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Símbolo palestino, adolescente ativista vai a julgamento por dar tapa em soldado israelense

13/02/2018 13h55

A palestina Ahed Tamimi completou 17 anos de idade no dia 31 de janeiro. Ela fez aniversário em uma prisão israelense e, a partir desta terça, começa a ser julgada por crime contra a segurança na corte militar de Israel.

Ahed deu um tapa no rosto de um soldado israelense em dezembro do ano passado, na porta da casa dela, em Nabi Saleh, um vilarejo localizado na Cisjordânia.

A mãe dela, Nariman, filmou a cena, transmitida ao vivo, e o vídeo viralizou na internet.

As imagens mostram três mulheres palestinas e dois soldados israelenses armados. A jovem parte para cima de um deles e o agride com empurrão, chute e tapa. Exige que eles saiam dali. Os soldados não reagem.

Mãe e filha foram detidas dias depois. Ahed foi presa em uma ação da força de segurança israelense na madrugada. E a mãe dela foi presa quando foi à delegacia para saber como a filha estava.

O caso da adolescente atraiu atenção internacional. Mas apesar de Ahed ter virado um símbolo do conflito entre palestinos e israelenses, ela não é a única pessoa menor de 18 anos presa em Israel.

Ela é uma das cerca de 300 crianças e adolescentes palestinas que estão detidos em prisões israelenses, segundo levantamento feito pela B'Tesselem, uma organização não governamental de direitos humanos.

No mesmo dia em que Ahed agrediu o soldado, o primo dela, Mohammed, levou um tiro na cabeça.

A bala que atingiu o adolescente de 15 anos era de metal, revestida de borracha, e foi disparada por um soldado israelense. Mohammed perdeu parte do crânio.

Joana D'Arc ou Shirley 'Temper'

Ahed tem apenas 17 anos, mas já é uma conhecida ativista. Desde criança, acompanha os pais em protestos contra os assentamentos judaicos na Cisjordânia, e já apareceu em diferentes fotos e vídeos enfrentando soldados.

Para uns, Ahed é uma versão contemporânea de Joana D'Arc, a camponesa francesa que virou heroína ao lutar contra a Inglaterra na Guerra dos Cem Anos (1337-1453) e acabou sendo canonizada.

Outros preferem chamar Ahed de "Shirley Temper", um trocadilho com o nome da atriz infantil Shirley Temple que, assim como a palestina, também tinha cabelos loiros e encaracolados. Temper significa "temperamento" em inglês.

Para a advogada da adolescente, Gabi Lasky, o caso ganhou relevância e tem feito até mesmo israelenses falarem sobre as áreas ocupadas por palestinos.

"Por muito tempo, israelenses não tratavam das ocupações, não falavam sobre isso", observa.

Lasky, no entanto, diz que o julgamento vai levantar a pergunta se os palestinos têm direito a lutar pelas terras que estão ocupadas e qual a melhor forma de defender as áreas onde vivem e de impedir os assentamentos judaicos.

Há anos, a família Tamimi protesta contra as construções judaicas na Cisjordânia, onde 88% dos cerca de 3 milhões de pessoas que lá vivem são palestinas, segundo a organização israelense Paz Agora.

O número de assentamentos, contudo, tem aumentado na região, e eles são considerados pelos palestinos como um dos principais entraves para a paz na região. Pela legislação internacional, essas construções israelenses são consideradas ilegais.

Táticas provocativas

Para muitos palestinos, Ahed é uma heroína. A ativista adolescente ganhou ainda mais popularidade ao enfrentar os dois soldados.

No caso do tapa, ela argumenta que estava nervosa com a violência cometida contra seu primo.

A Força Israelense informa que os dois soldados que estavam na frente da casa de Ahed faziam parte de um grupo enviado à vila Nabi Saleh para conter palestinos que estavam jogando pedras nas tropas e ocupando uma rodovia usada por motoristas israelenses.

Desde a decisão dos Estados Unidos de reconhecer Israel como capital de Jerusalém e de anunciar a mudança da embaixada, atualmente em Tel Aviv, há relatos de que o número de prisões de palestinos por israelenses aumentou.

O vídeo em que Ahed aparece dando o tapa no soldado não é o primeiro em que a adolescente ativista aparece provocando israelenses.

As imagens recorrentes dela e de sua família em protestos fazem com que os Tamimi sejam acusados de provocar deliberadamente soldados e, assim, promover propaganda anti-Israel.

Quando tinha 11 anos, Ahed foi sido filmada ameaçando dar um soco em um soldado depois que o irmão mais velho dela foi preso. Dois anos atrás, ela bateu em um militar que tentava deter o irmão mais novo.

"Agora que ela está na prisão, acho que vai pagar um preço, e vai ser um preço alto", diz Anat Berko, membro do parlamento israelense e representante do partido governista Likud.

"Sinto muito que a família não tenha contido esse comportamento", diz Berko, ressaltando que, mesmo sendo provocados e agredidos, os soldados não reagiram.

Já Oren Hazan, que também é representante do parlamento em Israel, reage com mais agressividade ao comentar o caso. Ele diz que, se tivesse oportunidade, "teria mandado Ahed para o hospital". "Ninguém iria me conter, eu ia chutar o rosto dela."

Nova geração

O pai de Ahed, Bassem Tamimi, recebeu a BBC em casa. Ele também é ativista, e já foi preso mais de uma vez por forças israelenses - na última, acusado de manifestações ilegais e jogar pedras.

Por quatro anos, ele organizava protestos semanais, muitos deles com a presença de ativistas estrangeiros e até israelenses, na tentativa de marchar em direção aos assentamentos judaicos.

Bassem e a mulher levavam os quatro filhos consigo nessas manifestações, em que geralmente os soldados reagem atirando balas de borracha e bombas de gás.

"Claro que estou preocupado, mas estou orgulhoso da minha filha. Estou feliz que ela se transformou em exemplo para a nova geração resistir", diz o pai.

Para ele, foi o policial que bateu o rosto na mão de sua filha dele. Bassem usa a figura de linguagem para criticar a truculência dos soldados israelenses que, segundo ele, entram nas terras de palestinos, os ameaçam e os prendem.

Corte militar

Confrontos entre crianças e adolescentes palestinos e soldados israelenses acontecem quase que diariamente na Cisjordânia.

Estima-se que 1,4 mil menores já foram processados nas cortes militares nos últimos três anos.

Grupos palestinos são críticos ao sistema israelense, dizendo que não dá garantias mínimas de um julgamento justo nem de proteção aos acusados.

"Direitos fundamentais são garantias que qualquer pessoa tem. Não importa se você é israelense ou palestino", diz o ex-procurador da Cisjordânia, Maurice Hirsch, que defende o sistema.

Segundo ele, Ahed optou por permanecer em silêncio durante o interrogatório, que é direito de qualquer pessoa.

Para ele, contudo, Ahed tentou usar o caso para influenciar a opinião pública e fazer um chamado por mais manifestações. No fim do vídeo, ela aparece convocando protestos.

A mãe de Ahed é acusada de agressão e de incitar a violência. Uma prima, Nur Tamimi, é acusada de agir com violência.