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Entenda a crise que culminou com invasão e incêndio do Congresso do Paraguai

Prédio do Congresso do Paraguai após incêndio - Roberto Duarte/AFP
Prédio do Congresso do Paraguai após incêndio Imagem: Roberto Duarte/AFP

01/04/2017 11h17

Congresso em chamas, dezenas de feridos, e danos materiais substanciais. Esses foram os resultados de um dia de protestos intensos em Assunção, capital do Paraguai.

As manifestações tiveram início na sexta-feira, logo depois que 25 senadores aprovaram uma emenda constitucional que permitiria ao atual presidente do país, Horacio Cartes, concorrer à reeleição no ano que vem, possibilidade vedada atualmente pela Constituição paraguaia.

O projeto foi aprovado pelos senadores ao fim de uma votação convocada de surpresa e a portas fechadas. Assim que ficaram sabendo da notícia, os paraguaios iniciaram protestos pacíficos, mas que rapidamente se tornaram violentos.

A polícia foi chamada e disparou balas de borracha contra os manifestantes. Também usou canhões de água e bombas de gás lacrimogênio. A aprovação da emenda constitucional no Senado é o primeiro passo para que a reeleição seja permitida no Paraguai.

O projeto, porém, ainda terá de ser aprovado pela Câmara dos Deputados, na qual Cartes tem maioria. A votação estava programada para acontecer na manhã deste sábado, mas foi adiada devido aos protestos.

Mas por que a medida causou tanto descontentamento? O que diz a lei?

Em agosto de 2016, o Parlamento Paraguaio já havia recusado uma proposta similar para permitir a reeleição. Até alguns dias atrás, as normas do Congresso estabeleciam que seria necessário esperar um ano para tratar do assunto novamente.

No entanto, nesta semana, parlamentares aliados do governo conseguiram modificar o regulamento e encaminhar a iniciativa ao Senado, com vistas à sua aprovação.

Segundo a agência de notícias EFE, o projeto de emenda constitucional aprovado permitiria que os presidentes e vice-presidentes do país pudessem concorrer a um segundo mandato, de forma contínua ou alternada.

Em outras palavras: tanto o atual presidente do país, Horacio Cartes, quanto o ex-mandatário Fernando Lugo, que foi destituído em 2012, poderiam concorrer ao cargo novamente em 2018, para um mandato de cinco anos.

Após a aprovação no Senado, o projeto deve ir à votação na Câmara, na qual Cartes tem maioria. Se a Câmara aprová-lo, o Tribunal Superior Eleitoral do país convocará um referendo para que a população se manifeste e decida se aceita a reeleição presidencial.

"Vamos dar à população a oportunidade de se manifestar no referendo; não estamos negando absolutamente nada, pelo contrário, estamos dando a todos a oportunidade de decidir", disse à EFE o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Velázquez, aliado do presidente.

Polêmica

A aprovação do projeto pelo Senado desencadeou acusações de ruptura constitucional por parte dos parlamentares da oposição.

Diferentemente do Brasil, a Constituição paraguaia proíbe a reeleição presidencial. O veto está em vigor desde 1992, após o fim da ditadura militar de Alfredo Stroessner, que durou de 1954 a 1989.

O governo de Stroessner, do Partido Colorado, foi um dos mais duradouros e repressivos na história da América Latina.

Foram ao todo mais de 400 desaparecidos, 18 mil torturados e 20 mil exilados, segundo dados publicados em 2008 pela Comissão de Verdade e Justiça do Paraguai.

No entanto, após a saída de Stroessner, o Partido Colorado continuou na presidência, completando seis décadas consecutivas no poder.

Até que, em 2008, Fernando Lugo, da centro-esquerda Frente Guasú, ganhou as eleições presidenciais.

Mas, quatro anos depois, antes de completar seu mandato, Lugo foi destituído após um julgamento político no Congresso. Em 2013, o Partido Colorado voltou ao poder, com o empresário Horacio Cartes, atual mandatário do país.

Segundo os manifestantes, a reeleição fragilizaria as instituições democráticas paraguaias. Muitos deles gritavam "ditadura nunca mais" durante os protestos de sexta-feira.

Balanço

Segundo a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, há dezenas de feridos, entre parlamentares, manifestantes e policiais.

A cifra exata não é conhecida, mas o site de notícias Ultimahora.com informou que 16 civis ficaram feridos e o mesmo número de policiais foram hospitalizados.

Durante os protestos, manifestantes invadiram o Congresso e colocaram fogo em objetos. Parlamentares e jornalistas presentes no local tiveram de ser retirados às pressas.

Na noite de sexta-feira, o presidente do Paraguai, Horacio Cartes, divulgou um comunicado no qual descreveu o episódio de "vandalismo".

Além disso, Cartes pediu à população que "mantivesse a calma" e "não se deixasse levar" por quem "busca destruir a democracia e a estabilidade política e econômica do país".

A polícia dispersou os manifestantes que estavam nos arredores do Congresso. Segundo a EFE, os protestos migraram, então, para o centro da capital, onde os manifestantes instalaram dezenas de barricadas.

Entre os feridos, está o deputado da oposição Edgar Acosta, quem teria sido alvo de "vários disparos de bala de borracha no rosto", informou o jornal paraguaio ABC Color.

Segundo o diário, também houve confrontos violentos em Ciudad del Este, na região da tríplice fronteira.

O local havia sido o ponto de encontro de um grupo de opositores à emenda. Eles foram dispersados por policiais com balas de borracha. Pelo menos 12 pessoas ficaram feridas.

Fogo cruzado

"Isso é um assalto", disse o presidente do Senado, o opositor Robert Acevedo, que também ficou ferido no confronto dos manifestantes com a polícia.


Na noite de sexta-feira, Acevedo pediu publicamente a Cartes que suspendesse a tramitação do projeto para evitar novos protestos.

Em seu comunicado, Cartes, por outro lado, afirmou que "a democracia não se conquista nem se defende com violência".

"Continuamos a viver em um Estado de direito e não devemos permitir que bárbaros destruam a paz, a tranquilidade e o bem-estar geral do povo paraguaio", acrescentou.

Na América Latina, Peru e Chile são alguns dos países que impedem a reeleição presidencial. Já Colômbia e Venezuela, por exemplo, modificaram a Constituição para permiti-la.