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França: como Marine Le Pen consolidou o avanço gradual da extrema direita no país

Martin Bureau/AFP Photo
Imagem: Martin Bureau/AFP Photo

Daniela Fernandes

De Paris, para a BBC Brasil

24/04/2017 20h16

O primeiro turno das eleições presidenciais francesas, no domingo, marcou um novo avanço da Frente Nacional (FN), da extrema direita. Marine Le Pen conquistou quase 7,7 milhões de votos, um recorde desde a fundação do partido, há 45 anos.

A cada nova votação na França, a FN vem ampliando progressivamente seu eleitorado.

Até então, o recorde obtido pela Frente Nacional havia sido o das eleições regionais de 2015, quando teve 6,8 milhões de votos.

O partido também tinha sido o mais votado na França nas eleições europeias de 2014.

Nas presidenciais de 2012, Marine Le Pen totalizou 6,4 milhões de votos, ficando em terceiro lugar, com 17,9%. No primeiro turno da disputa de 2017, que aconteceu no domingo, ela ficou em segundo lugar, com 21,3%, segundo resultados definitivos divulgados nesta segunda-feira.

Ou seja, na comparação com as eleições presidenciais de 2012, Marine Le Pen teve uma progressão de 20% no total de votos.

Le Pen disputará a votação final, em 7 de maio, com o centrista Emmanuel Macron, que teve 24% dos votos.

A FN também deverá registrar forte avanço nas próximas eleições legislativas, em junho, logo após as presidenciais.

Segundo especialistas, o partido deverá passar dos atuais três deputados no Parlamento francês para cerca de 60.

Isso deve ocorrer em razão da queda do Partido Socialista, que teve no domingo o pior resultado em uma eleição presidencial desde 1969 e deverá perder muitas cadeiras no Legislativo.

Pai

Antes de Marine, a Frente Nacional tinha chegado ao segundo turno presidencial apenas uma vez, em 2002. Foi com o pai da candidata e fundador da FN, Jean-Marie Le Pen. Naquele ano, a eleição foi marcada por uma abstenção recorde.

Jean-Marie conseguiu 4,8 milhões de votos (16,9%), quase três milhões a menos do que Marine no domingo.

Desta vez, pesquisas apontavam que um lugar no segundo turno era quase certo para a FN - algo inédito na história do partido em eleições presidenciais.

Há 15 anos, quando Jean-Marie Le Pen passou para o segundo turno e foi derrotado pelo conservador Jacques Chirac, que obteve 82,2% dos votos, houve manifestações em todo o país para impedir a chegada da FN ao poder.

Os jornais, em 2002, tiveram títulos como "terremoto", "catástrofe", "não" com a foto de Jean-Marie Le Pen, ou "desastre" no dia seguinte ao primeiro turno, o que não ocorreu desta vez com a candidata da FN.

Um protesto gigante contra a Frente Nacional, em 1° de maio de 2002, reuniu mais de 1 milhão de pessoas.

No último domingo, apenas algumas centenas de pessoas realizaram violentos protestos na praça da Bastilha contra a presença de Le Pen no segundo turno.

A reação popular em relação à FN mudou: uma manifestação na noite de segunda-feira na praça da República, em Paris, reuniu apenas cerca de 200 pessoas, segundo a imprensa. O ato foi organizado pela ONG SOS Racismo e sindicatos estudantis, que preveem um novo protesto na quarta-feira.

Investigações

Deputada europeia, Le Pen liderou boa parte das pesquisas eleitorais no ano passado e no início deste ano, mas nos últimos meses foi ultrapassada por Macron, com pequena margem de diferença.

Ela está sendo investigada em diferentes casos envolvendo desde empregos fantasmas de assistentes no Parlamento europeu até superfaturamento de contas de campanha e irregularidades fiscais ligadas ao seu patrimônio. Le Pen nega todas as acusações.

Essas investigações, no entanto, não abalaram sua campanha, diferentemente do que ocorreu com o conservador François Fillon, que caiu nas pesquisas após um escândalo de empregos fantasmas envolvendo sua família.

Nesta segunda-feira, Le Pen, em entrevista ao canal de TV France 2, minimizou o fato de ter ficado em segundo lugar no primeiro turno, após ter sido considerada a favorita por um longo período.

"Não tenho nenhuma decepção, apenas esperanças", afirmou a candidata, que anunciou o desligamento do comando do partido para se dedicar integralmente à reta final da campanha presidencial.

Mudança de imagem

Desde que assumiu o comando da FN, em 2011, Marine Le Pen tentou mudar a imagem de partido racista e antissemita que vinha da época de seu pai.

Marine expulsou Jean-Marie Le Pen do partido, embora ele ainda mantenha, por decisão da Justiça, a presidência de honra da Frente Nacional.

"Marine Le Pen conseguiu, em parte, sua estratégia de comunicação de tornar a imagem da FN menos diabólica. Ela ganhou o apoio das classes populares. Mas quando olhamos o programa de governo da Frente Nacional, ainda há muita coisa da época de seu pai", afirma o cientista político Bruno Cautrès, do Centro de Pesquisas Políticas da universidade Sciences Po de Paris.

Pela primeira vez, a FN retirou de seu programa, na atual campanha presidencial, a volta da pena de morte na França.

Outra diferença: seu pai foi durante décadas um ultraliberal, até atenuar um pouco o discurso. Marine, por sua vez, defende o Estado protetor e o protecionismo econômico e com isso atraiu o eleitorado popular.

O avanço da FN nas últimas eleições, desde que Marine assumiu o partido, é decorrente sobretudo da crise econômica e do alto desemprego, na faixa de 10% no país.

Frexit

Com seus discursos antiglobalização e de "preferência nacional" para os trabalhadores franceses, a sigla atrai boa parte da classe operária.

Marine Le Pen defende também o Frexit - a saída da França da União Europeia - e a volta do franco francês.

A crise migratória na Europa e os atentados terroristas reforçaram seus discursos anti-imigração e de um Estado mais policial.

"Nós podemos ganhar e vamos ganhar", afirmou Le Pen nesta segunda-feira.

No entanto, pesquisas feitas após o primeiro turno indicam que Macron venceria Le Pen com folga, com 60% a 64% dos votos.

A dificuldade de Le Pen é que seu partido poderá ter poucas reservas de votos para o segundo turno.

Ela poderá talvez contar com os eleitores do nacionalista Nicolas Dupont-Aignan, que teve quase 1,7 milhão de votos (4,7%) e parte dos eleitores de Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical (em quarto lugar, com 19,6%) ou ainda da direita conservadora, de François Fillon (20% dos votos).

Fillon e o candidato socialista Benoît Hamon pediram que seus eleitores apoiem Macron. O presidente François Hollande também declarou nesta segunda-feira que irá votar no centrista para barrar a Frente Nacional.

Le Pen, segundo pesquisas, poderá obter de 36% a 40% dos votos em 7 de maio. Se confirmado, ela terá um desempenho bem superior ao de seu pai no segundo turno das presidenciais de 2002 (17,8%), sinalizando que pouco a pouco a FN sedimenta um espaço considerável na vida política francesa.