Reforma do imposto sobre fortuna na França reacende debate sobre taxação dos mais ricos
A reforma do imposto sobre a fortuna na França - que deixará de ser pago por mais da metade dos contribuintes milionários - reacendeu no país o debate sobre taxar ou não os mais ricos como forma de combater a desigualdade.
A França é um dos raros países no mundo a cobrar esse tributo e de maneira ampla: o Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF) incide desde a residência principal a aplicações financeiras, carros, móveis e outros objetos de luxo, como iates, por exemplo.
Vários países, como Suécia, Dinamarca e a Alemanha, também famosos por seus sistemas sociais protetores, já suprimiram o imposto sobre grandes fortunas.
A alegação é de que o tributo incentivava o exílio fiscal e reduzia o potencial empreendedor dos cidadãos.
No Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é previsto pela Constituição Federal, mas nunca foi regulamentado.
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Na França, o tributo foi criado em 1982 pelo presidente socialista François Mitterrand (na época se chamava Imposto sobre Grandes Fortunas) para financiar o benefício social da renda mínima e vem gerando controvérsias há décadas.
Governos da direita conservadora tentaram suprimi-lo ou modificá-lo, mas as alterações eram sempre canceladas quando os socialistas, da esquerda, retornavam ao poder.
O ISF - pago por 1% dos contribuintes e que representa cerca de 1,5% das receitas fiscais do Estado francês - tem forte peso político, já que é visto pela grande maioria da população como um símbolo de justiça social.
Daí seu nome ter a palavra "solidariedade" associada à "fortuna". Seu objetivo é redistribuir o dinheiro dos mais ricos, por meio de inúmeros benefícios sociais às pessoas de baixa renda.
Mas há inúmeras controvérsias sobre a real eficácia desse imposto, que voltaram à tona na França com a reforma apresentada pelo presidente Emmanuel Macron.
Ela começará a ser discutida pelo Parlamento nesta terça-feira.
Críticas
Para os opositores do ISF, ele é um imposto confiscatório e que provoca a saída de ricos do país, como ocorreu com o ator Gérard Dépardieu, que transferiu seu domicílio fiscal para a Bélgica.
O exílio fiscal de milionários - milhares teriam deixado a França nos últimos anos, segundo autoridades - é um dos principais argumentos do governo para mudar as regras atuais do ISF.
"Os que não pagam mais o ISF também deixaram de pagar o Imposto de Renda na França, o que provoca um empobrecimento dos recursos fiscais e, por consequência, do país", afirma o primeiro-ministro, Édouard Philippe.
Diferentemente do Brasil, onde estudos recentes, como o da Oxfam, apontaram a baixa tributação da camada mais rica, o sistema francês poupa os que ganham menos: mais da metade dos contribuintes não pagou Imposto de Renda no ano passado, segundo o Ministério da Economia.
Os cerca de 10% com renda anual superior a € 50 mil (quase R$ 200 mil) arcaram com 70% da arrecadação total do IR no país.
O governo francês também destaca que o país sofre, por causa do imposto sobre a fortuna, a concorrência dos outros países europeus, vistos por milionários como mais atraentes para se instalar e abrir empresas.
Outros problemas são apontados em relação à eficácia do ISF. Isenções, abatimentos e a decisão do Conselho Constitucional francês de que o total dos impostos pagos não pode ultrapassar 75% da renda obtida no ano podem fazer com que ultra-ricos consigam escapar do ISF.
Foi o que aconteceu com a bilionária Liliane Bettancourt, herdeira da L'Oréal, morta em setembro, que era a mulher mais rica do mundo.
A notícia, no ano passado, de que ela não havia pago um centavo de ISF chocou o país.
Como a bilionária já havia pago mais de € 60 milhões (R$ 226 milhões) de IR e contribuições sociais, o que representava o teto de 75% de seus ganhos no ano, obtidos por meio de sofisticadas montagens financeiras, Bettancourt ficou isenta do ISF.
Críticos alegam ainda que a França já possui um elevado imposto sobre o patrimônio, que é o aplicado na transmissão de heranças, com alíquotas que podem chegar a 60% do valor de mercado do bem.
"O ISF é um imposto estúpido. A França atira uma bala no pé enfraquecendo sua economia em nome de uma ideologia ultrapassada", afirma o advogado fiscalista Jean-Philippe Delsol, presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas e Fiscais, de tendência liberal.
Para o economista Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no Século XXI", que descreve o capitalismo como uma máquina de fabricar desigualdades, a alegação de que o ISF prejudica a vitalidade econômica do país é falsa.
Segundo Piketty, jovens que não pagam o ISF tendem a participar mais da criação de empresas e de tendências de inovação no mundo dos negócios do que muitos octogenários que integram, diz ele, o quadro de contribuintes desse imposto.
"A supressão do ISF é um grave erro moral, econômico e histórico", afirmou Piketty em uma coluna no jornal Le Monde.
Na prática, a reforma do ISF apresentada pelo presidente Macron prevê taxar apenas o patrimônio imobiliário, com a criação de um "Imposto sobre a Fortuna Imobiliária", excluindo investimentos financeiros e todos os outros bens móveis da base de cálculo.
Macron alega que a reforma do ISF permitirá mais investimentos em empresas, o que irá favorecer o emprego e o crescimento econômico.
Especialistas afirmam que não há, no entanto, nenhuma garantia de que os novos contribuintes isentos do ISF investirão efetivamente esses recursos na economia produtiva.
"Presidente dos ricos"
O ISF é pago por pessoas com patrimônio superior a € 1,3 milhão (R$ 4,9 milhões). Ele é cobrado além do Imposto de Renda (IR).
Com a reforma, o número de contribuintes do ISF (o 1% mais rico) será reduzido de 350 mil para 150 mil, segundo o ministro da Economia, Bruno Le Maire.
A arrecadação desse imposto, de cerca de € 5 bilhões (quase R$ 20 bilhões), sofrerá queda brutal, passando para € 850 milhões.
Por causa da grande polêmica na França em relação à reforma do ISF, Macron está sendo chamado de "presidente dos ricos".
"Os mais ricos, grandes ganhadores do orçamento Macron", escreveu o jornal Le Monde em sua manchete, reforçando os comentários que circulam no país.
A reforma do ISF ocorre após a também polêmica flexibilização das leis trabalhistas e de uma série de medidas impopulares, como a redução do auxílio-moradia e do congelamento dos salários dos servidores.
O centrista Macron, cuja popularidade despencou em poucos meses de mandato e que tem como lema "liberar, mas proteger", vem sendo criticado por opositores por aplicar, até o momento, apenas medidas liberais típicas da direita conservadora.
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