Como vontade de contar histórias aos netos que deixaram o Brasil transformou vovô sul-coreano em astro no Instagram
Chan Lee e Kyong Ja An começaram a namorar ainda na faculdade. Um poema dela estava em uma exposição, e coube a ele fazer um desenho inspirado no texto. Hoje, aos 75 anos, eles continuam juntos, e ele continua a ilustrar as palavras dela - só que, hoje, fazem isso para preservar os laços que o casal de imigrantes sul-coreanos criou com os netos quando todos viviam no Brasil.
Chan e Kyong postam o trabalho no Instagram, onde eles têm centenas de milhares de seguidores.
Um novo desenho é publicado a cada dia para os três netos do casal. Os dois mais velhos hoje moram em Seul, na Coreia do Sul, e o mais novo já nasceu em Nova York, nos Estados Unidos. "Desenhar tornou-se o centro da minha vida", diz à BBC Brasil o vovô Chan, como é conhecido na rede social.
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Já foram mais de 670, a maioria deles delicadas aquarelas, que carregam consigo lições, memórias ou histórias. "Quando nos mudamos para o Brasil, víamos da janela de casa pares de tênis dependurados nos fios dos postes. Era estranho, e não gostamos", diz o casal em uma das imagens.
Outros posts tratam da vida e dos costumes no Brasil. "A feijoada é o prato mais tradicional do Brasil. Vocês amam!", diz o casal em um dos desenhos. "Vocês se lembram da capoeira?", perguntam em outro.
"Fico o tempo todo pensando em desenhar. Queremos ajudá-los a não esquecer a cultura brasileira e, principalmente, o português", diz Chan.
'Um vazio em nossas vidas'
A ideia foi de Ji Lee, seu filho mais velho. A família de Chan estava preocupada com o aposentado depois que Ji e sua irmã, Miru Lee, decidiram ir para o exterior. Os dois filhos de Miru ocupavam boa parte do dia do avô, que os levava para a escola diariamente.
Como ele reagiria sem as crianças por perto? Ficaria entendiado, passando os dias em frente à TV?
"De repente, o vazio tomou conta da nossa vida. Nem tínhamos mais assunto para conversar entre a gente", diz Kyong, ou Marina, como passou a ser chamada ao emigrar para São Paulo, onde vive com o marido desde 1981.
Ji sugeriu, então, que o pai voltasse a desenhar, como costumava fazer quando ele e e a irmã eram crianças, e publicasse seu trabalho no Instagram.
"Sabia que isso promoveria uma grande mudança na vida do meu marido", diz Marina.
Chan detestou a ideia. Ele sequer tinha e-mail, e não entendia o propósito de publicar seus trabalhos em uma rede social.
"Achava muito complicado, irritante", conta Chan, que começou a postar em abril de 2015, mas só se empolgou mesmo alguns meses depois, com a sugestão de que fizesse os desenhos para os netos que moram longe.
Seu filho brinca que isso promoveu uma "revolução" na vida do seu pai e que, hoje em dia, ele domina até mesmo programas de edição de imagens e "entende o que são hashtags".
"Sugiro o uso do Instagram para os meus amigos sempre que tenho uma oportunidade", diz Chan.
Família unida
Ele conta que faz vários desenhos por dia - um talento que cultiva desde criança sem nunca ter feito aulas propriamente ditas.
Vários temas são as coisas favoritas das crianças, como animais, em especial dinossauros. Mas há paisagens e desenhos que falam de tradições brasileiras, como as festas juninas, e coisas tão corriqueiras quanto um vendedor de alho caminhando na rua ou caminhões na estrada.
Muitas vezes, as crianças são as protagonistas. A cultura e a vida cotidiana na Coreia do Sul também inspiram os traços e palavras do casal.
"Quase nunca o tema escolhido não tem alguma emoção ou sentimento envolvido. Diversas vezes, já tem uma história por trás, mas, em algumas outras, eu desenho sem saber a história."
O projeto mantém toda a família unida. Marina diz que "fica o tempo todo atrás de sugestões" para fazer ao marido: "Uma história que possa ser interessante ou divertida para os pais, algo que meus netos tenham de saber."
Ela manda, então, o texto do dia em coreano por mensagem para os filhos. Miru traduz para o português, e, Ji, para o inglês. O desenho vai ao ar com as três versões.
"A cada experiência nova aqui na Coreia, era como se o avós ainda estivessem presentes. Quando os meninos viam flores na rua, diziam: 'Mamãe, tira foto disso para o vovô desenhar'", conta Miru.
Atualmente, a conta do vovô Chan, Drawings For My Gradchildren (Desenhos para meus netos, em tradução literal), tem mais de 320 mil seguidores. Três deles são especiais: Arthur, de 13 anos, Allan, de 12 (filhos de Miru), e Astro, de 2 (filho de Ji).
"Acho muito bonito. Gosto demais", diz Arthur. "Algumas vezes, fico triste, em outras, fico alegre, acho engraçado ou tocante, depende do desenho. A dedicação e o capricho do meu avô com a gente me deixa emocionado."
Ele conta que não pensa em fazer igual ao avô, porque "é melhor em montar coisas". O papel de aprendiz cabe a seu irmão, Allan, que desenha bem e, agora, está aprendendo a fazer isso no iPad.
O casal passou 36 anos no Brasil, ganhando a vida como comerciantes no Bom Retiro, na região central da capital paulista, e diz ter vivido sem dificuldades graças ao "coração aconchegante" do brasileiro.
Para ficar mais perto do netos, Chan e Marina foram morar de novo na Coreia do Sul em outubro. Mesmo assim, o projeto continua, agora com as experiências de sua volta para casa.
"É um país novo para mim. Não é mais a velha Coreia", diz Chan. "Quero deixar para os meus netos o que vimos e sentimos ao retornar para nossa terra natal."
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