Os idosos que vão passar o Natal sozinhos
A poucos dias do Natal, Vera*, de 68 anos, começou a passar mal. Estava apresentando diversos sintomas de doenças e disse à sua psicóloga que queria morrer e que a vida não tinha sentido.
Ex-executiva de sucesso, a brasileira já morou no exterior, acumulou patrimônio durante a vida, mas entrou em depressão desde que o marido morreu e ela parou de trabalhar. Hoje mora em uma instituição de longa permanência para idosos.
Ela tem dois filhos, mas a filha tem problemas com dependência química e o filho não sabe se conseguirá ir ver a mãe no Natal.
"A solidão dos idosos aumenta muito nessa época do ano", diz a psicóloga Margherita de Cassia Mizan, especializada em gerontologia e pesquisadora na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica). "Casos como esse são muito comuns. Eles começam a 'descompensar': passar mal e apresentar sintomas, entrar em depressão."
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Mizan trabalha com idosos em situação de fragilidade - os que já não tem condições para estar socialmente integrados sem ajuda.
"Fala-se muito dos idosos ativos e saudáveis, e é importante mostrar que é possível envelhecer bem, mas nisso acaba-se esquecendo os mais frágeis", diz ela. Segundo a psicóloga, a vulnerabilidade pode ser em vários aspectos: físico, psicológico e de integração social. "É a bisavó que não reúne mais a família porque não cozinha, o vovô que não consegue ir ao banheiro sem ajuda."
"Alguns de mais de 80 anos já ficaram viúvos e os filhos também morreram. No Brasil ainda se abandona muitos idosos em hospitais - a família deixa quando está doente e desaparece. Há muitos que até tem dinheiro, mas ficam sozinhos em instituições."
São pessoas que passam o ano todo convivendo com a solidão, mas o sentimento se agrava próximo ao fim do ano, com a chegada do Natal e do Ano-novo
"Nessas datas fica uma atmosfera de trocas afetivas. Vêm as lembranças de passar o feriado em família", diz Mizan. "Também há um esvaziamento da rotina normal que agrava a sensação de vazio."
Embora o Brasil esteja atrasado na questão de como lidar com o envelhecimento da população, o problema não é comum só aqui.
A viúva Val, de 76 anos, que mora sozinha em Newport, no Reino Unido, diz que não aproveita o fim do ano.
"Não posso fazer nenhum plano para o Natal. Preciso passar por tudo da melhor forma que puder", afirma. "Presumo que minha filha até faça uma visita, mas não vejo a hora de que o Natal acabe. Tenho muitas cadeiras vazias agora. Eu costumava ter a casa cheia."
Val recebe ligações semanais de um serviço de apoio emocional chamado Silver Line, o que ela diz ter lhe dado grande conforto.
Solidão crônica
A ONG Age Cymru estima que 1,2 milhões de pessoas com mais de 65 anos sofram de solidão crônica no Reino Unido.
A entidade diz que a solidão, se não combatida, pode contribuir para o desenvolvimento de doenças graves como infartos, demência e problemas de saúde mental.
O serviço Silver Line disse que recebeu o recorde de 25 mil ligações só nas duas primeiras semanas de dezembro. A presidente da instituição de caridade, Dame Rantzen, diz que muitas ligações são de pessoas mais velhas que ficam sozinhas em casa e não falam com ninguém por dias e semanas - nem mesmo com a família.
"O sentimento de estar sozinho é exacerbado pelas memórias e por todo o imaginário e foco da mídia em torno de pessoas se divertindo com a família e amigos", diz ela.
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Para Mizan, além de serviços de apoio à idoso, é preciso haver políticas públicas de educação para o envelhecimento. "A gente vê que em muitos casos (o afastamento da família) não é uma questão de crueldade, mas de falta de informações sobre como lidar [com o idoso] e até falta de condições psicológicas de lidar com o declínio de uma pessoa amada", afirma.
Um pouco de calor
Colin Sharp, prefeito da pequena cidade de Milford Haven, no Reino Unido, organiza há seis anos um evento para reunir pessoas que passariam o Natal Sozinhas.
Ele e seu marido, Guy Woodman, recebem convidados para um almoço, jogos e entretenimento do centro comunitário da cidade. Mais de 70% dos participantes são idosos, indicados pelo serviço de saúde. Cerca de 40 voluntários ajudam a organizar a festa.
"Alguns histórias são muito tristes. Uma senhora estava nos contando que, além da cuidadora que vem duas vezes por semana, ela não via mais ninguém desde outubro", diz Sharp.
Outras pessoas mais jovens têm histórias de perdas de pessoas amadas nessa época do ano, segundo ele.
No Brasil, diversas iniciativas viralizaram na internet ao reunir desejos de Natal de idosos que vivem em abrigos - alguns são muito simples, como um travesseiro novo ou um perfume. Outros dizem que queriam um abraço do filho que não veem há tempos ou a chance de caminhar uma última vez.
A Casa do Idosos Amor à Vida, em Luziânia (GO), e o abrigo Joaquim Monteiro de Carvalho, em Picos (PI) são algumas das instituições que lançaram campanhas do tipo.
Quem estiver se sentindo sozinho e precisar de apoio emocional pode ligar para serviços como o CVV (Centro de Valorização da Vida).
Com informações da BBC Wales e de Letícia Mori, da BBC Brasil em São Paulo.
*O nome foi trocado para preservar identidade da pessoa
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