmo assim.

Olhando em volta, ficamos impressionados ao ver nosso novo amigo subindo correndo o morro atrás de nós a uma distância discreta, para assegurar que não nos perdêssemos.

Ele só voltou depois que o porto apareceu à frente. Sua gentileza espontânea permitiu que entrássemos no ferry com alguns minutos de folga.

Essa foi uma de nossas primeiras experiências com a omotenashi, que costuma ser traduzida como "hospitalidade japonesa". Na prática, a expressão combina uma polidez requintada com um desejo de manter a harmonia e evitar o conflito.

Modo de vida

Omotenashi é um modo de vida no Japão. Pessoas resfriadas usam máscaras cirúrgicas para evitar infectar outros. Vizinhos se presenteiam com caixas de sabão em pó antes de iniciar obras - um gesto para ajudar a limpar suas roupas do pó que inevitavelmente será produzido.

Funcionários em lojas e restaurantes te cumprimentam com uma deferência e um caloroso irasshaimase (bem-vindo). Colocam a mão embaixo da sua na hora de dar troco para evitar que qualquer moeda caia. Quando você deixa a loja, não é raro que fiquem na porta se curvando até perdê-lo de vista.

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Máquinas também praticam o omotenashi. Portas de táxis se abrem automaticamente diante de sua chegada - e o motorista de uniforme branco não espera gorjeta. Elevadores se desculpam por deixá-lo esperando, e quando você entra no banheiro o assento do vaso sanitário se levanta.

Placas indicativas de obras trazem uma imagem fofa de um trabalhador se curvando em deferência.

Na cultura japonesa, quanto mais uma pessoa vem de longe, maior é a cordialidade em relação a ela - daí a razão de estrangeiros (gaijin - literalmente "pessoas de fora") invariavelmente se impressionarem com a cortesia.

"Ainda me surpreendo depois de nove anos aqui", afirma a professora de espanhol Carmen Lagasca. "As pessoas se curvam ao sentar perto de você no ônibus, e depois de novo quando se levantam. Todo dia percebo algum gesto novo."

Ensinamentos

Mas omotenashi vai além de ser gentil com visitantes; essa atitude perpassa todos os níveis da vida cotidiana e é ensinada desde os primeiros anos de vida.

"Muitos de nós cresceram com um provérbio", diz Noriko Kobayashi, chefe de turismo interno no consórcio DiscoverLink Setouchi, que busca criar empregos, preservar o patrimônio e promover o turismo em Onomichi, na região de Hiroshima.

"Ele diz assim: 'Depois que alguém fez algo bom a você, nós devemos fazer algo bom a outra pessoa. Mas depois que alguém faz algo ruim a você, nós não devemos fazer algo ruim a outra pessoa.' Acho que esses ensinamentos nos fazem ser educados no comportamento."

Mas, de onde vem toda essa cortesia e educação? Para Isao Kumakura, professor emérito no Museu Nacional de Etnologia, em Osaka, grande parte da etiqueta japonesa tem origem nos rituais formais de cerimônias de chá e de artes marciais.

Na verdade, a palavra omotenashi, literalmente "espírito de serviço", vem da cerimônia de chá. O anfitrião dessas cerimônias trabalha duro para proporcionar o clima certo para entreter convidados, escolhendo a louça, flores e decoração sem esperar nada em troca.

Os convidados, cientes dos esforços do anfitrião, respondem mostrando uma gratidão quase reverencial. Os dois lados criam um ambiente de harmonia e respeito, ancorado na crença de que o bem público vem antes da necessidade particular.

Código samurai

Do mesmo modo, delicadeza e compaixão eram valores centrais do b ushido (o caminho do guerreiro), o código de ética do samurai, a poderosa casta militar que era altamente treinada em artes marciais.

O complexo código, análogo ao da cavalaria medieval, não governava apenas a honra, disciplina e moral, mas também o jeito certo de fazer tudo, da deferência ao ato de servir chá.

Seus preceitos zen demandavam domínio das emoções, serenidade interna e respeito pelo outro, incluindo o inimigo. O b ushido se tornou a base para o código de conduta da sociedade em geral.

Uma coisa maravilhosa de estar exposto a tanta gentileza é que se trata de algo tão contagioso como catapora. Você rapidamente estará sendo mais gentil e civilizado, entregando carteiras perdidas à polícia, sorrindo ao dar vez a outros motoristas, levando seu lixo para casa e nunca - nunca - levantando a voz ou assoando o nariz em público.

Não seria ótimo se todo visitante levasse um pouco de omotenashi para casa e espalhasse por aí? O efeito cascata poderia mudar o mundo.

Leia a versão original desta reportagem, em inglês, no site BBC Travel .