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A família que disputa eleições pela extrema-direita na França há 40 anos e nunca esteve tão perto da Presidência

A candidata da Frente Nacional, Marine Le Pen, durante comício em Pierrelatte, na França - Jean-Philippe Ksiazek/ AFP
A candidata da Frente Nacional, Marine Le Pen, durante comício em Pierrelatte, na França Imagem: Jean-Philippe Ksiazek/ AFP

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

01/03/2017 08h13

Polêmicas, brigas, traições, processos judiciais e até um atentado marcam a história da família Le Pen, do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), que disputará pela sétima vez as eleições presidenciais na França, em abril.

É a primeira vez, nas votações presidenciais dos últimos 43 anos, que a FN, partido populista e que se diz "antissistema", vem liderando as pesquisas do primeiro turno. Marine Le Pen, com 26% a 27% das intenções de voto, teria participação assegurada na disputa final.

Mas, até hoje, nenhuma pesquisa sobre o segundo turno, que será em maio, apontou a possibilidade de ela se tornar presidente: ela obteria entre 38% e 42% dos votos.

Entretanto, a menos de dois meses das eleições, uma eventual vitória de Marine passou a ser considerada possível por analistas e políticos de outros partidos, em particular após as surpresas da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e da aprovação do Brexit no Reino Unido, dois resultados que contrariaram quase todas as pesquisas de opinião.

Especialistas estimam que o enfraquecimento do candidato da direita, François Fillon, do partido Os Republicanos, após acusações de que teria dado um emprego fantasma à esposa, aliado à divisão da esquerda francesa criam condições favoráveis para Le Pen nestas eleições.

Esta é sua segunda disputa presidencial desde que assumiu, em 2011, o comando do partido fundado por seu pai, Jean-Marie Le Pen, no início dos anos 1970.

Volta da monarquia

Jean-Marie Le Pen disputou todas as eleições presidenciais entre 1974 e 2007, com exceção do pleito de 1981, que elegeu François Mitterrand.

Isso significa que um eleitor francês de 60 anos viu o sobrenome Le Pen em todas as cédulas de voto desde que começou a votar, exceto uma vez.

Aos 88 anos, o deputado Jean-Marie é um personagem controverso da vida política francesa, conhecido por declarações racistas e antissemitas que já resultaram em mais de 20 condenações na Justiça por apologia de crime de guerra, banalização de crimes contra a humanidade e incitação ao ódio e à violência racial.

Uma de suas declarações mais polêmicas, feita nos anos 1980 e repetida em 2015, foi a de que as câmaras de gás utilizadas pelos nazistas "são um detalhe da História" da Segunda Guerra.

Ele também sugeriu que o vírus Ebola poderia resolver o problema da superpopulação mundial.

Contrariando as pesquisas, Jean-Marie passou para o segundo turno da eleição presidencial de 2002, em que foi derrotado por Jacques Chirac.

Para analistas, ele só tinha chegado ao segundo turno porque muitos eleitores da esquerda, certos de que o socialista Lionel Jospin se classificaria, não foram votar no primeiro turno. Na votação decisiva, Le Pen teve um desempenho modesto, conseguindo apenas cerca de 18% dos votos. O vencedor, Jacques Chirác, foi eleito com mais de 82%.

Conhecido pela capacidade de eletrizar seus partidários em seus discursos, Jean-Marie, formado em direito e ciências políticas, lutou nas guerras da Indochina, atual Vietnã (época em que conheceu o ator Alain Delon, que se tornou seu amigo), e da independência da Argélia.

Le Pen foi acusado de ter praticado tortura na Argélia e processou os jornais que fizeram essas alegações.

Na faculdade de direito, começou a militar para a Restauração Nacional, movimento político que reivindica a volta da monarquia na França.

Linhagem

Em 1960, Jean-Marie se casou com Pierrette Lalanne e teve três filhas.

Marine Le Pen, de 48 anos, é a mais nova. A mais velha, Marie-Caroline, lançou-se cedo na política, mas foi renegada pelo pai nos anos 1990, para se aliar a um micropartido de extrema-direita, o Movimento Nacional Republicano, surgido a partir de um racha na FN.

O pai considerou isso uma traição e a relação continua rompida. Acreditava-se que Marie-Caroline seria sua sucessora.

Na época, ela foi eleita conselheira regional (equivalente a deputado estadual) pela FN, antes de migrar para o partido concorrente. Hoje, é corretora imobiliária.

Apenas em 2011, mais de dez anos depois, Marine retomou o contato com a irmã mais velha, com a qual também tinha rompido na mesma época que o pai.

A outra irmã, Yann, também esteve ligada ao partido, mas com funções mais modestas. Trabalhou como telefonista e na organização de eventos - e chegou a ser despedida duas vezes, uma delas pela necessidade de cortar custos.

Yann é a mãe de Marion Maréchal-Le Pen, a mais jovem deputada da história política do país, eleita aos 22 anos. Maréchal, hoje com 27 anos, é aliada do avô e defende a linha dura do partido, em detrimento da linha mais branda imposta pela tia Marine.

Frequentemente, ela tem divergências com a tia Marine, em temas como aborto.

Yann foi a única filha de Jean-Marie a visitá-lo quando ele foi hospitalizado, no ano passado, em razão de um edema pulmonar.

Mudanças

As relações entre Jean-Marie e Marine também foram rompidas, quando ela o expulsou do partido, em 2015, após novas declarações antissemitas do pai. Por decisão da Justiça, Jean-Marie continua sendo presidente de honra da FN, mas o partido entrou com recurso.

"Tenho minha personalidade e minha própria percepção do exercício de responsabilidades. Durante quarenta anos, Jean-Marie Le Pen representou a Frente Nacional. Hoje, sou eu, e não ele, a encarregada de seu futuro e de suas ideias", afirmou, na época, Marine.

Apesar da briga, ele emprestou 6 milhões de euros para a campanha presidencial da filha.

A presidente da Frente Nacional optou, nos últimos anos, por tentar limpar a imagem de racista, xenófobo e antissemita que o partido tem desde os tempos polêmicos de seu pai. Seu slogan de campanha é "Em nome do povo."

Ela mantém um duro discurso anti-imigração, dá destaque à criação de empregos e promete proteger o que chama de perdedores da globalização, focando no cidadão comum francês, sua "prioridade nacional".

Nas eleições presidenciais de 2012, quase 40% do eleitorado operário votou em Marine. Ela levou 17,9% dos votos no primeiro turno, a melhor votação nacional da história da FN, mas que não foi suficiente para levá-la ao segundo turno.

Revista 'Playboy'

As brigas e escândalos na família também envolvem a mãe de Marine Le Pen, Pierrette.

Nos anos 1980, ela abandonou a mansão em que morava com Jean-Marie, nos arredores de Paris, para viver com um jornalista que escrevia uma biografia sobre o marido.

Para se vingar do ex-marido, após uma conturbada separação judicial, ela posou para a revista Playboy com acessórios de camareira, fazendo tarefas domésticas.

Pierrette declarou que fez isso para mostrar a maneira como o marido a tratava. Ela foi a primeira mulher de um político francês a posar nua. Na época, Marina chamou a mãe de "lixão público".

A família também tinha sido vítima de um atentado em 1976. Uma explosão provocada por dinamite pulverizou parte de um prédio em que a família morava em Paris.

Ninguém ficou ferido. Até hoje o caso não foi elucidado.

Investigações judiciais

A Frente Nacional está sendo investigada por várias acusações ligadas a financiamento ilegal do partido, que vão de uso de empregos fantasmas no Parlamento europeu a superfaturamento de contas de campanhas.

Colaboradores do partido já foram indiciados, mas as suspeitas não abalaram as intenções de voto na candidata da FN, que se mantém estável nas pesquisas.

Quase a metade dos franceses ainda está indecisa. Mas 75% dos eleitores que dizem que votarão em Marine asseguram que sua escolha é definitiva, de acordo com pesquisas.

A certeza em relação ao voto é bem menor no caso do centrista Emmanuel Macron, do En Marche (Em Movimento), de 48%, e do direitista François Fillon, de 58%.

As pesquisas indicam que o segundo turno poderá ser entre Le Pen e Macron.

No entanto, especialistas afirmam que o "espírito republicano" deverá prevalecer no segundo turno e impedir que a extrema-direita chegue ao poder na França.

Seja como for, tudo indica que a família Le Pen deve continuar ainda por décadas fazendo parte da vida política francesa.