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Em livro, Moraes defende argumento que poderia cassar Temer

O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, detalha Plano Nacional de Segurança - André Dusek/Estadão Conteúdo/6.jan.2017
O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, detalha Plano Nacional de Segurança Imagem: André Dusek/Estadão Conteúdo/6.jan.2017

09/02/2017 08h30

O ministro da Justiça licenciado, Alexandre de Moraes, indicado pelo presidente Michel Temer para o Supremo Tribunal Federal (STF), manifestou em um dos seus livros entendimento que, se prevalecer na Justiça, pode levar à cassação de Temer.

No livro Direito Constitucional, em que Moraes faz um estudo da Constituição brasileira, o ministro afirma que, caso a votação que elegeu o presidente do país seja anulada, essa decisão torna nula também a eleição do vice-presidente.

Atualmente, corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação, movida pelo PSDB, que acusa a chapa presidencial vitoriosa em 2014, formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, de diversas ilegalidades, como arrecadação de doações que seriam na verdade recursos desviados da Petrobras. São também apontadas irregularidades nas despesas da campanha, como suposta contratações de gráficas que não teriam comprovado os serviços prestados. Se isso for comprovado, a votação da eleição presidencial poderá ser anulada.

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Em livro, Moraes defende argumento que poderia cassar Temer
Imagem: Reprodução/BBC

Há expectativa de que a ação seja julgada neste ano pelo TSE e, seja qual for o resultado, é considerado certo no meio jurídico que haverá recurso ao STF - ou seja, Moraes, caso sua indicação ao Supremo seja confirmada pelo Senado, participaria do julgamento.

Tanto a defesa da ex-presidente Dilma como a de Temer negam ilegalidades. Além disso, os advogados do presidente argumentam que as contas de Dilma e Temer na campanha eram separadas, e, por isso, uma eventual decisão do TSE contra Dilma deveria preservar a eleição de Temer.

A professora de Direito Eleitoral da FGV-Rio Silvana Batini corrobora com a tese de Moraes. Ela ressalta que nunca houve decisão da Justiça Eleitoral no sentido de considerar ilegal uma campanha e cassar apenas o cabeça de chapa, preservando o vice. Todas as decisões até hoje tomadas envolvendo eleições para prefeituras e governos estaduais ou cassaram ou absolveram toda a chapa eleita.

Nesta quarta-feira, o Tribunal Regional do Estado do Rio de Janeiro cassou os mandatos do governador, Luiz Fernando Pezão, e de seu vice, Francisco Dornelles. por produção de material de campanha sem prestação de contas nas eleições de 2014. Ambos podem recorrer da decisão no Tribunal Superior Eleitoral.

Coerência

Mostrando coerência com a jurisprudência existente, Moraes escreve em seu livro que "em virtude da previsão constitucional de eleição simultânea de Presidente e Vice-presidente (chapa majoritária), poderemos ter as seguintes situações: (...) a nulidade da votação do Chefe do Executivo acarreta a nulidade de votação de toda a chapa majoritária".

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'Nulidade da votação do Chefe do Executivo acarreta a nulidade de votação de toda a chapa majoritária', diz Alexandre de Moraes no livro 'Direito Constitucional'
Imagem: Reprodução/BBC

As outras quatro situações apontadas são ligadas a casos de "morte, desistência ou impedimento do candidato à Chefia do Executivo".

O trecho permanece na edição mais recente da obra (32ª), na parte em que Moraes trata do "Modo de investidura e posse no cargo de Presidente da República".

Batini destaca que a "nulidade de votação" só pode decorrer de uma decisão da Justiça Eleitoral.

"No livro, Moraes conclui que a nulidade da votação do chefe acarreta a nulidade da votação de toda a chapa. Ele está partindo de um princípio elementar, que é o princípio da indivisibilidade das chapas majoritárias. Isso é inerente ao sistema majoritário. Não existe voto dado ao cabeça da chapa. Os votos são dados à chapa", afirma.

"Como é uma manual (sobre a Constituição) e ele não apresenta divergências, essa é a posição do autor", acrescenta a professora.

O entendimento jurídico, explica Batini, é que se a campanha foi ilegal, tanto o presidente como o vice foram eleitos ilegalmente. Ou seja, o vice também teria se beneficiado de uma ilegalidade, mesmo que não tenha sido seu autor.

"A ideia de que você poderia, em tese, separar as contas parte de uma premissa falsa. Parte da premissa de que a cassação dos votos é uma penalidade, e no direito você não pode penalizar quem não tiver agido ilegalmente. Essa é a tese que está vindo por parte do presidente", nota ela.

"Mas a cassação não é uma punição, ela é uma consequência da constatação de que os votos foram dados de forma viciada, por abuso de poder. Ou seja, o resultado das urnas não exprimiu de forma legítima a vontade dos eleitores. Então, não tem como você cassar um e salvar o outro", explica.

Questionado pela BBC Brasil sobre o entendimento defendido em seu livro, Moraes respondeu, por meio de sua assessoria, apenas que "o livro não trata de questões eleitorais baseadas em legislação infra constitucional".

A BBC Brasil pediu então novo esclarecimento tendo em vista que a resposta do ministro parece não ter relação com o que diz no seu livro. A obra é sobre direito constitucional e, portanto, expõe o entendimento do autor sobre a aplicação da Constituição e não de outras leis.

É válido destacar que a Constituição está acima todas as outras leis do país. A BBC Brasil não recebeu nova resposta até a publicação dessa reportagem.

Estratégia de Temer

Nos bastidores, o presidente vem trabalhando para costurar maioria no tribunal a favor da separação das suas contas das de Dilma. Hoje, o TSE é presidido por Gilmar Mendes, ministro tido como próximo de Temer.

Em novembro de 2015, Mendes disse que nunca houve decisão da Justiça no sentido de aceitar a separação de contas, mas deixou a porta aberta para uma mudança de entendimento.

"A toda hora nós temos renovação de jurisprudência a propósito dessa temática. Como se diz aí nas músicas, né, 'primeiro é preciso julgar para depois condenar'. Primeiro precisamos chegar lá para depois sabermos o que fazer", afirmou.

Já o ministro Luiz Fux, que também integra o TSE, se mostrou favorável à tese da defesa de Temer.

"Tendo em vista preceito constitucional de que a pena não passa da pessoa do infrator, eu acho que não é irrazoável separar as contas prestadas", declarou em outubro do ano passado.

Relator do caso, o ministro Herman Benjamin já deu declarações dizendo que a ação seria julgada neste ano. Outra estratégia de aliados de Temer, porém, tem sido buscar adiar o desfecho do julgamento.

Segundo uma reportagem da revista Época de janeiro, o PSDB tem trabalhado para aumentar a duração do processo, apresentando novos pedidos de depoimento, por exemplo. O partido, que moveu a ação originalmente para derrubar Dilma, hoje integra o governo do PMDB.

Outro trunfo de Temer é que em abril e maio terminam os mandatos de dois ministros indicados por Dilma ao TSE, Henrique Neves e Luciana Lóssio, e seus substitutos serão indicados por Temer.

A corte tem no total sete ministros, sendo três provenientes do STF, no momento Fux, Mendes e Rosa Weber.

Como já decorreu metade do mandato presidencial, se o presidente for cassado, a Constituição prevê que seu sucessor será escolhido pelo Congresso, havendo nova eleição direta apenas em 2018.

No entanto, conforme a BBC Brasil mostrou em dezembro, há uma ação no STF que poderia levar a eleições diretas, caso o TSE derrube Temer.