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'Battisti quebrou a confiança do Brasil', diz ministro da Justiça sobre decisão de extraditar italiano

Nelson Antoine/AP
Imagem: Nelson Antoine/AP

Nathalia Passarinho - Da BBC Brasil em Londres

Da BBC Brasil em Londres

13/10/2017 09h32

"Quebra de confiança", "saída suspeita do Brasil", e "melhora na relação diplomática com a Itália". Estes são os argumentos do governo brasileiro para rever a decisão de 2010 do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de recusar a extradição de Cesare Battisti.

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, confirmou que o governo decidiu mandar o italiano de volta ao país de origem e argumentou que decisão sobre extradição de estrangeiros é um "ato de soberania", que pode ser tomado a qualquer tempo.

Jardim recomenda, porém, que o presidente Michel Temer aguarde a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux sobre um habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Battisti.

A intenção é evitar que uma decisão de Temer seja posteriormente derrubada pelo STF.

"A Itália nunca abriu mão disso. Os italianos não perdoam o Brasil por não mandar o Battisti de volta. Para eles, é uma questão de sangue. É um entrave nas relações Brasil-Itália e na relação com a União Europeia como um todo", diz o ministro.

É a primeira vez que o ministro fala abertamente sobre as negociações para a extradição de Battisti.

Os bastidores da nova negociação

A Itália jamais perdeu as esperanças de revogar a decisão de Lula de vetar a extradição de Battisti, condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana sob a acusação de ter participado de quatro assassinatos entre 1977 e 1979, quando era integrante do grupo de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Battisti sempre negou ter cometido os crimes, enquanto o governo italiano o acusa de terrorismo.

Com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a ascensão de Temer, a embaixada da Itália no Brasil intensificou a pressão para convencer o governo brasileiro a rever o posicionamento e enviou, em sigilo, um pedido formal à Presidência da República.

O ministro de Relações Internacionais, Aloysio Nunes Ferreira, defendeu a extradição desde que tomou posse, em março, argumentando que a medida seria um gesto importante nas relações entre o Brasil e a União Europeia.

Mas o ministro da Justiça pediu cautela, para evitar o eventual constrangimento de Temer ser desautorizado pelo STF. Pesou na decisão de segurar a extradição uma entrevista do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello na qual ele afirma que, passados cinco anos da decisão de Lula, o governo brasileiro não poderia rever o posicionamento e extraditar Battisti.

"O que destaquei é que precisaríamos de um fato novo. O ministro Marco Aurélio deu uma entrevista dizendo que já havia passado cinco anos e que não poderia extraditar", disse Jardim.

"A preocupação era que o presidente assinasse um ato que fosse posteriormente vedado pelo Supremo."

No último dia 4 de outubro, Battisti foi preso quando tentava cruzar a fronteira entre Brasil e Bolívia portando o equivalente a mais de R$ 23 mil (1,3 mil euros e US$ 6 mil). O italiano alega que estava indo ao país vizinho para comprar equipamentos de pesca, casacos de couro e vinho. E que o dinheiro não era todo seu, mas também das outras duas pessoas que viajavam com ele.

"Ele foi parado pela Policia Rodoviária, verificou-se que tinha mais de R$ 10 mil. Mas não havia ordem de prisão. No que ele foi liberado, passou a ser acompanhado pela Policia Federal. Depois de alguns quilômetros, ele sai do carro, pega um taxi boliviano e é preso pela Policia Federal, agora com ordem do juiz Odilon de Oliveira", detalhou Torquato Jardim.

O governo brasileiro afirma que a ida à Bolívia foi uma tentativa de fuga e argumenta que Battisti pode ter cometido crime de evasão de divisas por deixar o país com mais de R$ 10 mil- acima do limite permitido por lei para saída de recursos sem declaração à Receita Federal. Para o ministro da Justiça, o episódio é o "fato novo" que justifica a extradição.

A BBC Brasil entrou em contato com os advogados do italiano, que pediram para que a reportagem procurasse a socióloga Silvana Barolo, integrante do Comitê de Apoio e Defesa de Battisti.

Barolo afirmou que, quando detido, a polícia coletou dinheiro de todos os três ocupantes do carro.

"Dentro do carro tinha três pessoas. O que eles relatam é que pediram para deixar todo o dinheiro em cima da mesa, jogaram tudo numa caixa e disseram que era tudo do Battisti. O limite que uma pessoa pode sair é de R$ 10 mil. Se tinha o equivalente a R$ 23 mil, cada um estava com menos de R$ 10 mil. Dizer que tudo era do Battisti é uma manobra", argumenta.

'Quebra na relação de confiança'

Battisti não estava impedido de deixar o Brasil, mas, para o governo brasileiro, a "circunstância" da saída do país e o dinheiro acima do limite representaram uma "quebra de confiança".

"Ele quebrou a relação de confiança para permanecer no Brasil. Tentou sair do Brasil sem motivo aparente. Ele disse que ia comprar material de pesca, mas quebrou a confiança porque praticou ato ilegal e deixava o Brasil, com dinheiro acima do limite, sem motivo aparente", justifica o ministro da Justiça.

"Há uma sutileza politíca também. A Bolívia é o único país de esquerda, além da Venezuela, que poderia fazer um grito anti-imperialista", complementa.

Barolo, por outro lado, argumenta que Battisti tem o "direito adquirido" de permanecer no Brasil.

"A relação que o Estado brasileiro tem com o Cesare Battisti não é uma relação de confiança. Ele é um imigrante. A condição legal de qualquer imigrante dá ao direito de sair a qualquer momento, para ir comprar roupa de pesca, roupa de couro, na Argentina e na Bolívia. Não existe quebra de confiança. Ele tem o direito."

Com a prisão de Battisti, Temer decidiu assinar a extradição e, por pouco, o decreto não foi publicado - e o italiano, enviado à Itália. Mas um habeas corpus concedido a Battisti no dia 6 de outubro pelo desembargador José Marcos Lunardelli, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, fez o presidente colocar o pé no freio.

Na decisão de soltar Battisti, Lunardelli pondera não haver comprovação definitiva de que o italiano praticou evasão de divisas ao deixar o país com mais de R$ 10 mil.

Diante disso, Jardim orientou Temer a aguardar uma decisão do Supremo sobre um habeas corpus protocolado ainda em setembro pela defesa de Battisti que visa impedir a extradição, com o argumento de que o prazo para eventual revisão da decisão de Lula era de cinco anos.

"Mandei por escrito a recomendação (de extraditar) na sexta-feira (6), porque era janela de extradição imediata. Então, surgiu o habeas corpus. Recomendei esperar a decisão do Supremo", relatou o ministro.

Os advogados de Battisti citam, no habeas corpus, artigo da lei 9.784/99, sobre atos da Administração Pública, que diz que o direito da administração de anular atos que tenham tido "efeitos favoráveis aos destinatários decai em cinco anos contatos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé".

Mas Torquato Jardim defende a extradição e rebate esse posicionamento sobre esgotamento de prazo. Para o ministro, o tratado bilateral sobre extradição firmado entre Brasil e Itália, se sobrepõe a esta norma.

"O ministro Marco Aurélio está equivocado, porque, pelo tratado bilateral Brasil-Itália, a extradição é um ato de soberania. Em um ato soberano, não há que se falar em prescrição de cinco anos."

Questionado se não geraria uma insegurança jurídica "eterna" um estrangeiro que teve a extradição negada ficar à mercê de mudanças de posicionamento, conforme a chegada de novos presidentes, o ministro da Justiça disse:

"O estrangeiro, para permanecer no Brasil, tem que se comportar conforme a lei brasileira. Isso é normal em qualquer país. Nos Estados Unidos, temos brasileiros sendo deportados sempre."

Histórico

A saga de Battisti para escapar da condenação na Itália começou na década de 1980. Em 1981, depois de sua primeira condenação pela Justiça italiana, Battisti escapou da prisão, fugindo primeiramente para a França, depois para o México e, por fim, para o Brasil.

Ele foi preso em 2007 no Rio de Janeiro e passou a aguardar processo de extradição.

Em 2009, o Supremo se posicionou favoravelmente ao envio de Battisti para a Itália, mas deixou a decisão final ao presidente da República, por considerar que é uma prerrogativa do Executivo.

Em seu último dia como presidente, no dia 31 de dezembro de 2010, Lula decidiu vetar a extradição. O governo italiano afirma que Battisti cometeu atos de terrorismo, e não delitos políticos. Por isso, de acordo com o tratado de extradição firmado com o Brasil, o ex-ativista deveria ser enviado de volta a seu país natal.

O pedido de extradição impetrado pela Itália no STF, logo depois da prisão de Battisti no Brasil, argumenta que o ex-ativista foi julgado e condenado pela Justiça italiana de forma democrática e que, portanto, sua extradição seria legítima.