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Revistar o celular, exigir senhas, entrar nas redes sociais? O que podem fazer os agentes de imigração dos EUA

O jornalista da BBC Ali Hamedani (dir) cumprimenta apoiadora no aeroporto internacional de Chicago, nos EUA - Nancy Stone/Chicago Tribune via AP
O jornalista da BBC Ali Hamedani (dir) cumprimenta apoiadora no aeroporto internacional de Chicago, nos EUA Imagem: Nancy Stone/Chicago Tribune via AP

19/02/2017 15h10

"Desbloqueie seu telefone." Esse pedido pode ser feito por um agente de imigração quando um estrangeiro desembarca nos Estados Unidos.

Não se trata de uma regra criada por Donald Trump. Foi Barack Obama que a implementou em 2009. Os agentes do serviço americano de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) podem, inclusive, reter aparelhos e fazer cópias dos dados.

O jornalista Ali Hamedani, da BBC, viveu isso na pele há alguns dias ao desembarcar no Aeroporto Internacional O'Hare, em Chicago, no norte dos Estados Unidos. Ele nasceu no Irã e tem passaporte britânico.

No fim de janeiro, Trump assinou uma ordem executiva impondo restrições à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana - entre eles, o Irã - e proibindo a recepção de refugiados nos EUA (medida atualmente suspensa).

'Mantenha desbloqueado'

Após passar pelo controle de visto e passaporte, Hamedani foi levado à uma sala de espera. "O momento mais difícil foi quando o agente (do CBP) pediu a senha do meu telefone", relatou Hamedani.

Embora ele tenha advertido que havia ali informações confidenciais de seu trabalho como repórter, os agentes insistiram. Hamedani cumpriu a ordem. Os agentes pegaram o aparelho e "tentaram mantê-lo desbloqueado o máximo possível para poder vasculhá-lo", conta.

"Um deles acessou minha conta no Twitter. Ele tentava descobrir meu ponto de vista político, se eu apoiava alguém, se tinha alguma ideia extremista ou não", diz.

Foi perguntado se Hamedani teve treinamento militar em alguma base no Irã, quando foi a última vez que esteve no país e por que tinha um passaporte britânico em vez de um iraniano.

"Não foi nada agradável", conta ele, que compara a experiência à ocasião em que foi preso no Irã por causa de seu trabalho como jornalista.

O que podem pedir?

O novo diretor do Departamento de Segurança Interna, John Kelly, informou estar considerando mudar a política aplicada a estrangeiros.

"Queremos ter acesso às suas redes sociais, senhas. O que fazem com elas? O que dizem?", disse Kelly em uma audiência na Comissão de Segurança Interna da Câmara de Representantes. "Se não quiser cooperar, não entra."

Mas, enquanto isso não for implementado, nenhum agente pode pedir senhas de aparelhos ou perfis em redes sociais. "Não estamos pedindo. Só podemos pedir para inspecionar o dispositivo, algo aplicado a qualquer viajante", disse à BBC um porta-voz do CBP.

No caso das redes sociais, há um formulário de preenchimento voluntário aplicado desde dezembro a cidadãos de 38 países dos quais os Estados Unidos não exigem visto.

O questionário pede para indicar sua conta em uma série de redes sociais. "Nenhuma destas políticas está relacionada com a recente ordem executiva (de Trump) suspensa pelos tribunais", disse o porta-voz do CBP.

Reter um dispositivo

De acordo com as normas do CBP, os agentes podem pedir o desbloqueio de telefones, tablets, computadores, câmeras ou "qualquer outro tipo de aparelho eletrônico".

"Manter os americanos seguros e fazer que sejam cumpridas as leis do país em um mundo cada vez mais digital depende da nossa capacidade de examinar legalmente esses materiais", disse o porta-voz.

Para uma "busca detalhada", os agentes têm direito de fazer cópias das informações e reter os aparelhos pelo tempo que for necessário (não há um limite).

A regra diz que os viajantes têm direito a que os dispositivos sejam inspecionados em um local reservado e armazenados sob alta segurança e que as informações sejam destruídas quando não for detectada uma atividade ilegal.

De acordo com uma reportagem do jornal The New York Times, os dados disponíveis mostram que, em 2015, foram inspecionados 4.444 celulares e 320 aparelhos eletrônicos. Se considerarmos que cada pessoa carrega ao menos um aparelho, isso representaria 0,0012% dos 383 milhões que entraram nos Estados Unidos naquele ano.

O direito de não fazê-lo

De acordo com a lei dos EUA, os agentes da imigração "têm o poder de revistar, sem mandado, pessoas e objetos pessoais de qualquer um que pretenda entrar nos Estados Unidos".

Para a a Electronic Frontier Foundation (EFF), ONG internacional dedicada a direitos digitais, "essa lei está ultrapassada" devido à falta de restrições impostas aos agentes de imigração e ao que eles podem obter a partir de um aparelho móvel com acesso à internet.

Um caso semelhante ao do jornalista Ali Hamedani ocorreu com o cientista Sidd Bikkannavar, que é americano e foi detido por agentes em um aeroporto de Houston no fim de janeiro.

Foi pedido que ele desbloqueasse o celular. A princípio, Hamedani se recusou, porque o aparelho pertencia à agência espacial americana, a NASA, e continha informações importantes. Ele acabou concordando depois de o agente insistir que tinha autoridade para fazer o pedido.

"Os funcionários do CBP pegaram meu telefone e não me devolveram até que dei minha senha para que fizessem uma cópia dos dados", disse o cientista ao portal The Verge.

Tanto Hamedani, estrangeiro, quanto Bikkannavar, americano, concordaram com o pedido para dar acesso a seus telefones, mas também tinham o direito de se recusar ou pedir um advogado.

O CBP explica que a concordância é voluntária, mas, se houver uma "suspeita" de que a pessoa está escondendo informações, é possível reter o aparelho.

O que é melhor fazer nestes casos? A advogada Sophia Cope, da EFF, diz ser uma decisão individual: "As pessoas têm de avaliar qual é o risco que estão dispostas a correr e o que desejam conseguir com isso".