Topo

Os seis motivos que levaram o império soviético à ruína de maneira surpreendente

Mikail Gorbachev, o último líder da União Soviética - Odd Andersen/AFP
Mikail Gorbachev, o último líder da União Soviética Imagem: Odd Andersen/AFP

25/12/2016 08h43

Foi um colapso espetacular, que deixou o mundo perplexo e cujas ondas de choque ainda são sentidas 25 anos depois.

Como a União Soviética, uma superpotência integrada por 15 repúblicas, desmanchou-se de forma tão rápida e inesperada em dezembro de 1991?

Como o bloco socialista, dono de enorme influência política, ideológica, econômica e tecnológica, e que marcou a história do século 20, deixou de existir quase de um dia para outro?

Estamos falando de um império que nasceu da Revolução Comunista de 1917 e chegou a ocupar um sexto do território do planeta, abrigando cem nacionalidades.

E que ajudou a derrotar Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, protagonizou a Guerra Fria junto com os EUA, além de ser pioneiro na corrida espacial, enviando o primeiro satélite da história, o Sputnik, e colocando o primeiro homem no espaço, Yuri Gagárin.

Isso sem falar em destaques nos esportes, nas artes e na literatura.

"A velocidade com que o Estado soviético se desintegrou foi uma surpresa para quase todos", disse à BBC Mundo (o serviço espanhol da BBC) Archie Brown, professor emérito de Política e especialista em temas soviéticos da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Segundo Brown e outros especialistas que estudaram o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), há seis razões principais para explicar o colapso da superpotência, oficializado no Dia de Natal de 1991.

1. Autoritarismo e centralização

A origem da URSS remonta a 1917, quando a revolução bolchevique depôs o czar Nicolau 2º e estabeleceu um Estado socialista nos territórios do que até então era o Império Russo.

Em 1922, logo após a Rússia anexar repúblicas mais distantes, foi estabelecida então a gigantesca união, cujo primeiro líder foi o revolucionário marxista Vladimir Lênin.

Mas, desde o início, governar um Estado tão complexo e diverso era extremamente difícil.

Ainda que originalmente o plano era que a URSS tivesse uma sociedade democrática, em substituição à autocracia czarista, o bloco acabou tomando o caminho do autoritarismo, consolidado com a ascensão de Josef Stálin ao poder, em meados da década de 1920.

A Constituição soviética, adotada nos anos 1930 e modificada nos anos 1970, estabelecia que as regiões e nacionalidades estariam representadas em um parlamento conhecido como Soviete Supremo.

Na prática, porém, todas as decisões, incluindo a eleição do líder da URSS, ficavam nas mãos do Partido Comunista --mais precisamente um pequeno grupo de dirigentes poderoso, o Politburo.

Com Stálin, o Estado começou a controlar cada aspecto da vida política, econômica e social. Aqueles que se opunham a suas medidas eram presos e enviados a campos de trabalhos forçados (os Gulags) ou executados.

O cotidiano de 290 milhões de soviéticos era de opressão e exclusão das decisões que tinham um forte impacto em sua existência.

Mesmo após a morte de Stálin, em 1953, e a condenação pública de suas atrocidades pelos líderes soviéticos, o Partido Comunista continuou ditando o destino do país.

2. O 'inferno' da burocracia

O autoritarismo e a centralização da União Soviética resultaram em uma burocracia sem fim e que estendia seus tentáculos a todos os cantos do território e a todos os aspectos da vida cotidiana.

Tudo era uma questão de documentos, selos, procedimentos de identificação e notas.

"A União Soviética acabou sendo um estado ineficiente", explica Archie Brown.

3. Economia falida

A centralização e a burocracia tiveram impacto no sistema econômico soviético, que tinha como base a ideia do teórico do comunismo Karl Marx (1818-1883) de socializar os meios de produção, distribuição e intercâmbio.

Isso significou que a economia do enorme bloco foi planificada e regida pelos chamados planos quinquenais, que estabeleciam metas para todas as atividades.

A força de trabalho, que alcançou 150 milhões de pessoas, dedicava-se majoritariamente à indústria, e em muito menor proporção à agricultura.

Stálin patrocinou um forte processo de industrialização que se concentrou nos setores petrolífero, siderúrgico, químico, minerador, processamento de alimentos, automotivo, aeroespacial e defesa.

Mas a URSS perdeu a corrida pela hegemonia econômica com os EUA, seu principal rival. No final dos anos 1980, o PIB soviético era apenas a metade do americano.

"Estava claro que as políticas econômicas soviéticas falhavam. A taxa de crescimento vinha caindo desde o final dos anos 1950", explica Brown.

O cineasta britânico Adam Curtis, autor do documentário Hypernormalisation, que tem o colapso da URSS como parte da narrativa, diz que a economia soviética durante muito tempo se baseou em ilusões.

"Todos, dos políticos à gente comum, fingiam que a economia era pujante. Na verdade e na intimidade, porém, sabia-se que havia buracos por todos os lados e que estava destinada ao fracasso."

Archie Brown ressalta que, devido aos problemas econômicos, a expectativa de vida dos homens soviéticos se reduziu (algo também atribuído por analistas ao consumo excessivo de álcool), ao mesmo tempo em que a mortalidade infantil aumentou. E a estagnação econômica fortaleceu o setor informal e o mercado negro.

4. Melhor educação

Com o passar dos anos, o nível geral de instrução dos soviéticos melhorou e milhões de pessoas foram para a universidade. Apesar de o Estado restringir o contato com o exterior, esses indivíduos começaram a ter maior conhecimento sobre o mundo.

"Profissionais bem educados transformaram-se em um grupo social significativo e influente", diz Brown.

"Estavam abertos à liberalização que viria em meados da década de 1980, com o reformista Mikhail Gorbachev", completa.

5. As reformas de Gorbachev

Para Brown, Mikhail Gorbachev, o homem que ocupou a presidência da União Soviética entre 1985 e 1991, é um fator determinante para explicar o desmanche da superpotência --chegou ao poder como um reformista do sistema, mas terminou como seu "coveiro".

Quando se converteu em secretário-geral do Partido Comunista, em março de 1985, Gorbachev lançou um dramático programa de reformas para tentar equilibrar um economia problemática e uma estrutura política ineficiente e insustentável.

Seu plano tinha dois elementos cruciais: a "Perestroika" e a "Glasnost" (respectivamente reestruturação e abertura, em russo).

A "perestroika" consistia em relaxar o controle do governo sobre a economia. Gorbachev acreditava que a iniciativa privada impulsionaria a inovação, por isso permitiu que indivíduos e cooperativas fossem donos de negócios pela primeira vez desde os anos 1920. E promoveu investimentos estrangeiros em empresas soviéticas.

Gorbachev também concedeu aos trabalhadores o direito de greve.

Já a "glasnost" consistia em eliminar os resquícios da repressão stalinista, como a proibição da publicação de livros de autores como George Orwell e Alexander Solzhenitsyn, e dar mais liberdade aos cidadãos soviéticos.

Gorbachev libertou presos políticos e permitiu que a imprensa publicasse críticas ao governo. Ele também determinou a realização de eleições para o Legislativo e pela primeira vez permitiu que outros partidos políticos fizessem campanha.

Os soviéticos celebraram a democratização, mas as reformas para introduzir a economia de mercado no país demoraram demais para dar frutos. Houve aumento de preços, racionamento, filas intermináveis para obter produtos. Tudo isso gerou frustração cada vez maior com a administração de Gorbachev.

O líder também enfrentou enorme oposição das alas mais conservadoras do Partido Comunista, que em 1991 articularam um golpe para tentar derrubá-lo. O levante fracassou por causa da rejeição popular e o respaldo do então presidente da Rússia, a principal república soviética, Boris Yeltsin.

Ainda assim, Gorbachev renunciou ao cargo em 25 de dezembro daquele ano. No dia seguinte, assinou a declaração de dissolução da União Soviética.

Em seu discurso de despedida, o último líder da URSS fez um mea culpa: "O velho sistema desabou antes que o novo começasse a funcionar".

Archie Brown explica que o caso soviético fugiu de um típico processo em que crises políticas e econômicas levam à liberalização e à democratização. "Foram justamente a liberalização e a democratização que levaram o sistema a um ponto de crise, pois permitiram a expressão do descontentamento."

"Sem reformar, era capaz de a URSS seguir existindo nos dias de hoje", acrescenta.

6. Revoluções e movimentos separatistas

O objetivo de Gorbachev não era apenas transformar as práticas econômicas e a política interna da União Soviética, mas também mudar a maneira como o bloco encarava as relações internacionais.

O líder tinha claro que o mundo estava mais interdependente e que o êxito da economia soviética estava condicionado a melhores vínculos internacionais. Ele também acreditava que havia interesses e valores universais que se sobrepunham à divisão entre Ocidente e Oriente.

E que nações tinham direito por si mesmas a decidir que sistema político e econômico queriam. Foi por isso que Gorbachev decidiu abandonar a corrida armamentista, além de retirar as tropas soviéticas estacionadas no Afeganistão desde 1979, reduzindo ainda sua presença militar na Europa Oriental.

Essas decisões levaram ao fim da Guerra Fria e à derrocada dos governos comunistas dos países satélites da URSS na Europa: o movimento teve início em 1989, na Polônia, com a vitória do movimento sindicalista Solidariedade nas eleições nacionais. Naquele mesmo ano, caiu o Muro de Berlim, o grande símbolo da divisão Leste-Oeste e, na Checoslováquia, a "Revolução de Veludo" derrubou o governo comunista.

Na Romênia, o levante se tornou violento: o líder comunista Nicolae Ceaucescu e sua esposa foram fuzilados.

"Quando poloneses, tchecos e outros povos conseguiram tomar o controle, isso teve um efeito desestabilizador na própria URSS", explica Archie Brown.

A política não-intervencionista de Gorbachev e os problemas econômicos soviéticos alimentaram movimentos separatistas nas repúblicas do bloco. Os países Bálticos (Estônia, Lituânia e Letônia) foram os primeiros a romper com Moscou. Logo depois, Belarus, Rússia e Ucrânia se separaram e criaram a Comunidade de Estados Independentes.

No final de 1991, oito das nove repúblicas que ainda se mantinham na URSS declararam independência --a Geórgia o faria alguns anos depois.

Assim, extinguiu-se a outrora toda poderosa União Soviética.