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'Elite da elite', governo Temer não entende o que é estar desempregado no Brasil, diz economista

Ingrid Fagundez - Da BBC Brasil em São Paulo

28/06/2017 17h16

Formado majoritariamente por homens brancos e ricos - "a elite da elite" -, o governo do presidente Michel Temer não tem ideia do que é estar desempregado no Brasil.

A opinião é da economista Monica de Bolle, para quem a distância dos governantes da realidade do brasileiro comum é um ponto-chave para entender comportamentos da equipe de Temer, como a ideia de usar recursos do FGTS para pagar o seguro-desemprego. Antecipada pelo jornal O Globo na semana passada, a medida estava sendo estudada pela área econômica e foi descartada pelo presidente nesta terça-feira.

Para De Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, ações como essa deixam evidente quão pouco os membros do governo conhecem a situação das 13 milhões de pessoas que estão sem emprego no Brasil.

"Parece que este governo não consegue entender a realidade dessas pessoas. Você, nesta situação, falar em tirar o seguro-desemprego é de um absurdo completo", diz a economista, que foi diretora da Casa das Garças, conhecido instituto de estudos de viés liberal, também já dirigido por Ilan Goldfajn, atual presidente do Banco Central.

Autora do livro Como matar a borboleta-azul: Uma crônica da Era Dilma, muito crítico à gestão da petista, a economista diz que a separação entre Brasília e o resto do país já era grande no governo Dilma, mas aumentou devido ao perfil dos ministros e assessores de Temer: bem menos diverso do que em anos anteriores.

"Este governo é formado por gente que sempre esteve muito afastada do dia a dia do brasileiro comum. O governo Dilma tinha vários defeitos, mas havia muita gente em cargos técnicos e de assessoria que entendia o que é ser uma pessoa de classe média baixa no Brasil. Este governo não tem isso. É um governo de pessoas que vêm da elite da elite."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista de De Bolle à BBC Brasil.

BBC Brasil - Você costuma dizer que o governo Temer está apresentando "fatos alternativos" sobre a economia, falando em recuperação enquanto a crise se aprofunda. Como identificou esse comportamento?

Monica de Bolle - Não é estranho que isso esteja acontecendo no governo Temer porque temos um histórico rico de desconexão entre os governantes em Brasília e a realidade. Atravessamos os anos Dilma com uma torcida feita pelo ministro da Fazenda quando qualquer número saía. E a realidade se revelava sempre pior. Isso agora está ainda mais forte porque existe uma ansiedade por parte do governo de contar boas notícias. Por várias razões, inclusive por questões de sobrevivência política de Temer.

É incrível como ganhou corpo a história de o governo usar qualquer indicadorzinho para dizer que a recuperação está vindo. A função do presidente é um pouco essa. O que me surpreende é o (ministro da Fazenda, Henrique) Meirelles estar fazendo esse papel. Estamos vendo o presidente e o ministro da Fazenda, que era para ter um perfil técnico, fazendo exatamente a mesma coisa que o (ex-ministro de Dilma) Guido Mantega fazia quando estava nessa posição.

A coisa mais surpreendente para mim, reveladora da desconexão com a realidade, é a discussão introduzida na semana passada sobre o FGTS (bancar os gastos com) o seguro-desemprego.

BBC Brasil - Por quê?

Monica de Bolle - Você pegar a poupança forçada do trabalhador para cobrir o que deveria gastar com seguro-desemprego, numa situação em que o desemprego está subindo...

Isso mostra uma desconexão da realidade porque desemprego está aumentando e você tira a única rede de apoio que o trabalhador tem.

Você pode interpretar essa medida de duas formas: ou é um confisco do FGTS ou é uma extinção temporária do seguro-desemprego.

O simples fato de terem considerado a proposta mostra uma completa falta de noção do que é a vida das pessoas desempregadas e a de tantas outras que têm medo de perder seu emprego.

BBC Brasil - Em uma entrevista anterior, você falou que a proposta da reforma trabalhista enfraquecia as relações de trabalho e tirava garantias do trabalhador. Mantém a mesma posição?

Monica de Bolle - Continuo com a mesma sensação de que o Brasil precisa discutir e começar a fazer essas reformas, mas tudo está sendo feito a toque de caixa só para o governo dizer que é reformista. Não tenho segurança de que a reforma trabalhista que estamos fazendo é a melhor possível.

Tem um clichê que ouço de vários economistas do Brasil quando faço essa críticas: o perfeito é inimigo do bom. Odeio esse clichê. Não podemos nos satisfazer só com o bom, porque o bom não dá em nada, como a gente viu tantas vezes. Fazer uma coisa meia-boca significa dizer que daqui a pouquíssimos anos estaremos discutindo a mesma coisa outra vez. Então, ou a gente faz uma coisa para realmente consertar o sistema ou espera para fazer direito.

BBC Brasil - Essa situação tem a ver com a necessidade dos governos brasileiros de deixar sua marca? Falamos da reforma da Previdência como uma medida do governo Temer, por exemplo, e não como um projeto para o país.

Monica de Bolle - Exato. E não é uma reforma do governo Temer, a reforma tem que ser para a Previdência do Brasil, para todos os brasileiros. Não é para Temer poder dizer depois 'olha, conseguimos fazer a reforma X'. Isso é uma cabeça subdesenvolvida. Não importa qual é o governo que fez a reforma da Previdência, importa que a reforma seja feita da melhor forma possível.

Ah, as pessoas que estão trabalhando na proposta querem colocar seus nomes na reforma? Então elas já têm uma agenda que não é a agenda do país. A agenda é fazer o melhor para o Brasil, não colocar seu nome na reforma.

BBC Brasil - Mas isso aconteceu em vários governos, não?

Monica de Bolle - Tivemos a experiência do Plano Real, que foi feito por um governo e por um determinado time de economistas que até hoje são citados pela imprensa como 'os pais do real'. Todos são grandes economistas e merecem esse rótulos, mas essa experiência é reveladora de como as pessoas ainda se sentem no Brasil nesse aspecto.

Por exemplo, logo no início do governo Temer, teve gente no Ministério da Fazenda dizendo que eles queriam fazer o 'Plano Real do fiscal'. Por quê? Eles querem ser identificados depois como os pais do Plano Real do fiscal? Ou querem fazer diferença no país? Quais são os objetivos? Não fica claro, porque os governos se apropriam das reformas. A sociedade não quer mais isso, claramente. Aliás, o governo se apropriar das reformas é a maneira mais certa de haver uma enorme pressão contra elas.

BBC Brasil - Nesse cenário, as reformas se tornam ideológicas? Reformas da direita, como muitos se referem hoje às medidas do governo Temer?

Monica de Bolle - A reforma em si não deveria ter nada a ver com o governo que a implementa, principalmente em áreas nas quais estamos tão atrasados. As nossas leis trabalhistas precisam ser modernizadas, ninguém discute isso. Nosso sistema previdenciário está quebrado. Essas questões são técnicas, não deveriam ter carga ideológica. Agora, quando o governo se apropria disso, acaba tendo uma carga ideológica.

BBC Brasil - No caso da reforma trabalhista, essa apropriação influenciou o desenho da proposta?

Monica de Bolle - Com certeza. Quando você vê esse tema sendo discutido em outros países, existe uma preocupação em introduzir mais flexibilidade no mercado sem retirar a rede de proteção ao trabalhador. Essa rede pode não ser a que temos no Brasil hoje, que gera incentivos perversos no sistema, mas você precisa ter uma rede de amparo ao trabalhador. Não pode ser só sobre ganhos de eficiência, tem que haver equilíbrio. O trabalhador que perde a rede de proteção futuramente estará numa situação mais precária.

BBC Brasil - A proposta brasileira atinge esse equilíbrio?

Monica de Bolle - Ela me parece tender muito mais para o lado flexibilidade e eficiência do que para o lado proteção ao trabalhador.

BBC Brasil - Com a apresentação de denúncia por Janot, como vê o futuro do governo Temer?

Monica de Bolle - Se Temer fizer de fato o jogo do 'fico a qualquer custo e vou até o fim', vai levar a economia para o buraco junto com ele, porque tudo ficará em função do presidente. A briga institucional que já existe entre Executivo, Legislativo e Judiciário vai continuar, e paralisar o país inteiro.