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Conspiração ou convergência disfarçada? O que pode estar por trás das críticas a Temer por seu 'vice' Maia

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Imagem: Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

André Shalders e Júlia Dias Carneiro - Da BBC Brasil em São Paulo e no Rio de Janeiro

Da BBC Brasil em São Paulo e no Rio de Janeiro

17/10/2017 20h41

No último domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamou o advogado de Michel Temer, Eduardo Pizarro Carnelós, de "incompetente" e "irresponsável" e disse que servidores da Casa presidida por ele pretendiam processá-lo. No dia anterior, o defensor tinha se referido à divulgação de depoimentos do operador Lúcio Funaro como um "criminoso vazamento" - sem saber que o material tinha sido publicado no site da Câmara.

A fala contra Carnelós foi apenas o mais grave sintoma do desentendimento entre Maia e o presidente. Vários fatos nos últimos dias contribuíram para a cizânia: disputa por deputados que estão de saída do PSB; um desentendimento na tramitação de uma medida provisória que interessa ao setor financeiro e até um jantar de senadores peemedebistas contrários a Temer, do qual o democrata participou no último domingo.

Alguns correligionários de Maia no DEM dizem, sob condição de anonimato, que a crise atual pode ser o prelúdio de um rompimento da sigla com o governo. O movimento ocorreria já no começo de 2018, com vistas à eleição do ano que vem. A maioria, porém, diz que não é este o caso, pois provavelmente Temer não será candidato à reeleição - e, portanto, não haveria empecilho para DEM e PMDB seguirem juntos.

O único ponto no qual todos os ouvidos pela BBC Brasil concordam é que são grandes as chances de o partido de Maia ter candidato próprio a presidente no ano que vem. Independentemente de com ou sem o apoio de Michel Temer e do PMDB.

De outro lado, o mercado financeiro mostra preocupação com a possibilidade da rusga entre os chefes da Câmara e do Executivo se estender por mais alguns meses. Neste caso, a reforma da Previdência pode acabar inviabilizada - o objetivo do Planalto é votar o tema na Câmara ainda no fim deste ano.

Mudança de posição?

As duras críticas de Maia levaram questionamentos sobre se sua posição - e fidelidade a Temer - continua a mesma. Afinal, o deputado é o primeiro na linha de sucessão da presidência da República.

Se, por exemplo, a Câmara autorizar o andamento da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente - e o Supremo Tribunal Federal aceitá-la, transformando-o em réu - é o democrata que passa a ocupar o Planalto. Ele nega qualquer ambição neste sentido.

"Mudar, (de posição em relação ao governo) não mudou", diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), assegurando que Maia "não quer conspirar, nunca conspirou e não vai conspirar (para derrubar Temer)".

"Mas atacar o presidente da Câmara dos Deputados não é uma boa defesa para o presidente (Michel Temer)", ressalva o político baiano, que acompanha a carreira do filho do ex-governador fluminense Cesar Maia desde que ele entrou na Câmara, ainda moço - o primeiro de seus cinco mandatos na Casa começou em 1999.

Desentendimentos

Na crise atual, a primeira grande "canelada" de Temer no DEM foi a disputa por um grupo de deputados que estão prestes a ser expulsos do PSB - entre eles a líder da sigla na Câmara, Tereza Cristina (MS). O grupo, de quatro parlamentares, estava negociando a ida para o DEM quando o governo entrou em campo. Agora, tudo indica eles irão para o PMDB.

"Rodrigo Maia estava fazendo tratativas com o pessoal do PSB, que estavam a caminho do DEM. E aí o PMDB intervém, de forma desleal, tentando impedir o crescimento do partido do presidente da Câmara", resume um correligionário de Maia, o deputado Marcos Rogério (RO).

Temer teria patrocinado na semana passada outra medida vista como provocação a Maia.

O presidente da Câmara é próximo do sistema financeiro, onde começou sua vida profissional. Mas na semana passada uma articulação do Planalto impediu que a Casa votasse uma medida provisória que permite ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fechar eventuais acordos de leniência com bancos.

A medida é considerada de extrema relevância pelo setor, inclusive por causa da possibilidade da Lava Jato avançar sobre o sistema financeiro. Sem isso, os bancos teriam que negociar leniências da mesma forma que todas as outras empresas, com o Ministério Público Federal.

Maia quer votar ainda nesta terça-feira a urgência de um projeto de Pauderney Avelino (DEM-AM), que tem conteúdo muito semelhante ao da medida provisória.

Vereador pelo DEM no Rio de Janeiro, Cesar Maia nega uma mudança de rumo. "Nada muda em relação ao apoio ao governo", diz à BBC Brasil, afirmando que a postura do filho ao comandar a análise da segunda denúncia contra o presidente será a mesma da primeira, marcada pela "impessoalidade".

Entretanto, perguntado sobre haver um movimento do DEM de se descolar do governo a caminho das eleições de 2018, ele relativiza a aliança. "Nada tem a ver o DEM no governo, em defesa das reformas que são fundamentais, e o ano eleitoral de 2018", diz.

Calendário

Manter uma boa relação com o presidente da Câmara dos Deputados é vital para qualquer chefe do Executivo. Entre outras coisas, cabe a ele aceitar (ou arquivar) os pedidos de impeachment contra o presidente da República. Além disso, é o chefe da Casa que escolhe quais projetos de lei serão votados - algo fundamental para quem pretende governar o país.

Para o mercado financeiro e a elite econômica, o resultado mais preocupante da disputa entre Temer e Maia é o possível atraso na votação da Reforma da Previdência. O Planalto pretende levar o tema a votação até o final do ano, logo depois que a Casa concluir a análise da segunda denúncia contra o presidente. Sem a colaboração do comando da Casa, porém, a mudança se torna totalmente inviável.

"O que mais tem nos preocupado é o potencial de alastramento da crise ente Maia e Temer. Pode ser muito ruim para o calendário de votação (da reforma previdenciária). Isso coloca mais pressão na avaliação das agências de risco", diz o analista político da XP Investimentos, Richard Back.

Até o fim do ano, agências de classificação de risco devem voltar a avaliar a situação do Brasil, explica Back. Sem um horizonte para a Reforma da Previdência, uma piora na nota do país é certa, diz ele.

Ganho de imagem

Os Democratas têm em Rodrigo Maia um dos seus principais expoentes, embora ainda não esteja claro a qual cargo ele poderá se lançar em 2018. Tanto correligionários quanto oposicionistas avaliam que um afastamento de Michel Temer pode ser benéfico para a imagem pública do político carioca.

"Se o Michel Temer perde credibilidade, ele também perde", diz o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ). "Quanto mais ele se aproxima do Michel Temer, mais ele afunda."

Para Teixeira, a indisposição gerada pelos vídeos de Lúcio Funaro foi um fato concreto, mas na prática não muda nada. Mesmo que o DEM decida lançar uma candidatura própria à Presidência da República, argumenta, a coligação com o PMDB será importante para ambos os partidos nas candidaturas para as 27 unidades da federação.

"Não estamos diante de um ponto de inflexão que determinará uma mudança de curso", considera. "Eles procuram chamar atenção para uma divergência para ocultar a convergência."