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Com investimento bilionário na Rio 2016, TV americana causa 'corujão' esportivo e tenta até alterar alfabeto

Fernando Duarte - BBC Brasil

29/07/2016 16h47

Muitas pessoas que compraram ingressos para eventos de basquete, natação e vôlei de praia da Rio 2016 devem ter estranhado quando encontraram uma programação mais adequada para uma "balada" do que para uma competição esportiva - as finais na piscina, por exemplo, começam às 22h de Brasília.

Os horários pouco ortodoxos, bem como a escolha dos esportes "agraciados", são mais uma face da imensa influência que a rede de TV americana NBC tem sobre não apenas os Jogos Olímpicos, mas sobre o Comitê Olímpico Internacional (COI). Tudo isso por força do investimento de US$ 1,3 bilhão nos direitos de transmissão da Rio 2016.

Não é surpresa alguma, então, que a emissora dê prioridade ao mercado americano, em especial no que diz respeito a esportes que atraiam o interesse de sua audiência, como é o caso das modalidades citadas acima, ou de provas de interesse universal, como a final dos 100m rasos no atletismo, marcada para 22h30.

Mas na Rio 2016, a NBC tentou influenciar até o protocolo olímpico: no início da semana, a emissora pediu ao COI que mudasse a ordem de entrada das delegações no desfile da Cerimônia de Abertura, na próxima sexta-feira.

De acordo com a tradição, a ordem do desfile tem a Grécia, berço dos Jogos, abrindo o evento, e o país anfitrião fechando. A entrada do restante dos países obede à ordem alfabética de acordo com o idioma local.

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Em um comunicado oficial, a NBC disse ter "discussões regulares com nossos parceiros comerciais e o COI sobre tudo que envolve proporcionar a melhor cobertura possível da Olimpíada à nossa audiência nos EUA".

Os executivos da emissora temem um esvaziamento de sua audiência porque, de acordo com a ortografia brasileira, a delegação americana desfilará entre os países iniciados com a letra "E", o que poderá fazer com que parte do público mude de canal depois da passagem dos 555 atletas dos EUA.

Pediram que a grafia em inglês (USA) fosse levada em conta, o que colocaria os americanos bem mais tarde no gramado do Maracanã - a cerimônia começa às 20h e tem término previsto para 23h. O pedido foi negado pelo COI e pelo Comitê Organizador. Pelo menos até agora, os americanos serão a 64ª delegação a desfilar entre as 207.

Particularidades do alfabeto são curiosas: nos Jogos de Seul-88, por exemplo, a delegação brasileira foi apenas a 63ª a entrar no Estádio Olímpico da capital sul-coreana. Nos Jogos de Atenas, o alfabeto grego deixou o Brasil em 30º, atrás do Vietnã.

Jogos de Verão e Inverno

Na verdade, a NBC não pagou caro apenas pela transmissão da primeira Olimpíada na América do Sul. Recentemente, o COI anunciou que a emissora americana desembolsou outros US$ 7 bilhões pela exclusividade nos direitos dos Jogos de Verão e de Inverno entre 2022 e 2032.

Mas a Rio 2016 é mais estratégica porque a cidade brasileira tem o fuso apenas uma hora à frente da Costa Leste americana, o que torna mais cômoda a vida dos telespectadores do país - e que dificulta, em muito, quem vive na Europa, que durante o período olímpico estará entre quatro a sete horas à frente do horário de Brasília.

Essa condições, além do apelo natural da maior festa do esporte mundial, ajudaram a emissora a, já em março deste ano, ter arrecadado pelo menos US$ 1 bilhão com a venda de espaço comercial em suas transmissões - algo que ocorreu quatro meses mais cedo do que nos Jogos de Londres, em 2012. A campanha de marketing da emissora para a Rio 2016, porém, está orçada em US$ 100 milhões, 25% a mais do que os valores gastos para a promoção em Londres.

A escolha de horários foi controversa para alguns dos principais interessados - os atletas. Equipes de natação reclamaram demais do horário noturno das provas, e a federação internacional do esporte (Fina) foi contra a programação. "Só que a decisão final cabe ao COI", explicou Cornel Marculescu, diretor-executivo da entidade.

Na prática, isso significa que, entre entrevistas e exames antidoping, nadadores chegarão à Vila Olímpica de madrugada para jantar, dormir e, no caso de muitos atletas, preparar a participação em outras provas na piscina.

No vôlei de praia, a programação diária tem partidas à meia-noite e, ironicamente, os atletas americanos já estão sofrendo: a NBC pediu que as partidas de duplas do país, bem como de canadenses, caiam justamente neste horário.

É importante ressaltar que a influência dos detentores de direitos de transmissão no horário de competições é praxe em eventos como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo. Isso porque a receita da TV é crucial para o financiamento de atividades de organizações esportivas. No caso do COI, por exemplo, ela é a maior fonte de arrecadação, correspondendo a 47% de seu faturamento.