Casal brasileiro é acusado de 'lavar' milhões de esquema que leva imigrantes de barco até a Flórida
Um casal de brasileiros estaria no coração de um "sofisticado esquema de lavagem de dinheiro" que movimentou pelo menos US$ 8,37 milhões (ou R$ 27 milhões) nos últimos três anos com o contrabando de pessoas - especialmente brasileiros - para os Estados Unidos, segundo documentos oficiais da polícia americana obtidos pela BBC Brasil.
Presos na semana passada em Miami, Eduardo Pereira, de 49 anos, e sua mulher, Marcia Tiago, de 48, seriam os responsáveis por lavar e introduzir no sistema bancário americano os lucros recebidos irregularmente por uma rede de coiotes, como são conhecidos os agentes ilegais que fazem o transporte internacional de migrantes em condições perigosas.
Diferente do tráfico de pessoas, que pode envolver exploração sexual, escravidão ou venda de órgãos, o contrabando de pessoas acontece quando organizações cobram para burlar leis de imigração e levar pessoas para outros países, com consentimento dos viajantes.
Em um mandado de prisão de 32 páginas, a Força-tarefa de Lavagem de Dinheiro do Condado de Broward, na Flórida, aponta que os brasileiros seriam donos ou titulares principais das contas bancárias de quatro empresas de fachada, todas criadas para fazer circular os lucros da rede de coiotes - que cobravam entre US$ 15 mil e US$ 20 mil (ou R$ 48 mil a R$ 64 mil) para brasileiros que quisessem migrar para os EUA pelo sul da Flórida.
"Normalmente, a pessoa contrabandeada era levada de avião do Brasil para o Caribe, onde não há obrigatoriedade de visto de viagem, e depois era levada de barco para o sul da Florida", afirmam os detetives no documento.
"De lá, a organização levava as pessoas contrabandeadas de carro para Nova Jersey e Pensilvânia, normalmente seu destino final."
Na maior parte dos casos, o pagamento - ou parte significante dele - era realizado já em solo americano, "geralmente em dinheiro, por amigos ou familiares, após a chegada em segurança", aponta o documento.
Pereira e Tiago estão presos em Miami. Por ordem da juíza Mindy Glazer, que ordenou a prisão, o casal poderá ficar detido em prisão domiciliar se pagar fiança de US$ 300 mil (quase R$ 1 milhão) cada um. Eles também precisarão provar que o dinheiro usado para esse pagamento veio de uma fonte legal.
Rota Caribe
A Justiça estadual da Flórida, responsável pelo julgamento dos brasileiros, afirmou à BBC Brasil que os dois serão participarão de novas audiências judiciais em 22 de fevereiro.
Procurado pela reportagem, o consulado brasileiro em Miami afirmou que está "acompanhando a prisão dos brasileiros, a exemplo do que fazemos nas situações de detenção de nacionais".
Questionado sobre a situação dos acusados, o consulado disse que "nenhum dos nacionais fez contato com o Consulado-Geral até o momento para solicitar assistência" e que, "por questões de privacidade, existem limites nas informações que podemos transmitir para a imprensa".
Os advogados de Eduardo Pereira e Marcia Tiago não foram localizados até a publicação desta reportagem.
O trabalho da força-farefa da Flórida é parte de uma iniciativa maior, conduzida pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA, chamada Operação: Rota Caribe.
Segundo o governo americano, a organização criminosa da qual os brasileiros fariam parte está associada a 61 flagrantes de imigrantes ilegais em embarcações provenientes de países como as Bahamas com destino à Flórida desde 2007.
Ainda de acordo com o escritório de investigações do departamento, a organização teria sido responsável pela vinda de 5 mil estrangeiros para os EUA por ano, sempre em condições precárias de segurança.
À reportagem, por telefone, um porta-voz do Departamento de Segurança Interna informou que a Rota Caribe é "uma investigação em andamento" e afirmou que o governo não comentará o caso até que todas as linhas de apuração sejam concluídas.
Em novembro de 2016, ainda segundo o documento do governo dos EUA, uma embarcação associada ao esquema, e contratada por um brasileiro ligado ao casal preso em Miami, se perdeu no mar do Caribe com 19 pessoas - incluindo brasileiros, cubanos, dominicanos e americanos.
O mesmo homem teria comprado outros dois barcos nos Estados Unidos, com apoio dos dois brasileiros presos.
'Piratas do Caribe'
Braço brasileiro da Operação: Rota Caribe, a operação Piratas do Caribe, da Polícia Federal, apura a presença de coiotes em solo brasileiro desde janeiro do ano passado. Pelo menos quatro pessoas foram presas por envolvimento no esquema, em Minas Gerais e em Rondônia.
Segundo a PF, 12 brasileiros viajavam na embarcação desaparecida após sair das Bahamas rumo aos EUA. Eles viviam nos Estados de Minas Gerais, Pará, Paraná, Rondônia e São Paulo.
Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em dezembro, o delegado-chefe da operação, Raphael Baggio, disse que as investigações continuam e que a principal suspeita é que a embarcação desaparecida tenha naufragado no caminho para o mar da Flórida.
"Tudo indica que houve um naufrágio. Não estou afirmando com certeza", disse Baggio durante a audiência.
Uma comissão externa formada por cinco deputados acompanha as investigações sobre o caso em Brasília. A BBC Brasil não conseguiu contato com o delegado da Polícia Federal brasileira para comentar as prisões ligadas ao esquema nos Estados Unidos.
Segundo a reportagem apurou, novos mandados de busca da operação Piratas do Caribe estão previstos para as próximas semanas em Estados da região Amazônica. O objetivo é prender e desvendar a rede de contatos de coiotes associados à organização internacional em solo brasileiro.
Lavagem de dinheiro
O esquema de contrabando humano, segundo a polícia americana, "gerava uma grande quantidade de dinheiro vivo, que em seguida era lavada" pelas empresas controladas pelo casal de brasileiros.
Segundo o documento da força tarefa dos EUA, a dupla presa em Miami mantinha cúmplices em empresas nas áreas de construção civil e limpeza para o processo de lavagem de dinheiro do contrabando de pessoas.
As investigações dos detetives apontam que Pereira e Tiago passavam dinheiro vivo para empresários pagarem funcionários contratados ilegalmente. Assim, os patrões conseguiam manter a existência dos funcionários em segredo.
"Eles se beneficiavam usando o dinheiro do contrabando de pessoas para pagar os funcionários ilegais sem precisarem usar seus próprios fundos, evitando grandes saques" que poderiam chamar atenção de autoridades, aponta o mandado de prisão.
Em troca, esses empresários contratavam pequenos serviços das empresas de fachada do casal brasileiro, "devolvendo" o dinheiro ilegal de forma limpa.
"Era um esquema de benefício mútuo", afirmam os investigadores. "Todas as partes conseguiram evitar a identificação de irregularidades."
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