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Como desaparecimento de artesão de 28 anos transformou debate eleitoral na Argentina

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC Brasil

19/10/2017 14h30

Há dois meses a Argentina se pergunta onde está o artesão Santiago Maldonado, de 28 anos, desaparecido desde o dia 1º de agosto, quando participava de um protesto de apoio à causa dos indígenas mapuche no sul do país. Além da comoção, a história dele passou influenciar a campanha eleitoral em curso no país.

Suspeita-se que o artesão, que também é ativista político e defensor de direitos humanos, tenha sumido ao tentar escapar de policiais que reprimiam o protesto em Esquel, na Patagônia. Por isso, o caso tem alimentado o debate eleitoral - opositores acusam as forças de segurança do governo de Maurício Macri de terem agido com violência e de serem os responsáveis pelo desaparecimento.

Na terça-feira, um corpo foi encontrado num rio na Patagônia, no sul da Argentina, e acredita-se que possa ser do jovem. Os restos mortais ainda não foram identificados, e a família de Maldonado diz que continua à procura do artesão.

Às vésperas da eleição para o legislativo, marcada para o domingo, discussões sobre o local exato onde o corpo foi encontrado, as roupas que vestia, estatura, além da temperatura da água do rio e informações sobre os cães que o localizaram, passaram a dominar o noticiário argentino.

A repercussão na campanha foi direto. Na quarta-feira, um dia depois da localização do corpo no rio Chubut, candidatos suspenderam suas campanhas eleitorais.

O presidente Mauricio Macri cancelou o último comício que faria para pedir votos para seus candidatos antes da eleição. Opositores como a ex-presidente Cristina Kirchner, candidata ao Senado, e o ex-chefe de Gabinete da Presidência, Sergio Massa, candidato a uma cadeira na mesma Casa, também anunciaram que cancelaram seus atos políticos.

Em uma campanha marcada pela apatia do eleitorado, com pouca movimentação nas ruas e nas redes sociais, a comoção sobre o corpo achado ocupou o vazio deixado pelo desinteresse dos eleitores e pela falta de debate das propostas que os postulantes pretendem levar para o Congresso Nacional.

À espera do DNA

A imprensa local especulou, a partir de informações atribuídas a peritos não identificados, que o corpo seria mesmo de Maldonado, visto pela última vez há quase 80 dias.

A promotora do caso, Silvina Avila, confirmou que um corpo foi encontrado por cães em uma das áreas onde o rapaz era procurado, mas, assim como o juiz que investiga o paradeiro e a família dele, pediu cautela até que saia o resultado de DNA.

"Não podemos dizer se é Santiago ou não e o documento de identidade (que teria sido encontrado no bolso do corpo) não quer dizer nada. Não é conclusivo. Temos que esperar os resultados do DNA e da autopsia", disse Sergio, irmão do jovem, em uma entrevista à imprensa na noite de quarta-feira e após uma jornada de especulações.

Peritos aposentados e da ativa, especialistas em genética, adestradores de cães e bombeiros voluntários, envolvidos ou não com a investigação, opinaram, durante toda a quarta-feira, em diferentes programas de rádio e de televisão. Imagens que seriam do corpo encontrado circularam fortemente nas redes sociais e a hashtag #CasoMaldonado liderou o Twitter durante todo o dia.

A perícia que tenta verificar se o corpo encontrado é mesmo de Maldonado está prevista para ser concluída a partir desta sexta.

Enquanto isso, a busca pelo artesão continua. Cartazes e grafites com o rosto de Maldonado, de barba, cabelos longos e olhos claros foram espalhados em vários pontos do país. A foto dele foi acompanhada com a frase "donde está Maldonado" ("onde está Maldonado?") está nas ruas em postes e muros de comércios, escolas e até nos corredores de ministérios, como o das Relações Exteriores, em Buenos Aires.

Impacto na eleição?

Apesar da amplitude nacional e internacional que o desaparecimento ganhou, analistas estão divididos sobre o impacto do caso Maldonado no resultado da eleição. O pleito está sendo encarado como um importante indicador da força política do presidente Macri e da ex-presidente Cristina Kirchner.

"Lembrei-me da cobertura que fiz em 2004 quando atentados em Madri, que geraram uma série de especulações (e mortes), acabaram afetando o resultado esperado da eleição", disse o jornalista Pablo Rossi, da rádio Mitre, de Buenos Aires.

Por sua vez, o analista político Rosendo Fraga disse à imprensa local que não recorda comoção semelhante na história da Argentina dias antes de uma eleição e disse acreditar que o corpo encontrado, sendo ou não de Maldonado, não deverá mudar o resultado eleitoral deste domingo.

Apesar de as pesquisas apontarem para uma possível vitória dos candidatos governistas em grande parte do país, a expectativa é que Cristina Kirchner, opositora de Macri, tenha uma votação expressiva. Por isso, governistas pedem para "que não se comemore antes da hora".

Cristina disputa uma vaga no Senado - concorre contra o macrista e ex-ministro da Educação Esteban Bullrich. Enquanto ela é uma das principais críticas do governo na forma como o desaparecimento do artesão está sendo tratado, o candidato governista quase não falou na campanha eleitoral.

Seu silêncio vem sendo ironizado. Em um cartum que tem circulado durante a campanha, Macri aparece ao telefone pedindo para falar com Bullrich, e ele atende. Mas o presidente diz que quer falar com outra Bullrich - a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, que é parente do candidato.

É Patrícia que está no olho do furacão desde o sumiço de Maldonado. Ela esteve no Congresso Nacional falando sobre as investigações, defendeu os policiais, que estão entre os suspeitos, e passou a ser fortemente criticada pelos opositores, que pediram sua renúncia.

As buscas

O caso Maldonado mobilizou uma multidão. Protestos foram organizados pelo país perguntando pelo paradeiro do rapaz e exigindo uma investigação célere. Ativistas, parentes e representantes de diferentes correntes políticas participaram de marchas pedindo a reaparição do artesão.

Em um dos protestos, na Praça de Maio e na frente da Casa Rosada, sede do governo argentino, houve confusão - 23 pessoas acabaram feridas e 30, detidas por reagirem à ação das forças de segurança.

Na última vez que foi visto, Santiago participava de um protesto com índios mapuches em uma área rural da Patagônia. O grupo exigia a saída da empresa Benetton do território, que foi comprado junto ao governo argentino nos anos 1990 e que os indígenas reclamam pertencer a eles - trata-se de um conflito territorial que vem desde os tempos coloniais.

O protesto foi reprimido por forças de segurança, e Maldonado teria sumido quando tentava fugir da repressão policial.

A família dele passou a exigir seu paradeiro e a participar das manifestações. A polícia então deu início às buscas com cavalos e cães adestrados, além de mobilizar mergulhadores, aviões e helicópteros. No meio das buscas, foram necessários acordos para que a área Mapuche, chamada de sagrada, pudesse ser percorrida pelos investigadores.

Na quarta-feira, representantes dos mapuches diziam que aquela área onde o corpo foi encontrado - e que ainda não se sabe se é de Maldonado - já tinha sido percorrida e nada havia sido encontrado, sugerindo que o corpo poderia ter sido colocado ali nas últimas horas.

Já tarde da noite, nas TVs locais, especialistas diziam que se o corpo estivesse "intacto", após tantos dias, poderia significar que não ficou no rio desde que sumiu, em agosto.

"São perguntas que deverão ser respondidas. Se o corpo for de Maldonado será preciso saber se ele morreu ali, naquela parte do rio, ou se estava congelado e por isso estaria intacto e só depois levado para o local onde apareceu", disse um especialista na TV.

Críticas

Em meio ao clima de comoção e incertezas, a advogada da família Maldonado criticou que o secretário de Direitos Humanos do governo Macri "só tenha ido ao local agora".

Já a cunhada de Maldonado, ao lado do marido, Sergio, condenou as falas da candidata governista ao legislativo, Elisa Carrió, sobre o rapaz.

Ela tinha dito que o rapaz poderia estar no Chile, que fica na fronteira, e que o caso, pelas baixas temperaturas do rio Chubut, "parecia ao de Walt Disney", em alusão ao empresário cujo corpo, como especulado, teria sido congelado para conservação.

Carrió, aliada de Macri que lidera as pesquisas eleitorais para o cargo de deputada federal da cidade de Buenos Aires, pediu desculpas aos familiares do rapaz por meio de sua conta no Twitter.

Nas redes sociais, apoiadores dela respaldaram seu pedido de desculpas à família nesta quarta, enquanto opositores do governo disseram "que nada mudará porque quem vota nela infelizmente não mudará de opinião no domingo".

A expectativa agora é para saber se o corpo é ou não de Maldonado. As informações não eram precisas até a manhã desta quinta-feira.

Segundo TVs locais, o corpo não identificado seria transportado da Patagônia para Buenos Aires para a autópsia e exame de DNA. As dúvidas eram sobre quando os resultados serão divulgados - especula-se que poderiam sair ainda nesta sexta-feira, em 48 horas, em 72 horas ou somente na semana que vem, depois da eleição.