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'Espero um dia voltar a ser médico': o refugiado iraquiano que luta para retomar carreira nos EUA

Marwan Sweedan é médico no Iraque e chegou a vender cachorro-quente nos EUA - BBC
Marwan Sweedan é médico no Iraque e chegou a vender cachorro-quente nos EUA Imagem: BBC

25/12/2016 09h18

Dez anos atrás, Marwan Sweedan estava fazendo cirurgias no Iraque. Das salas de operação, porém, foi parar num shopping na Califórnia, nos Estados Unidos, vendendo cachorro-quente.

Sua família atuava junto às forças da coalizão liderada pelos EUA no Iraque quando se tornou alvo de grupos rebeldes.

"Meu pai foi capturado, sequestrado, torturado e morto", conta.

Ele pediu refúgio e foi viver em San Jose, na Califórnia --e chama de "choque cultural" o processo pelo qual passou.

"Ser um refugiado não é algo que você planeja. Também não é algo que você acorda e decide ser. Apenas acontece", diz.

"Não entendi direito o que estava acontecendo. Era como se tudo estivesse desmoronando em minha volta."

'Superqualificado'

O único trabalho que Sweedan conseguiu ao chegar à Califórnia foi como vendedor de cachorro-quente.

Mas ele não lamenta, pelo contrário: "Pra ser honesto foi divertido, aprendi muito", diz.

O iraquiano conta que só então aprendeu o significado da palavra "superqualificado" --empregadores ficavam confusos ao se deparar com um médico que disputava vagas de entregador de pizza, por exemplo.

Foi com a ajuda de uma ONG que auxilia refugiados a se reinserir no mercado de trabalho que o médico aprendeu que nem sempre se deve colocar no currículo tudo o que já fez.

"O objetivo do programa para refugiados nos EUA é a garantir a autossuficiência dos que chegam. É assegurar um primeiro trabalho o mais rápido possível", afirma Tara Wolfson, cofundadora do Global Talent Idaho, organização que ajudou Sweedan a conseguir um emprego.

Hoje, o médico trabalha em um hospital, onde atua como especialista em prevenção de infecção - responsável por manter a limpeza de salas de cirurgia, por exemplo.

Treinamento

Em dois anos, a Global Talent Idaho já ajudou 125 refugiados a obter um trabalho melhor.

Entre os serviços prestados pela ONG estão suporte para aprimorar o inglês, consultoria para elaboração de currículo e simulados de entrevista de emprego.

"Apenas decidi que não poderia mais me olhar no espelho sabendo que há um médico limpando o chão ou um engenheiro organizando uma fila", diz Tara Wolfson, cofundadora da ONG.

Outras organizações nos EUA e em outros países fazem o mesmo: ajudar refugiados com treinamento e requalificação para o mercado de trabalho.

Hamburgo, na Alemanha, sediou em novembro uma feira dedicada a refugiados --a ideia era promover a integração e oferecer informações sobre o mercado de trabalho.

Público não falta: histórias como a do médico iraquiano se repetem entre refugiados que conseguem um novo lar, mas enfrentam dificuldades para encontrar uma ocupação de acordo com suas capacidades.

A maioria deles desconhece a melhor forma de mostrar suas habilidades aos empregadores.

Gina Finley diz que muitos refugiados cometem um erro básico, porém determinante na perda de oportunidades.

Nos EUA, conta, uma entrevista de emprego normalmente começa com um "fale mais sobre você". Em muitos países, explica a especialista, é a deixa para falar sobre questões pessoais, como família, mas não ali.

"Eles ajudam a transformar sua experiência numa boa história, de modo que o empregador se interesse em vê-lo pessoalmente", explica Marwan Sweedan, revelando o que faltava para ele deixar de vender cachorro-quente.

Os refugiados que receberam ajuda da Global Talent Idaho estão ganhando, em média, US$ 126 mil (R$ 424 mil) anuais a mais.

Sweedan é um deles. O médico conta que, graças ao novo trabalho no hospital, conseguiu comprar uma casa nos EUA. Mas está convencido de que poderia estar ganhando muito mais se estivesse atuando como cirurgião.

"Acho que estou usando minha experiência, mas não na capacidade plena", avalia.

Exigências

Nos EUA, médicos e advogados, por exemplo, precisam passar em testes, tirar licenças especiais e conseguir autorizações de conselhos para atuar.

Para ser cirurgião nos EUA, Sweedan precisará ser aprovado em três exames difíceis e caros. Depois, deverá ser aceito em um programa de residência médica com graduandos em Medicina.

Pode levar cinco anos até que o iraquiano consiga retomar as funções que deixou para trás em seu país. Mas ele diz que irá insistir no sonho de voltar a ser médico.

"Não vou desistir. Trabalhei duro para conseguir meu diploma no Iraque, vou trabalhar muito outra vez e eventualmente vou conseguir."