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As diferenças históricas que culminaram no anúncio da saída de EUA e Israel da Unesco

AFP
Imagem: AFP

12/10/2017 18h13

Os Estados Unidos anunciaram nesta quinta-feira sua saída da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que se torna efetiva a partir de 31 de dezembro.

Em comunicado sobre a decisão, o Departamento de Estado americano ressaltou a necessidade de uma reforma "fundamental" na entidade e criticou seu suposto "viés anti-Israel". Horas depois, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, informou que acompanharia a medida e que já havia dado instruções a seu ministro de Relações Exteriores para iniciar os preparativos para a retirada.

A diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, lamentou "profundamente" a decisão de Washington, a qual qualificou como uma "perda para o multilateralismo" e para a família das Nações Unidas.

Esta não é, entretanto, a primeira vez que os americanos se retiram da organização. Eles também deixaram de ser membros da Unesco em 1984, durante o governo do republicano Ronald Reagan, e só retomaram assento em 2003.

O retorno - após os atentados de 11 de setembro de 2001 - não foi por acaso, segundo afirma a socióloga francesa Divina Frau-Meigs. "A agência aparece então como um dos lugares estratégicos para combater a intolerância e o terrorismo."

Nos últimos anos, contudo, uma série de resoluções e de posicionamentos do organismo desagradaram os americanos, que cortaram sua contribuição financeira em 2011, quando a Palestina foi aceita como membro efetivo.

Velhas diferenças

Em 1974, o país também chegou a suspender os pagamentos, motivado pelo reconhecimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e pelas resoluções que repreendiam Israel.

As reclamações sobre a existência de uma burocracia excessiva na Unesco e as demandas por reforma mencionadas no comunidado de saída desta quinta-feira datam desse período.

Ao anunciar a saída dos EUA da organização dez anos depois, o governo Reagan usou como justificativa a condução por parte da agência de uma suposta "política externa fora de suas atribuições" e pela "hostilidade endêmica frente às instituições de base de uma sociedade livre, em particular, uma imprensa livre, mercados livres e, acima de tudo, os direitos do indivíduo".

A crítica foi interpretada como uma reação ao famoso Relatório McBride, documento assinado pelo Nobel da Paz Seán MacBride em 1980 e encomendado pela organização que chamava atenção para a concentração da mídia global e para o acesso desigual à informação e comunicação.

"Os países que apoiavam o documento desejavam encontrar uma alternativa para o que viam como uma dominação ocidental sobre a informação e uma abordagem parcial dos meios de comunicação ocidentais", afirma a socióloga Frau-Meigs em ensaio sobre o tema.

"Seus opositores consideravam que esta nova ordem (proposta pelo relatório) queria estabelecer um controle da imprensa e da liberdade de expressão pelos governos, que refletia as visões soviéticas e restringia a liberdade dos indivíduos", acrescenta.

'Contra Israel'

Desde a década de 1980, ressalta a socióloga, muita coisa mudou na Unesco e parte das reivindicações americanas foram atendidas.

O descontentamento de Washington com a postura da organização diante do conflito árabe-israelense, contudo, continua.

Em outubro de 2011, a Unesco reconheceu a Palestina como membro de pleno direito. Contrários à adesão, os Estados Unidos decidiram suspender as contribuições financeiras ao organismo - o que levou a agência a retirar o direto de voto do país em outubro de 2014.

No fim do ano passado, o país condenou, por sua vez, resolução da Unesco que criticava o uso da força por Israel e a imposição de restrições a fiéis e ao trabalho de arqueólogos em lugares sagrados de Jerusalém e nas áreas ocupadas da Cisjordânia - um exemplo do que seria o "viés anti-Israel" ao qual os americanos fizeram referência no comunicado de desligamento.

Proposta pela Palestina, a resolução cita o Monte do Templo, como é conhecido por judeus e cristãos, apenas pelo nome muçulmano - Esplanada das Mesquitas -, e por isso foi acusada de ignorar o vínculo do judaísmo com o lugar.

O governo de Israel comemorou a retirada dos Estados Unidos da organização e declarou que a iniciativa mostra que "a discriminação contra Israel" tem um preço.

"A decisão de hoje é um ponto de inflexão para a Unesco. As absurdas e vergonhosas resoluções contra Israel têm consequências", afirmou em comunicado o embaixador israelense na ONU, Danny Danon.

'A lógica de Trump'

Para alguns, contudo, a decisão anunciada nesta quinta-feira por Washington só confirma o rechaço do governo Trump ao multilateralismo.

Sob essa perspectiva, o presidente americano - bastante crítico às Nações Unidas como um todo durante a campanha eleitoral - estaria apenas começando a cortar o laço pelo "mais fácil".

"Reflete a lógica de Trump", disse a funcionária do ministério das Relações Exteriores da Rússia Eleonora Mitrofanova, conforme a agência RIA Novosti.

Mitrofanova afirmou que a Unesco "não perde nada" com a decisão, qualificada pelo porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov de "notícia triste".