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O que a história do famoso bailarino Rudolf Nureyev explica sobre a Rússia de hoje

Putin em uma imagem marcante: sem camisa, sobre um cavalo - Ria-Novosti/AFP
Putin em uma imagem marcante: sem camisa, sobre um cavalo Imagem: Ria-Novosti/AFP

17/07/2017 17h54

Desde os tempos de União Soviética, o consagrado balé Bolshoi, com sede em Moscou, na Rússia, não levava tanto tempo para lançar um novo espetáculo.

Assim que surgiu a notícia de que "Nureyev" só estrearia em maio de 2018, os boatos começaram a se espalhar. O chefe do Bolshoi disse que a obra era tão complexa que ainda não estava pronta.

Mas há uma outra teoria que vem ganhando força: a de que o bailarino russo Rudolf Nureyev, que surpreendeu o mundo e iniciou uma nova era da dança, teria sido aberto demais sobre a sua homossexualidade para os padrões da Rússia atual.

O teatro diz que não. Na verdade, já conheciam a história de Nureyev quando encomendaram a obra ao balé.

Sabiam de seu amor e de sua morte, causada pelo vírus HIV. Então, por que agora muitas pessoas não acreditam na versão oficial?

Casos de homofobia são comuns na Rússia. Direitos de gays são tratados como "um valor ocidental," que ninguém quer impor.

"A Rússia tem uma cultura diferente, valores diferentes", argumentam de políticos a figuras religiosas. A tolerância parece não estar incluída entre esses valores.

O bailarino Rudolf Nureyev (dir) e Rollerena - Reprodução - Reprodução
O bailarino Rudolf Nureyev (dir) e Rollerena
Imagem: Reprodução

Eventos como passeatas do Orgulho Gay frequentemente acabam em espancamentos e detenções. Grupos que se opõem ao movimento gay observam datas e eventos com o objetivo de atacar e filmar os participantes.

Na Chechênia, por exemplo, foram publicados relatos recentes de dezenas de gays que teriam sido presos e torturados pela própria polícia.

Embora incidentes como os da Chechênia sejam excepcionais, o que parece é que tanto a homofobia quanto o sentimento antiocidental, ainda mais comum, estão em alta na Rússia.

Ambos podem ser vistos com uma rejeição ao caos - que outros consideram liberdade - que se seguiu à queda da Cortina de Ferro na década de 1990.

Atualmente, muitos russos veem essa época como o momento em que o Ocidente arruinou o seu país, supostamente "forçando" a introdução de valores estrangeiros goela abaixo de uma Rússia enfraquecida pelo colapso da União Soviética.

Agora que o país recuperou a sua força, eles questionam essa "dominação".

Tudo isso, liderado pela versão mais recente do "macho alfa" russo: Vladimir Putin.

Para os seus simpatizantes, Putin é um faixa preta de judô que está dando jeito no Ocidente degradado, fraco e definitivamente feminino.

Ele é o presidente que tira a camisa e cavalga; ou desce às profundezas dos oceanos em submarinos e pilota aviões de caça.

Essas imagens do presidente - repletas de ação e adrenalina - podem ser encontradas em objetos como canecas e outros itens, à venda em várias lojas em Moscou.

Foi também na era Putin que a Rússia ampliou a sua força militar. Os seus aviões dispararam mísseis na Síria, e colunas de tanques de guerra passearam pela Praça Vermelha. Este é um país que quer mostrar que ainda é poderoso.

Portanto, não é surpreendente que Vladimir Putin também seja um adepto do "manspreading" - termo usado para definir a forma como alguns homens se sentam, com as pernas exageradamente abertas.

Em entrevistas coletivas ou em reuniões com presidentes de outros países, essa é uma das poses favoritas de Putin.

Na reunião do G20, em Hamburgo, ele e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pareciam estar competindo para ver qual dos dois abria mais as pernas enquanto estavam sentados.
Putin em 'Nureyev'?

Tudo isso, é claro, é uma simplificação da situação: a Rússia não tem apenas homens que querem impor o reinado da testosterona, é repleta de variedades e nuances.

Não fosse assim, o balé mais famoso do mundo, que não por acaso é russo, nunca teria escolhido encenar um espetáculo sobre Nureyev.

E o diretor da peça nunca teria decidido incorporar cenas de amor, homens vestidos como "drag queens" e muito menos a nudez frontal da estrela soviética.

Um dos bailarinos com quem falei disse que "Nureyev" é provavelmente a obra mais importante em que trabalhou, principalmente pelos temas que toca.

Mas teme que a produção seja muito radical para o Bolshoi, que, como um antiquário, está cheio de peças antigas e muito admiradas.

O Bolshoi diz que "Nureyev" vai estrear sem censuras no início de maio.

Se isso acontecer, talvez o presidente Putin assista. Ele poderá se sentar na primeira fila e demonstrar que considera o lendário bailarino um grande russo que merece ser comemorado, sem se importar com a sua orientação sexual.