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Robert Mugabe: de herói guerrilheiro a líder autoritário, as muitas faces do homem que comandou o Zimbábue por 37 anos

Joseph Winter - BBC News

21/11/2017 18h37

À medida que a economia do Zimbábue foi de mal a pior e, finalmente, se tornou desastrosa, a morte política e, até mesmo física, de Robert Mugabe foi prevista muitas vezes. Mas ele sempre confundiu seus críticos - pelo menos até hoje.

No entanto, ao ficar ao lado de sua mulher, Grace, na batalha pela sucessão, Mugabe pareceu ter ido longe demais, e perdeu o apoio dos líderes militares que o mantinham no poder. Eles então mudaram de lado e intervieram em nome do ex-vice-presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, que fez carreira nas forças de segurança.

Mnangagwa, que foi demitido por Mugabe há cerca de duas semanas, foi apontado líder do partido no poder no país, o Zanu-PF, no domingo.

Com 93 anos, a saúde de Mugabe tem se deteriorado visivelmente no último ano, apesar de que, oficialmente, ele ainda fosse candidato à reeleição no próximo ano.

Antes das eleições de 2008, Mugabe disse: "Se você perde uma eleição e é rejeitado pelo povo, é hora de deixar a política". Mas depois de ficar atrás de Morgan Tsvangirai no primeiro turno, Mugabe se mostrou desafiador, jurando que "apenas Deus" poderia removê-lo do cargo. E para ter certeza, foi desencadeada uma resposta violenta para preservar seu controle sobre o poder.

Para proteger seus apoiadores, Tsvangirai se retirou do segundo turno. Embora Mugabe tenha sido forçado a dividir o poder com o seu rival há anos, ele permaneceu - até agora - como o presidente do país, cargo que ocupa desde 1980.


Os marcos da vida de Robert Mugabe

- 1924: Nasceu

- 1964: Foi preso pelo governo da Rodésia.

- 1980: Ganhou as eleições pós-independência

- 1996: Casou-se com Grace Marufu

- 2000: Perdeu o referendo, milícias pro-Mugabe invadem fazendas de brancos e atacam apoiadores da oposição.

- 2008: Ficou em segundo lugar no primeiro turno das eleições, atrás de Tsvangirai, que se retira do segundo turno em meio a ataques aos seus apoiadores

- 2009: Em meio a um colapso econômico, empossou Tsvangirai como primeiro-ministro, em um conturbado governo nacional que durou quatro anos

- 2017: Retirou do poder o antigo aliado Emmerson Mnangagwa, então vice-presidente, abrindo caminho para que sua mulher, Grace, o sucedesse. Forças armadas intervêm e Mugabe é retirado do comando do partido e acaba renunciando


Ícone da luta de libertação

Mesmo depois de 37 anos no poder, Mugabe ainda mantinha a mesma visão de mundo - as forças socialistas e patrióticas do Zanu-PF ainda estavam lutando contra os "irmãos maus" do capitalismo e colonialismo.

Qualquer crítico era considerado como "traidor e vendido" - um retorno à guerra de guerrilhas, quando esses rótulos podiam representar uma sentença de morte.

Em 2000, diante de uma forte oposição pela primeira vez, Mugabe destruiu o que um dia já foi uma das economias mais diversificadas da África, com o objetivo de reter o poder. Confiscou fazendas de proprietários brancos, que eram a espinha dorsal da economia do país, e assustou doadores internacionais. Mas, em termos meramente políticos, ele venceu seus inimigos - continuou no poder.

Mugabe sempre colocou a culpa dos problemas econômicos do Zimbábue em uma trama armada pelos países ocidentais, comandados pelo Reino Unido, para retirá-lo do poder devido ao confisco de fazendas cujos donos eram brancos. Já seus críticos culpam o próprio Mugabe, dizendo que ele demonstrou não compreender como uma economia moderna funciona.

Mugabe disse uma vez que o país nunca iria quebrar - parecia que ele estava disposto a testar sua teoria até o limite, com o Zimbábue registrando a mais rápida queda econômica do mundo e uma inflação de 231 milhões por cento em julho de 2008.

O professor Tony Hawkins, da Universidade do Zimbábue, observou que, com Mugabe, "sempre que a economia se metia no caminho da política, a política ganhava".

Poder a qualquer custo

As táticas que Mugabe e seus apoiadores usaram vinham da guerra de guerilha.

Depois de ter sofrido a primeira derrota eleitoral de sua carreira, em um referendo de 2000, Mugabe liberou sua milícia pessoal - veteranos de guerra apoiados pelas forças de segurança - para usar violência e assassinato como estratégia eleitoral.

Oito anos depois, uma situação parecida ocorreu quando Mugabe perdeu o primeiro turno das eleições presidenciais para o seu antigo oponente Morgan Tsvangirai.

Quando necessário, todas as ferramentas do Estado - as forças de segurança, os serviços civis, a mídia estatal - que eram controlados principalmente por membros do partido Zanu-PF, foram usados em benefício do partido no poder.

O homem que lutou pelo "um homem, um voto" introduziu uma exigência de que eleitores provassem seu local de residência com uma conta de consumo, o que os jovens e desempregados apoiadores da oposição não costumam ter.

Na verdade, os sinais da sua atitude em relação à oposição estavam visíveis desde o início dos anos 1980, quando membros de uma brigada treinada pela Coreia do Norte foram enviados para Matabeleland, região de origem do seu rival de então, Joshua Nkomo. Milhares de civis foram mortos até que Nkomo aceitasse dividir o poder com Mugabe - episódio precursor do que viria a ocorrer com Tsvangirai.

Um dos inegáveis avanços de Mugabe, que se formou professor antes de se tornar presidente, foi a expansão da educação. O Zimbábue tem a mais alta taxa de alfabetização da África, de 90% da população.

O cientista político Masipula Sithole, já falecido, disse certa vez que ao expandir a educação, Mugabe estava "cavando sua própria cova". Os jovens com acesso a educação poderiam analisar os problemas do Zimbábue por si próprios. E a maioria culpou a corrupção do governo e a má administração pela falta de empregos e o aumento dos preços.

Figura caricata

Mugabe frequentemente alegava estar lutando em prol dos camponeses pobres, mas a maior parte da terra que ele confiscou acabou nas mãos de pessoas do seu círculo pessoal.

O arcebispo sul-africano Desmond Tutu disse uma vez que o longevo presidente do Zimbábue tinha se tornado uma figura caricata do arquétipo do ditador africano.

Durante a campanha presidencial de 2002, ele começou a usar camisas coloridas e brilhantes estampadas com seu rosto - um estilo copiado por muitos governantes africanos autoritários.

Ao longo dos 20 anos anteriores, esse homem conservador só tinha sido visto em público vestido de terno e gravata ou em trajes de safari.

Muitos ficaram se perguntando porque ele não colocava os pés para o alto e aproveitava seus últimos anos ao lado de sua jovem família.

Mugabe afirma ser um católico convicto. Fiéis da Catedral Católica de Harare eram ocasionalmente surpreendidos por tropas de segurança quando o então presidente aparecia para a missa de domingo.

Teve dois filhos com Grace, sua então secretária, quando era casado com Sally, sua popular primeira mulher. Mas foi Grace, que depois virou sua companheira, que no fim das contas provocou sua queda.

'Rei'

Embora Mugabe tenha vivido além de muitas previsões, a crescente tensão nos últimos anos cobrou seu preço e sua aparência até então impecável começou a revelar sinais de severo envelhecimento.

Em 2011, um telegrama diplomático dos Estados Unidos vazado pelo Wikileaks sugeriu que Mugabe estivesse com câncer de próstata.

Mas ele sempre teve um estilo de vida saudável. Grace já afirmou que ele acorda às 5 da manhã para fazer exercícios, inclusive yoga. Ele não bebe álcool ou café e é vegetariano.

Mugabe tinha 73 anos quando teve seu terceiro filho, Chatunga.

Sempre foi um homem orgulhoso de si mesmo.

Ele dizia que só sairia do poder quando a "revolução" estivesse terminada. Estava se referindo à redistribuição das terras que um dia pertenceram aos brancos. Mas ele também queria escolher seu sucessor, que deveria vir, com certeza, dos quadros do partido Zanu-PF.

Didymus Mutasa, que já foi um dos companheiros mais próximos de Mugabe, disse à BBC que, na cultura do Zimbábue, reis só eram substituídos quando eles morriam "e Mugabe é o nosso rei".

Nem mesmo seus aliados mais próximos estavam preparados para a conversão do Zimbábue em uma monarquia, com o poder nas mãos de uma única família.