Topo

'Você vai ser minha amante': repórter da BBC grava assédio de deputado russo

Farida Rustamova fez uma acusação anônima inicialmente, mas depois decidiu falar abertamente sobre o caso de assédio - BBC
Farida Rustamova fez uma acusação anônima inicialmente, mas depois decidiu falar abertamente sobre o caso de assédio Imagem: BBC

Nina Nazarova - BBC Rússia

07/03/2018 13h21

Uma jornalista da BBC afirma que sofreu assédio sexual do deputado russo Leonid Slutsky.

Repórter da BBC Rússia, o serviço russo da BBC, Farida Rustamova é a terceira jornalista a acusar o parlamentar de comportamento sexual impróprio.

O deputado do Partido Liberal Democrata, uma sigla conservadora, nega as acusações e afirma que vai processar as jornalistas por difamação.

A Rússia não viu a mesma mobilização contra o assédio sexual que ocorreu em outros países europeus e nos Estados Unidos após casos ruidosos envolvendo pessoas famosas virarem manchete.

'Fiquei sem palavras'

Rustamova gravou a entrevista com o parlamentar ocorrida há um ano, na qual ocorreu o incidente.

A gravação está em posse da BBC, que decidiu não publicá-la.

Em 24 de março de 2017, Farida Rustamova visitou Leonid Slutsky, líder do comitê de assuntos externos, em seu gabinete para ouvi-lo sobre a visita que Marine Le Pen, então candidata à presidência da França, faria à Rússia.

Durante a entrevista, Slutsky inesperadamente mudou de assunto e perguntou se a jornalista não gostaria de deixar a BBC para trabalhar com ele.

Quando Rustamova recusou a oferta, ele reclamou: "Você está tentando fugir de mim, você não quer me beijar, feriu meus sentimentos".

A jornalista explicou que pretende se casar com seu namorado. O parlamentar retrucou: "Ótimo, você vai se casar com ele, e ser minha amante."

Rustamova diz que o político então se aproximou dela e, em suas palavras, começou a "passar a palma da mão nas partes baixas do meu corpo".

"Eu não entendi o que estava acontecendo", diz ela. "Simplesmente fiquei sem palavras, resmungando alguns sons, fiquei sem reação. Falei algo sobre não voltar a vê-lo, que ele tinha passado a mão em mim."

A julgar por sua resposta, que também foi gravada, o deputado não concordou com a descrição do que ocorreu. "Não passo a mão nas pessoas. Ok, só um pouco. 'Passar a mão' é uma expressão muito feia'", disse ele.

A BBC questionou o deputado Leonid Slutsky sobre o que ocorreu no dia 24 de março de 2017, mas ele não respondeu às perguntas.

Farida Rustamova é terceira jornalista a acusar o deputado de conduta sexual imprópria nas últimas duas semanas. As outras duas mulheres são Yekaterina Kotrikadze, editora do canal de TV RTVI, e Daria Zhuk, produtora da TV Rain.

Ekaterina Kotrikadze, editora-chege do canal RTVI, foi a primeira a acusar o deputado Leonid Slutsky - RTVI - RTVI
Ekaterina Kotrikadze, editora-chege do canal RTVI, foi a primeira a acusar o deputado Leonid Slutsky
Imagem: RTVI

O parlamentar afirma que o caso se trata de uma trama política.

"As pessoas estão infelizes com a autoridade do comitê de assuntos externos e com seu líder", disse. "Temo que esse seja um típico exemplo de jornalismo feito sob encomenda para diminuir nossa autoridade, mas acabou fortalecendo-a".

'Vamos checar'

A Duma, a Casa Baixa da Assembleia Federal da Rússia, afirmou que a culpa de Slutsky não foi comprovada e pediu que as supostas vítimas relatem os casos ao Comitê de Ética do Parlamento.

Em declaração ao jornal Vedomosti, na quarta-feira passada, o porta-voz do Parlamento, Vyacheslav Volodin, afirmou: "Vamos deixar a política para os políticos. Vamos checar isso (as denúncias). Mas uma história sempre tem dois lados".

"Então, se seguirmos o processo legal, se houver uma acusação, o que podemos fazer? Se você ofender alguém, você deve se desculpar. Se você provocar alguém, você deve assumir a responsabilidade", disse.

Ele também disse que jornalistas mulheres que tenham medo de cobrir o Parlamento russo devem procurar trabalho em outro lugar.

Rustamova está preparando sua declaração ao Comitê de Ética da Assembleia. Ela diz que Leonid Slutsky não pediu desculpas sobre o que ocorreu.

A legislação russa não trata de casos de assédio sexual. A deputada Oksana Pushkin afirmou à BBC que a lei que proíbe coerções sexuais (artigo 133 do Código Penal da Rússia) "não funciona".

Assédio sexual na Rússia

- A Rússia não tem lei contra assédio sexual

- A culpabilização de vítimas de assédio ou estupro é muito alta no país. Normalmente, é dito que mulheres "incentivaram" os casos

- Nas redes sociais, no entanto, a forma como o assunto é tratado tem mudado. Em 2016, a hashtag "Não tenho medo de falar" se espalhou pelo Facebook na Rússia, com homens e mulheres contando sobre casos de violência sexual que foram vítimas

- Ativistas estão convencendo os jovens sobre condutas sexuais sem violência

- Advogados estão procurando maneiras de introduzir a ideia de sexo consensual na lei