Topo

A cidade europeia que enriquece inventando notícias - e influenciando eleições

Histórias falsas publicadas pelo "USA Daily News 24", site registrado em Veles, Macedônia - Raphael Satter/AP
Histórias falsas publicadas pelo "USA Daily News 24", site registrado em Veles, Macedônia Imagem: Raphael Satter/AP

10/12/2016 11h30

Boa parte dos sites de notícias falsas que pipocaram durante as eleições americanas foram criados em uma pequena cidade na Macedônia onde adolescentes publicam histórias sensacionalistas para ganhar dinheiro com publicidade.

Um deles é Goran (nome fictício), que parece bem jovem durante nossa entrevista e usa um paletó azul e uma camisa branca, o que dá um ar de uniforme escolar.

Mas é essa não é a imagem que o jovem universitário de 19 anos quer passar.

"Os americanos amaram nossas histórias e queremos tirar dinheiro disso", diz ele, fazendo questão de deixar o relógio de marca à mostra. "Quem se importa se são verdadeiras ou falsas?"

Ele é apenas um entre centenas de outros adolescentes da Macedônia que trabalham em empresas caseiras na pequena cidade de Veles, de onde saíram várias notícias favoráveis a Donald Trump durante as eleições nos Estados Unidos.

Goran começou a publicar histórias sensacionalistas, geralmente plágios de sites americanos de direita, há poucos meses.

Depois de copiar e colar vários artigos, ele criou manchetes chamativas, pagou ao Facebook para compartilhá-las com americanos sedentos por notícias sobre Trump e quando essas pessoas clicararam, curtiram e compartilharam suas histórias, ele começou a ganhar dinheiro com as publicidades em seu site.

Goran diz ter trabalhado escrevendo histórias mentirosas durante apenas um mês, pelo qual recebeu 1,8 mil euros (R$ 6,6 mil). Mas ele conta que os colegas chegam a ganhar milhares de euros por dia.

Quando questionado se existe uma preocupação de que as notícias falsas podem ter influenciado as eleições nos Estados Unidos injustamente, ele ri.

"Os adolescentes na nossa cidade não se importam como os americanos votam", diz ele. "Eles só estão satisfeitos por fazer dinheiro e comprar roupas e bebidas caras!"

A "corrida do ouro digital" certamente impactou a economia de Veles, onde o salário médio é de apenas 350 euros (R$ 1,3 mil) mensais. Há carros novos pela cidade e os bares estão cheios de jovens bebendo coquetéis extravagantes.

Quando era parte da antiga Iugoslávia, a cidade era chamada de Titov Veles em homenagem ao presidente Josip Tito - hoje ela tem o apelido irônico de Trump Veles.

Do lado de fora do portão da escola, todos os adolescentes admitem conhecer alguém envolvido nos sites ou ter o seu próprio "negócio". Um jovem com o rosto coberto de acne diz trabalhar oito horas por noite em seu site depois da escola.

Veicular notícias falsas em sites de notícias não é ilegal, mas a prática de enganar leitores não está livre de ser considerada uma fraude. Mas não para o prefeito Slavco Chediev.

"Não há dinheiro sujo em Veles", disse ele à BBC, acrescentando que se orgulha da influência dos que chamou de "empreendedores" de sua cidade sobre as eleições nos EUA.

Segundo Ubavka Janevska, uma experiente jornalista investigativa, há ao menos sete equipes organizadas trabalhando com desinformação online, e ela calcula que outras centenas de adolescentes trabalhem individualmente.

"Eu me preocupo com a moral dos jovens em Veles", disse à BBC. "Desde as eleições nos EUA, eles só pensam em mentir e ganhar dinheiro fácil com mentira

"Temos eleições parlamentares aqui na Macedônia em dezembro e eu achei três domínios falsos registrados na Sérvia e na Croácia. Esses sites estão espalhando mentiras sobre o partido de oposição, o que pode prejudicar a campanha seriamente", afirma.

Goran diz ter desistido das notícias falsas agora, apesar de ter deixado escapar que acabou de comprar um novo laptop. Questionado sobre o que sua mãe diria sobre seu negócio online, ele reage em choque. "Você acha que se o seu filho ganhasse 30 mil euros por mês você acharia isso um problema?", questiona.

"Por favor, você ficaria feliz, você ficaria...", diz ele, procurando pela palavra certa. "Incrédula?", sugiro."