Topo

Os suecos de extrema-direita que editam e divulgam na web conversas com jornalistas secretamente gravadas

Conversas com jornalistas são editadas e publicadas no site Granskning Sverige - YouTube/Reprodução
Conversas com jornalistas são editadas e publicadas no site Granskning Sverige Imagem: YouTube/Reprodução

07/03/2017 17h25

É um site que se descreve como uma criação de cidadãos preocupados em fazer as perguntas que a mídia não faz - embora seus críticos digam se tratar, na verdade, de "uma fábrica de trollagem da extrema-direita" cujo único propósito é assediar e intimidar.

A página, chamada Granskning Sverige - "Validando a Suécia" em livre tradução -, encoraja voluntários a ligar para jornalistas com uma lista de perguntas sobre sua cobertura noticiosa.

"Eu diria que o tema básico (das perguntas) é xenófobo; eles não gostam de imigrantes", diz Mathias Stahle, um repórter investigativo do periódico sueco "Eskilstuna-Kuriren".

"Eles gostariam de ler mais notícias positivas sobre Donald Trump, de ver mais histórias positivas sobre a Rússia moderna. E querem uma visão mais positiva sobre os neonazistas."

Gravações secretas

As ligações que os jornalistas recebem são gravadas sem o seu conhecimento. Depois, são editadas e publicadas no site e na página de YouTube de Erik Johannson, administrador do site.

Um exemplo dessas conversas foi a ligação recebida por Eva Burman - colega de Mathias Stahle e editora-chefe do jornal sueco.

Do outro lado da linha, o interlocutor se introduziu como "Janne" e perguntou por que um artigo sobre um ataque a um guarda de segurança não mencionara que o crime teria sido cometido por um estrangeiro.

O artigo relatava o ataque, realizado por um grupo de jovens alguns dias antes em uma praça central na cidade de Eskilstuna, a cerca de 100 km ao leste de Estocolmo.

Segundo o jornal, o guarda foi golpeado na cabeça e recebeu vários chutes antes que os jovens, usando máscaras, fugissem do local.

"A verdade tem que ser divulgada", disse Janne, de acordo com um trecho da conversa gravada - também - pelo jornal.

Janne diz que o ataque teria sido realizado por jovens imigrantes de origem marroquina. A polícia, entretanto, acredita que os responsáveis sejam de uma gangue local de jovens.

Como o interlocutor insiste na mesma tecla, Burman se irrita e diz em um dado momento: "Isso se chama racismo".

A conversa, que durou mais de 20 minutos, foi editada para três minutos e publicada no YouTube com o título "Editora-chefe chama cidadão de racista".

Repórter infiltrado

Após ouvir outros relatos semelhantes de jornalistas, Stahle decidiu investigar as ligações. Ele começou criando um perfil falso nas mídias sociais e se inscrevendo em vários fóruns de extrema-direita.

Depois, entrou em contato com o site Granskning Sverige para oferecer seus serviços como voluntário ligando e gravando conversas com jornalistas.

Aceito, ele ainda soube que poderia lucrar com a atividade - receberia cerca de US$ 100 (R$ 313) para cada ligação editada que recebesse mais de 3 mil acessos online.

Para isso, precisava manter sua identidade em segredo e as ligações teriam de ser editadas para soarem mais dramáticas antes de serem postadas.

Ao procurar os administradores do Granskning Sverige, a BBC recebeu o retorno de Erik Johannson.

Na conversa, Johannson - que por sinal não é seu nome verdadeiro - insistiu que o que faz não é diferente das técnicas secretas de gravação usadas por jornalistas tradicionais quando seus pedidos de entrevista são rejeitados.

Ele acredita não estar fazendo nada de errado, simplesmente tentando convencer a mídia e outros a apresentar uma visão mais balanceada da Suécia moderna.

Mas para Mathias Stahle, "o que eles fazem é assustador, porque obviamente eles têm uma agenda política que querem comunicar para o resto do mundo ao fazer essas entrevistas falsas".

Acadêmicos na mira

E não são apenas jornalistas que recebem essas ligações clandestinas.

Martin Kragh, do Instituto Sueco de Relações Internacionais, publicou em janeiro um artigo argumentando que a Rússia estava envolvida numa campanha de desinformação com o objetivo de influenciar a relação da Suécia com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

O texto foi bem recebido por acadêmicos e coincide com o ponto de vista de muitos especialistas ocidentais de segurança. Mas também recebeu uma reação furiosa de pessoas afirmando que era Kragh quem espalhava desinformação.

"Nas últimas seis semanas, tenho sido assediado e ameaçado", diz ele. "Houve um ataque cibernético e uma disseminação de desinformação. Se você busca meu nome do Google, vai encontrar coisas terríveis que escreveram sobre mim."

Nos dias após a publicação do artigo, Martin foi bombardeado por ligações.

"Um indivíduo liga repetidamente, sem revelar nome e usando números secretos de telefone. Depois ele edita a ligação de uma forma que você não tem controle sobre isso", conta.

"Ele também vai ligar para seus colegas para ter informações pessoais suas", acrescenta. "Isso de forma alguma é um comportamento normal de um jornalista."

Em sua entrevista para Mathias, Erik Johannson nega que o site tenha o objetivo de intimidar as pessoas e diz acreditar estar prestando um importante serviço ao oferecer um ponto de vista alternativo àquele da mídia tradicional.

Mas Johansson não pode mais fazer isso anonimamente.

Recentemente, o jornal sueco "Expressen" revelou seu nome verdadeiro: Fabian Fjalling, de 48 anos, morador de um distrito de 10 mil habitantes chamado Torslanda, localizado próximo a Gotemburgo.