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Argentinos corruptos usam esconderijos nada comuns para esconder dinheiro

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcia Carmo

De Buenos Aires (Argentina), para a BBC Brasil

15/06/2016 18h44

A polícia da Argentina tem usado cães farejadores e até escavadeiras para tentar recuperar dinheiro ilícito atribuído à corrupção no país. Isso porque alguns dos "tesouros" foram escondidos em lugares insólitos, como monastérios, ou mesmo enterrados em fazendas de empreiteiros envolvidos em escândalos.

O episódio mais emblemático ocorreu nesta semana, quando o ex-secretário de Obras José López, que participou dos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015), foi preso pela polícia por esconder US$ 9 milhões (R$ 31 milhões) em um monastério nos arredores de Buenos Aires. O caso foi descoberto graças à insônia de um vizinho, que pouco depois das 3h da manhã de terça-feira viu um homem parar o carro e lançar sacolas de dinheiro por cima do muro para dentro do local. Ele achou a ação suspeita e ligou para a polícia, que fez o flagrante.

Foram encontradas 165 sacolas repletas de notas de dólares, euros e outras moedas, além de joias e uma arma. A polícia levou 14 horas para contar todo o dinheiro encontrado.

López, atualmente deputado do Parlamento do Mercosul (Parlasul), foi preso na cozinha do monastério e está detido desde então. A advogada dele, Fernanda Herrera, disse que o acusado "não está bem de saúde e não se lembra do que aconteceu".

A monja superiora do monastério, de 95 anos, se disse "surpresa" com a descoberta da quantia milionária. Segundo ela, López costumava frequentar o local e lhes presenteava com café, açúcar e outros alimentos, mas não com dinheiro. Uma das monjas disse à uma emissora de rádio local que, ao ser preso, o político gritava "querem me roubar". Segundo ela, López também citava frases como "roubei para ajudá-las".

Os argentinos ficaram estupefatos com a revelação do caso.

"Uma vergonha, prova pior não existe. Como tentar guardar dinheiro num mosteiro? Não vai ter mentira que consiga esconder esse flagrante", disse uma comerciante no bairro de Palermo, em Buenos Aires.

Para o deputado Diego Bossio, que apoiou o kirchnerismo, o episódio é "pornográfico".

Buscas com escavadeiras

O escândalo do monastério ocorre poucos dias após outro caso semelhante. Um promotor de Justiça determinou que escavadeiras buscassem dólares supostamente enterrados nas fazendas de um empresário de obras públicas preso por corrupção.

Acompanhado por cães farejadores, policiais e operários, o promotor Guillermo Marijuan liderou a operação de caça ao dinheiro diante das câmeras de televisão. A busca foi transmitida ao vivo pelas emissoras locais, mas nada foi encontrado.

Diante do episódio do monastério, alguns formadores de opinião passaram a acreditar que o promotor poderia ter razão na busca pela quantia supostamente enterrada.

Marijuan também determinou que o mesmo tipo de operação fosse realizada nas fazendas uruguaias do empresário investigado Lazaro Báez, atualmente preso. E não se descarta que o promotor mande escavadeiras para o terreno do monastério.

Juristas e membros da oposição afirmam que Baez passou de bancário a multimilionário durante o governo kirchnerista. Ainda no governo de Cristina Kirchner, ele foi acusado de guardar dinheiro em paredes falsas nas adegas de vinho que construiu em suas casas na província de Santa Cruz, reduto político dos Kirchner, no sul do país. Na época, o programa do jornalista Jorge Lanata investigava o que foi batizado de "rota do dinheiro K", em alusão ao kirchnerismo.

Depois das acusações, Báez abriu uma de suas mais de cem propriedades para as câmeras e mostrou sua adega, negando qualquer irregularidade. Mas as investigações continuaram.

No mês passado, quando desembarcava de um jatinho num aeroporto de Buenos Aires, ele foi preso. São atribuídas às empresas de Báez diversas obras públicas, entre elas o mausoléu do ex-presidente Néstor Kirchner, que governou a Argentina entre 2003 e 2007 e morreu em 2010.

Desconfiança dos bancos

Guardar dinheiro em lugares inesperados --no congelador, no aquecedor, na caixa de luz-- não é novidade na Argentina. Traumatizados com a série de bancos que quebraram no passado ou com as seguidas medidas abruptas dos governos, os argentinos estão acostumados a usar a criatividade na hora de esconder o dinheiro. A diferença agora é que a criatividade tem sido mostrada na televisão.

Recentemente foram reveladas imagens de assessores de Báez contando pilhas de dólares no local que ficou conhecido como "La Rosadita", uma financeira à qual são atribuídos negócios duvidosos dele e do poder público, assim chamada em alusão à Casa Rosada, sede do governo argentino. Báez nega os crimes.

"Eu dormia e acordava pensando onde eles estão guardando tanto dinheiro de tanta corrupção", disse nesta terça-feira o ex-promotor da Auditoria Geral da Nação (AGN) Leandro Despouy. "Agora as provas foram materializadas".

Especialistas afirmam ainda que após o episódio conhecido como Panamá Papers, que revelou nomes de personalidades com dinheiro em paraísos fiscais --no caso da Argentina, foi mencionada a família do presidente, Mauricio Macri--, também ficou mais difícil esconder dinheiro não declarado fora do país.