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De Quebec ao sul do Brasil: o referendo pela independência da Catalunha pode impulsionar movimentos nas Américas?

Enrique Calvo/Reuters
Imagem: Enrique Calvo/Reuters

Gerardo Lissardy - Da BBC Mundo em Nova York

11/10/2017 16h39

Os separatistas de Quebec, no Canadá, olham para a Catalunha com interesse. O prefeito da Ilha de Páscoa, no Chile, também declarou que os ilhéus se identificam com a experiência dos catalães. E no sul do Brasil, mais uma consulta separatista foi realizada enquanto a tensão aumentava na Espanha.

A polêmica insistência catalã pela soberania, que pôs em xeque nas últimas semanas a unidade do Estado espanhol, teve ecos curiosos no hemisfério ocidental, animando independentistas e autonomistas de muitas partes do continente americano.

"Nós nos vemos refletidos na Catalunha", disse Anidria Rocha, coordenadora do movimento separatista brasileiro "O Sul é o Meu País", que no último domingo organizou uma votação simbólica sobre a separação de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná do resto do Brasil.

"Em um mundo globalizado, no qual temos a informação no momento em que ela ocorre, isso é quase como um efeito dominó", disse Rocha à BBC.

Mas, apesar do entusiasmo, ainda não está claro se a crise catalã poderá realmente tornar mais vigorosos os movimentos separatistas do outro lado do Atlântico.

'Amanhecer'

As ideias de separatismo dentro de países americanos são praticamente tão antigas quanto o próprio surgimento dessas nações.

O Panamá, por exemplo, nasceu como país ao se separar da Colômbia em 1903, por meio de um movimento independentista doméstico que recebeu uma ajuda chave dos Estados Unidos, interessado na construção do canal que atravessa a região.

E alguns projetos soberanistas nas Américas permaneceram latentes ao longo do tempo por motivos culturais ou econômicos: as regiões envolvidas com esses movimentos costumam ser mais ricas do que outras partes de seus respectivos países.

Nos Estados Unidos, movimentos que buscam a independência da Califórnia e do Texas também comemoraram as novidades da Catalunha, mesmo que seus próprios projetos tenham possibilidades muito limitadas de sucesso.

"Estamos testemunhando o amanhecer da era da secessão", disse Louis Marinelli, americano baseado na Rússia e um dos principais apoiadores do separatismo californiano, o "Calexit", à publicação New York Daily News.

Em Quebec, uma província canadense onde se fala majoritariamente francês, chegaram a ser realizados dois referendos de independência em 1980 e em 1995, nos quais o separatismo foi derrotado - da segunda vez, por uma margem pequena.

No entanto, em 2006 o parlamento canadense reconheceu Quebec como uma "nação" dentro do país, enquanto separatistas da província mantiveram a ideia de realizar um terceiro referendo.

E agora que a Catalunha realizou seu próprio referendo de independência - que foi declarado ilegal pela Justiça espanhola e com 90% de votos a favor do "sim" -, alguns quebequenses se sentem mais animados.

"Os catalães escolheram a independência, e agora é o restante", disse, em seu perfil de redes sociais, Martine Ouellet, a líder do partido federal canadense Bloc Québécois (BQ), que viajou a Barcelona para acompanhar o voto.

'Oportunistas'

As repercussões da Catalunha chegaram até mesmo à Ilha de Páscoa, no oceano Pacífico, onde membros da etnia ancestral rapa nui mantém diferenças históricas com o governo do Chile, pedindo por mais autonomia.

"Nos identificamos com o que está acontecendo na Catalunha", disse o prefeito da ilha ao jornal chileno El Mercurio de Valparaíso. "É o mesmo que vai nos acontecer se o Chile e seus governos não levarem a sério os pedidos de décadas dos rapa nui."

Nas redes sociais também surgiu uma iniciativa que defende a separação dos Estados do norte do México para criar a "República do México do Norte", que até a terça-feira tinha mais de 50 mil curtidas no Facebook.

Alguns veem essa ideia como brincadeira, mas o governador do Estado de Coahuila, Rubén Moreira, a qualificou como "um disparate". "Nunca faltam oportunistas que, em momentos como este, tentam desfazer nosso país."

'Fragilidade'

No entanto, após os acontecimentos na Catalunha - e talvez por causa de crise que geraram - os movimentos separatistas nas Américas ainda parecem longe de conseguir apoio em massa.

A consulta separatista informal do Sul do Brasil recebeu, no domingo, cerca de 350 mil votos pelo "sim", segundo os organizadores - menos do que os cerca de 600 mil que outra consulta conseguiu um ano antes, e com menos de 2% do total de eleitores registrados na região.

Isso apesar de o Brasil viver sua pior crise econômica em décadas e o maior escândalo de corrupção política de sua história.

Mas Anidria Rocha, a coordenadora do movimento, acredita que o grupo conseguiu as assinaturas necessárias para impulsionar um projeto de lei de iniciativa popular que convoque uma consulta oficial sobre a independência dos três Estados.

No entanto, qualquer iniciativa desse tipo se chocaria com o primeiro artigo da Constituição do Brasil, que estabelece que o país é uma "união indissolúvel" de seus Estados.

"Em países como Brasil, Argentina ou México não vejo uma grande possibilidade (de secessionismo), por causa da fragilidade dos movimentos separaristas locais e porque são países com regimes federalistas, que deram autonomia e poderes aos governos locais", diz Mauricio Santoro, professor de relações internacionais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

"Há riscos de que isso possa se transformar em uma crise num país como a Bolívia, que teve na década passada tensões muito graves entre a região da 'meia-lua' (no leste do país) e o governo central", explica.

Por outro lado, ainda não há indícios de que um novo conflito ocorra nessa região da Bolívia, mais rica e menos indígena do que em outras partes do país.

"Eu não diria que (a Catalunha) terá um efeito direto ou implicação nas Américas. A maioria dos países não têm problemas com movimentos separatistas da mesma forma que a Espanha", diz Matt Qvortrup, professsor de Relações Internacionais da Universidade de Coventry, na Inglaterra.

Catalunha, Escócia e outros: os grupos separatistas na Europa

AFP

'Pouco provável'

Autor de um livro sobre referendos e conflitos étnicos, Qvortrup explica que a única forma de um movimento separatista ter efeitos práticos é se tornando realmente de massa. Ele diz, inclusive, que dentro de Quebec os secessionistas estão perdendo força.

Os dados reunidos pelo pesquisador mostram como é difícil levar adiante qualquer projeto separatista: desde 1980 houve 38 referendos de independência ao redor do mundo e em 35 deles ganhou o "sim", mas só 13 resultaram de fato no nascimento de um novo Estado.

"E nesses 13 casos, o denominador comum foi que o Reino Unido, a França e os Estados Unidos apoiaram a criação destes novos Estados no Conselho de Segurança da ONU", afirma Qvortrup.

"Ao menos que você consiga esse tipo de apoio, é pouco provável que consiga ter seu próprio país."

O especialista também é cético a respeito de um possível "efeito de contágio" do referendo catalão.

"Se ele tivesse sido reconhecido, talvez tivesse se espalhado. Por isso ninguém na Europa o apoiou. Da maneira como está agora, ele não vai causar inspiração. Os países que tentam a independência viram como tem sido difícil - praticamente impossível - para a Catalunha e para o Curdistão."'