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Por que as 'primeiras-filhas' se tornaram peças-chave nas eleições americanas

Chelsea Clinton (esq.), filha da candidata democrata Hillary Clinton, e Ivanka Trump, filha do republicano Donald Trump - J. Scott Applewhite/AP - Damian Dovarganes/AP
Chelsea Clinton (esq.), filha da candidata democrata Hillary Clinton, e Ivanka Trump, filha do republicano Donald Trump Imagem: J. Scott Applewhite/AP - Damian Dovarganes/AP

Alessandra Corrêa - De Winston-Salem (EUA) para a BBC Brasil

31/07/2016 08h18

Ainda não se sabe quem será o próximo ocupante da Casa Branca, mas os americanos já têm uma certeza: a "primeira-filha" terá um papel muito maior que suas antecessoras.

Chelsea Clinton, filha da candidata democrata Hillary Clinton, e Ivanka Trump, filha do republicano Donald Trump, têm sido figuras influentes nas respectivas campanhas e deverão ocupar posição de destaque numa eventual gestão da mãe (caso de Chelsea) ou do pai (para Ivanka).

A expectativa cresce porque Ivanka vem tendo participação mais efetiva na campanha do que a mulher de Trump, Melania. E também porque espera-se que o marido de Hillary, o ex-presidente Bill Clinton, não se ocupe, caso se transforme em "primeiro-cavalheiro", com a organização de eventos e jantares, tarefas tradicionalmente desempenhadas pela primeira-dama.

"Não acho que Chelsea irá morar na Casa Branca. Acho que sua mãe irá contar com ela de vez em quando. É possível que ganhe alguma função relacionada a temas como saúde", disse à BBC Brasil o jornalista e escritor Joshua Kendall.

"Mas em termos de jantares de Estado, é concebível que Chelsea atue como anfitriã", afirma Kendall, autor do livro "First Dads: Parenting and Politics from George Washington to Barack Obama" (Primeiros-Pais: Paternidade e Política de George Washington a Barack Obama, em tradução livre), que aborda as experiências dos presidentes americanos como pais.

"Há indicações de que Bill Clinton teria algum tipo de papel relacionado à economia. Sua mulher não vai querer que ele tenha um papel muito grande, porque isso frustraria muitos americanos, mas acho que ele teria alguma função substancial. Ele não vai se envolver na organização de jantares de Estado", aposta o escritor.

"No caso de Trump, como vimos na convenção republicana (realizada na semana passada), ele não tem muitos aliados políticos, e deve ser bem dependente de seus filhos, especialmente Ivanka. Ela deverá ter um papel importantíssimo em um eventual governo Trump", prevê Kendall.

"Acho que Melania é uma pessoa tímida. Ela deverá apreciar determinadas tarefas tradicionais de primeira-dama, mas penso que Ivanka também irá desempenhar algumas dessas funções", observa.

Trajetórias

Chelsea, 36, e Ivanka, 34, são amigas, apesar de, segundo a imprensa americana, terem mantido distância desde o início da campanha, enquanto seus pais trocam acusações e insultos.

Ambas têm trajetórias semelhantes, filhas de pais poderosos e criadas em famílias marcadas por traições e escândalos sexuais acompanhados de perto pelos tabloides.

Ivanka e os irmãos mais velhos, Eric e Donald Jr., eram pré-adolescentes quando Trump se separou de sua mãe, Ivana, para casar com a amante, Marla Maples, com quem também teve uma filha, Tiffany. Melania é a terceira mulher de Trump e mãe do filho mais novo do empresário, Barron.

Chelsea, filha única, era adolescente quando a gestão de Bill Clinton foi abalada pela revelação de que manteve relações sexuais dentro da Casa Branca com a estagiária Monica Lewinsky.

As duas ocupam cargos importantes nos negócios da família: Ivanka, dona de uma marca de roupas e acessórios que leva seu nome, é vice-presidente executiva das Organizações Trump. Chelsea, que tem dois mestrados, um deles em saúde pública, e um doutorado em relações internacionais, é vice-presidente da Fundação Clinton.

Ambas também têm filhos pequenos. Chelsea, casada com Marc Mezvinsky, é mãe de Charlotte, nascida em setembro de 2014, e Aidan, de um mês. Ivanka e o marido, Jared Kushner, são pais de Arabella, 5, Joseph, 2, e Theodore, nascido em março.

Campanhas

Ivanka parece bastante à vontade com a exposição na imprensa e tem sido personagem crucial desde o início da corrida presidencial.

Ela foi a responsável por apresentar o pai quando ele anunciou sua candidatura oficialmente, há um ano. Ela também foi uma das principais estrelas da convenção republicana na semana passada.

Além de atuar como conselheira e ajudar em decisões importantes, inclusive na contratação e demissão de altos funcionários da campanha, Ivanka serve como uma espécie de contraponto ao estilo incendiário do pai e tem se esforçado para melhorar a imagem de Trump entre as mulheres.

Chelsea, que os americanos viram crescer na Casa Branca durante a presidência de seu pai, de 1993 a 2001, é mais reservada, mas também tem sido figura importante na campanha da mãe, de quem é considerada uma das principais conselheiras.

Em seu discurso na convenção democrata, nesta semana, buscando suavizar e humanizar a imagem de Hillary, Chelsea ressaltou a compaixão da mãe e lembrou de como sempre esteve presente em sua infância, apesar das exigências da carreira.

"Ambas têm a idade certa, na qual já tiveram sua educação e um pouco de experiência, são maduras. E apesar de serem jovens mães, parecem estar satisfeitas em participar ativamente das campanhas", afirma Barbara Perry, diretora de Estudos Presidenciais do Centro Miller, na Universidade de Virginia, .

"E são duas mulheres brilhantes. Acho que desempenharão um papel que não vemos há muito tempo (na Casa Branca)", disse Perry à BBC Brasil.

Histórico

Perry ressalta que uma atuação de destaque por parte de primeiras-filhas não é inédita nos Estados Unidos, mas não ocorreu nos últimos governos, já que os presidentes mais recentes tinham filhos pequenos na época em que estavam no poder.

"Há exemplos desde Thomas Jefferson (terceiro presidente americano, de 1801 a 1809), que era viúvo quando chegou à Casa Branca e tinha uma filha adulta que serviu como uma espécie de primeira-dama", relata Perry.

Ela lembra também que as filhas de Richard Nixon (1969-1974), Tricia e Julie, acompanhavam o pai em eventos de campanha e durante seu governo, e que George Bush (1989-1993) recorria aos conselhos dos filhos, entre eles George W. Bush, que viria a ser presidente.

Para Kendall, o principal exemplo é Anna, filha mais velha de Franklin Roosevelt, que mudou-se para a Casa Branca em 1943, aos 37 anos, para atuar como assistente especial do pai, e assumia funções de primeira-dama em determinadas viagens e jantares.

Segundo o escritor, em governos posteriores algumas primeiras-filhas até tiveram participação em eventos, mas não uma atuação política tão forte como a de Anna Roosevelt.

"Anna Roosevelt era extremamente influente", ressalta Kendall.

Semelhanças

Ele vê semelhanças entre a filha de Roosevelt, Chelsea e Ivanka. "As famílias têm muito em comum. São famílias ricas e disfuncionais, com conflitos conjugais e infidelidade. E todas as três são filhas obedientes", enumera.

"E certamente Ivanka e Anna, quando pequenas, não ganhavam muita atenção dos respectivos pais, então quando adultas elas de certa maneira almejam sua atenção e aprovação", analisa.

No caso de Chelsea, o escritor lembra que ela própria conta estar envolvida em campanhas políticas desde os dois anos de idade. "Esta é a maneira como se conecta com sua mãe, pela política, assim como Ivanka se conecta com o pai por meio do trabalho."

Kendall ressalta ainda que os dois irmãos mais velhos de Ivanka também são ativos na campanha e deverão ser influentes em um governo Trump.

Apesar de não oferecer detalhes, ambas as campanhas já indicaram a intenção de dar posição de destaque à "primeira-filha" no governo, não apenas em papéis cerimoniais, mas também políticos.

Perry alerta que Chelsea e Ivanka deverão ter cuidado para não aparentar estar desempenhando um papel muito destacado, e lembra que a própria Hillary foi criticada quando era primeira-dama por ter uma atuação considerada muito política.

"O público americano reagiu de forma negativa, porque a primeira-dama não é eleita, o povo não tem como tirá-la do poder se não gostar do que está fazendo", observa.

"E o mesmo serve para Bill Clinton, caso seja primeiro-cavalheiro, ou para Chelsea e Ivanka. O público não se sente confortável quando membros da família (do presidente) chegam à Casa Branca e assumem um papel político muito grande", afirma.