Topo

'Quero que você mate umas pessoas por mim': o casal britânico que sonhava em seguir o Estado Islâmico

Dominic Casciani - BBC

27/10/2017 17h01

Três membros da mesma família foram condenados por planejar um atentado nas ruas de Birmingham, na Inglaterra. No centro da trama, frustrada no início deste ano, estava um casal que colocava a causa do grupo extremista autodenominado Estado Islâmico acima de seu casamento.

O perfil da jovem Madihah Taheer, de 21 anos, no Facebook exibe a imagem de um guerreiro muçulmano antigo, galopando com uma mulher em seus braços para fora do campo de batalha. Ela olha fixamente nos olhos dele. Está nos braços de seu herói.

Esse é o enredo da vida de Taheer. A estudante de Birmingham sonhava em escapar do pai viciado em maconha, que tentou casá-la com um primo de primeiro grau.

E acreditava ter encontrado no marido, Ummariyat Mirza, seu herói. Juntos, eles se tornariam "heróis" na Síria.

O sonho acabou, no entanto, com discussões sobre se deveriam gastar o dinheiro em armas ou roupas de bebê - e com o marido detido por policiais armados.

Ummariyat Mirza, também conhecido como Ummar, e sua irmã Zainub foram presos no dia 29 de março deste ano enquanto dirigiam na região de Alum Rock, no leste de Birmingham.

Eles foram perseguidos por policiais à paisana, em uma operação conjunta do MI5, serviço de inteligência britânico, e da Unidade de Contraterrorismo de West Midlands.

Apenas uma semana após o atentado nos arredores do Parlamento, em Londres, a inteligência britânica constatou que Mirza estava planejando um ataque similar, com faca, em sua cidade natal.

No início deste mês, ele admitiu que estava orquestrando um atentado.

De acordo com os promotores, Mirza tinha:

- Comprado uma faca para aprender por conta própria a melhor maneira de matar alguém, usando um boneco para treino de artes marciais dentro de casa;

- Criado uma maneira de esconder a arma por meio de cordas no ombro;

- Pesquisado alvos potenciais, como o centro de recrutamento das Forças Armadas e a sinagoga central da cidade.

Mais tarde, quando o julgamento de Zainub Mirza se aproximava, ela admitiu ter incitado o irmão ao compartilhar vídeos extremistas que teriam consolidado seu pensamento.

A esposa, Madihah Taheer, negou envolvimento no plano. Mas na última quinta-feira, um tribunal também a considerou culpada, por ter comprado a faca que o marido usaria - e por saber qual seria a finalidade.

Amor obsessivo

Durante o julgamento, Taheer negou a acusação, mas o júri observou que o relacionamento dela com o marido, que começou como um amor obsessivo na adolescência, estava no centro da trama, planos e fantasias do casal.

Taheer tinha 17 anos quando conheceu o então futuro marido. Era um romance secreto. Ela dizia que queria fugir da família, e o sedutor Mirza foi seu passaporte.

Por meio de telefones celulares e iPads, eles traçavam seus sonhos. Ele seria o grande "herói" mujahidin (termo frequentemente traduzido como "guerreiro santo") que combateria o presidente sírio Bashar al-Assad e qualquer outro kafir (incrédulo).

Ela seria a noiva jihadista, inspirada por um blog scrito por outra jovem que se casou com um combatente na Síria.

"Ela me fez querer tanto isso", escreveu Taheer para o namorado secreto. "Ela é genuína, é bonito. É vida em estado bruto."

Nas conversas por WhatsApp, Mirza se descreve para a amada como um "terrorista que não quer viver tanto tempo".

E os dois concordavam que deveriam chegar à Síria com um ano de casamento. Taheer queria, no entanto, que o marido resolvesse um assunto local antes.

"Podemos nos casar já?", perguntou ela no fim de 2015. "Quero que você mate umas pessoas por mim, eu tenho uma lista."

"No dia do Nikah (cerimônia de casamento), vou matar todos, me passa a lista", respondeu Mirza.

"Não até você colocar um anel no meu dedo", retrucou Taheer.

Eles disputavam quem era o mais radical do casal, e riam de vídeos de assassinatos, decapitações de reféns e ataques do Estado Islâmico.

"Espero que nossos filhos se pareçam com você. Você é perfeito", escreveu Taheer certo dia. "Você quer um menino ou uma menina primeiro?", questionou.

"Menino. Eu quero um melhor amigo jihadista (termo usado para descrever militantes como aqueles que realizam ataques em nome do Estado Islâmico) do sexo masculino, eu não tenho nenhum :( quando eu tiver 40 anos, vou ter um amigo de 20 anos e ele será jihadista, engraçado e meu melhor amigo", disse.

'Alma gêmea'

À medida que o casamento se aproximava, em abril de 2016, a troca de mensagens do casal mostra que a Síria já estava ficando em segundo plano, enquanto a ideia de um ataque local ganhava força.

"Você é uma parceira perfeita, uma soulja (combatente), minha alma gêmea", disse Mirza. "O que tenho em mente é muito sofisticado. Preciso de um braço direito", acrescentou.

A então namorada respondeu: "Se nos casarmos, você sabe que vou fazer isso".

Em sua defesa, Taheer disse que a conversa era apenas uma brincadeira, uma piada de mau gosto. Afirmou que agora estava envergonhada, mas que esse era o tipo de "humor deles".

Ela argumentou que tinha sofrido uma lavagem cerebral para seguir o Estado Islâmico, conduzida por um jovem sedutor e manipulador.

"Eu tinha acabado de fazer 17 anos e ele ainda tinha 16 anos", disse ela ao tribunal. "Ele era uma pessoa difícil de se relacionar, muito controlador e ciumento. Ficou claro para mim, desde o início da relação, que ele sofria de depressão."

Segundo ela, o futuro marido estava desamparado e buscava respostas no grupo extremista.

"Falar sobre o Estado Islâmico era uma distração para ele", contou Taheer ao júri.

"Eu também fui absorvida por isso. Olhando em retrospectiva, vejo que ele estava me incitando. Não tenho essas crenças agora. Estava completamente errada, fui imatura e estúpida", completou.

Taheer afirmou ainda que começou a adotar a estratégia de fazer as vontades do marido, em vez de desafiá-lo.

Segundo ela, uma das artimanhas teria sido adiar a data de viagem para a Síria, argumentando que sua visão estava ruim.

"Ummar, não vou fazer a hégira (mudar para a Síria) sem antes fazer o laser (cirurgia ocular)", afirmou.

"Cala a boca", ele teria respondido. "Eles têm os recursos lá, ok."

"Imagina se estamos correndo e meus óculos quebram. Estamos ferrados. Eu não quero depender de algo para conseguir enxergar", teria retrucado.

Choque de realidade

Após o casamento, em abril de 2016, Taheer disse que o fato de trabalhar como administradora de uma creche e a subsequente gravidez acabaram com suas fantasias. Ela disse que acordou para a realidade do Estado Islâmico.

"Quando você sofre uma lavagem cerebral, leva muito tempo para se recuperar", disse ela ao júri. "Eu saí da minha bolha e comecei a ver o mundo como realmente era."

"O amor é cego. Não percebi que estava sob esse tipo de manipulação."

A questão contra Mirza, que se declarou culpado, foi que seus planos se cristalizaram no início de 2017.

Seu caráter obsessivo, que envolvia perturbar a mulher para que comprasse "brinquedos" para ele, o levou a pedir uma faca de combate de 300 libras (cerca de R$ 1,3 mil em valores atuais).

A acusação sustenta que, dada a história do casal, Taheer sabia o que o marido estava planejando. Sua única preocupação teria sido o custo da faca.

"É muito dinheiro", escreveu Taheer, quando Mirza contou o que queria que ela comprasse.

"Não podemos esperar até eu receber o pagamento? Tenho contas para pagar - coisas do bebê para comprar. Não precisa ser uma de ponta."

Mirza insistiu:

"Não é uma fantasia, é real", respondeu. "Estamos vivendo como kafir (incrédulos)".

No fim, em 21 de fevereiro Taheer comprou uma faca para o marido por 120 libras (R$ 515, em valores atuais) - o que se tornou a principal evidência contra ela.

O marido treinava como usar a faca em um boneco usado para artes marciais dentro de casa.

Em 20 de março, Mirza escreveu o seguinte em um grupo de bate-papo da família: "Devemos tentar evitar fazer alarde do que podemos fazer e como vamos dar vitória ao Islã. Apenas faça, não fale sobre isso".

Uma semana após o atentado nos arredores do Parlamento, em Londres, ele postou uma foto na sua conta do WhatsApp: o ícone de uma faca. Parecia um sinal. A polícia então entrou em ação e seus planos foram desmantelados.

Taheer argumentou não ter ideia de que o marido pretendia realizar um ataque.

Mas o júri não acreditou - e ela foi considerada culpada por preparar um ato de terrorismo.

Durante uma fase conturbada no relacionamento, Taheer disse ao marido: "Lamento ter te conhecido, ter conversado, ouvido você".

Mas uma vez condenados, ela terá muito tempo para refletir sobre o arrependimento.

Taheer foi detida sob custódia, e sua sentença será anunciada em outra data.