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Inelegível, líder oposicionista defende eleições como saída para crise na Venezuela

Nicholas Kamm/AFP
Imagem: Nicholas Kamm/AFP

30/04/2017 07h10

Para encontrar Henrique Capriles, um dos principais líderes de oposição na Venezuela, é preciso passar pelo olhar suspeito de guarda-costas armados e se espremer para atravessar a grade que guarda o edifício em que fica seu escritório.

Uma imagem que ilustra o clima permamente de tensão que vive o país.

O ex-candidato presidencial, recentemente tornado inelegível para cargos públicos por 15 anos, defende a luta nas ruas como meio de pressionar o governo do presidente Nicolás Maduro, a quem responsabilidade pelo grave crise política e econômica em que vive o país.

Capriles quer a realização de eleições.

Em 2013, ele teve uma derrota apertada para Maduro no pleito presidencial (a diferença foi de menos de 2% dos votos válidos). O candidato da oposição se recusou a contestar o resultado nas ruas.

"Havia condições para que o país iniciasse um processo de guerra civil. Agora, não há", afirma Capriles em entrevista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Para Capriles, os cenários são distintos porque o governo hoje conta com muito menos apoio popular, além do fato de que a oposição triunfou nas eleições parlamentares de 2015.

Outro fator, segundo o líder oposicionista, é a piora da situação econômica da Venezuela nos últimos anos e que deixou o país em uma situação de inflação alta e escassez de alimentos e medicamentos.

Quase 30 pessoas, segundo as autoridades, morreram nos protestos que há quase um mês ocorrem nas ruas venezuelanas - as manifestações foram motivas pela decisão do Tribunal Superior de Justiça de retirar poderes do Legislativo.

A BBC Mundo conversou com Capriles sobre os protestos e as possíveis soluções.

Como essa crise pode ser contornada?

Henrique Capriles - Com eleições livres e democráticas, não há outro jeito. Temos cinco reivindicações e nenhuma está fora da Constituição: eleições, ajuda humanitária para o fornecimento de remédios e alimentos, libertação de presos políticos e que cesse a prática de tornar candidatos inelegíveis. Por último, queremos o desarmamento das milícias.

BBC - O senhor admite uma saída negociada para evitar cenários mais dramáticos?

Capriles - A Constituição é a base para qualquer processo de negociação. A política é a arte dos acordos, mas para que haja política é preciso haver vontade. Logicamente, em uma crise como a que vivemos, os venezuelanos e o mundo esperam um acordo. Mas a base é a Constituição. Não estamos pedindo nada fora da Constituição.

BBC - Há conversas com o governo?

Capriles - Não, todos os sinais dados pelo governo são negativos.

BBC - Estão à espera de um gesto da oposição?

Capriles - Não é um leilão. Há cinco reivindicações muito claras e firmes. Não somos obtusos ou incapazes de dialogar. O povo venezuelano é pacífico e privilegia o diálogo, mas as conversas intermediadas pelo (ex-premiê espanhol) José Luis Zapatero foram uma fraude. Até do papa Francisco se aproveitaram. Um espaço de mediação e diálogo deve ser radicalmente distinto.

BBC - O que se obtém com os protestos nas ruas?

Capriles - É um meio de fazer pressão. Protestar é um direito constitucional, não é um delito.

BBC - Quanto tempo eles vão durar?

Capriles - Não sei dizer. Nada disso estaria ocorrendo se estivessem dado uma janela democrática para os venezuelanos.

BBC - Se houvesse eleições agora, dois dos principais líderes, Leopoldo López (preso) e o senhor (inelegível), não poderiam concorrer. A oposição aceitaria esse cenário?

Capriles - Quando falamos de eleições livres e democráticas, isso é sem presos políticos e sem inelegíveis. Que seja o povo a decidir.

Caso nem eu nem Leopoldo pudéssemos concorrer, sem dúvida alguma estaríamos do lado dos que querem mudar a Venezuela. Que seja o líder eleito pelo povo da Venezuela, não o que Maduro queira.

BBC - Mas sem Lopez e o senhor a oposição não fica desvalorizada?

Sim, mas minha obsessão não é a Presidência. Minha obsessão é que a Venezuela mude. O tempo vai abrir as portas que ainda tenha de abrir.

BBC - Como reconciliar as "duas Venezuelas"?

Capriles - Não teremos um tempo de vingança. Minhas acusações nunca são contra o povo. Minha mentalidade não é a de Maduro, não creio em sectarismo. Não é um confronto entre povo e povo, isso acabou na Venezuela. Maduro insiste na divisão. Queremos um governo de unidade nacional.

BBC - Diga-nos três coisas que mudaria se fosse presidente.

Capriles - Comida, remédios e segurança. Quando mudar o governo, se abrirão uma infinidade de possibilidades. Um governo que gere confiança aqui começará a gerar investimentos.

BBC - O chavismo é algo que estará para sempre na Venezuela?

Capriles - O chavismo era (o ex-presidente Hugo) Chávez. O que muda são as diferenças de liderança, quem dá ênfase ao quê. Para mim, não há futuro se todos os esforços não são orientados a combater a pobreza. Estou consciente da realidade social do meu país. O que esperam os que votavam pelo chavismo? Que haja mudanças na Venezuela.

BBC - A oposição está disposta a fazer vista grossa para algumas das acusações contra membros do governo para facilitar uma mudança?

Capriles - Isso soa muito mal, como se fôssemos cúmplices. Na Venezuela, as condições de transição têm que ser debatidas com o país. Estamos conscientes de que, para que as transições sejam eficazes, ambas as partes devem fazer concessões, mas isso depende mais do governo do que de nós.