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Por que o Canadá quer que a Igreja Católica peça desculpas a 150 mil crianças

Joseph Maud contou à BBC sobre sua dura experiência em internato na década de 1960 - BBC
Joseph Maud contou à BBC sobre sua dura experiência em internato na década de 1960 Imagem: BBC

31/05/2017 17h51

Quando criança, Joseph Maud fazia xixi na cama. A reação da freira a cargo de seu dormitório diante do problema era obrigá-lo a esfregar o rosto nos lençóis sujos.

"Era muito degradante, humilhante, porque eu estava num dormitório com 40 meninos. Choro até hoje quando penso nisso. Mas a dor maior foi estar separado dos meus pais, primos e tios", disse Maud à BBC, em 2015, ao lembrar a traumática experiência vivida na década de 1960.

Ele foi um dos 150 mil meninos indígenas que, entre 1840 e 1996, o governo do Canadá separou à força de suas famílias e enviou a internatos gerenciados pela Igreja Católica.

Os pequenos eram proibidos de falar seu próprio idioma ou praticar sua cultura. Não eram decisões casuais: o objetivo era forçar a incorporação à sociedade canadense, de maioria anglo-francófona.

Mas de seis mil crianças e adolescentes morreram nessas escolas. Muitos sofreram abusos emocionais, físicos e sexuais, segundo um comunicado divulgado em 2015 pela Comissão da Verdade e Reconciliação do Canadá (CTR, na sigla em inglês), que entrevistou mais de sete mil pessoas sobre o dia a dia nas instituições.

Pedido formal

Em 2008, o governo canadense se desculpou com sobreviventes pelas experiências sofridas. E na segunda-feira, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, pediu ao papa Francisco que fizesse o mesmo.

"Falei a ele sobre o quão importante é para os canadenses avançar numa reconciliação real com os indígenas e destaquei como ele poderia ajudar ao pedir desculpas", disse Trudeau a repórteres logo depois de seu encontro com o papa, no Vaticano, como parte de sua viagem à Itália para a cúpula do G7.

Trudeau ainda lembrou que Francisco fez gesto semelhante por maus-tratos sofridos pelas comunidades indígenas na América do Sul durante a era colonial.

O Vaticano não comentou o pedido do premiê, mas confirmou que Francisco teve uma conversa "cordial" durante 36 minutos com o mandatário canadense, e que o diálogo "focou em temas de integração e reconciliação, além de liberdade religiosa e questões éticas".

O CTR qualifica o ocorrido como "genocídio cultural" e recomenda que a Igreja Católica faça o pedido formal de desculpas por sua parcela de culpa na direção das escolas.

Segundo o documento, as medidas eram parte de uma estratégia para incorporar os povos indígenas à sociedade canadense contra sua vontade.

E acrescenta que "o governo do Canadá aplicou esta política de genocídio cultural porque desejava se afastar das obrigações legais e financeiras com os povos indígenas e obter o controle sobre suas terras e recursos".

Outros pedidos

Desculpas semelhantes foram emitidas pelas igrejas Anglicana, Presbiteriana e Unida (evangélica), que juntamente à Igreja Católica e ao governo do Canadá ajudaram a gerenciar os internatos.

Em 2009, o então papa Bento 16 expressou "tristeza" pelos abusos cometidos no Canadá.

E em 2015, junto com a divulgação do relatório da CTR, Trudeau prometeu aos sobreviventes que trabalharia pela reconciliação do Canadá com os povos indígenas.