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Forçada a se prostituir aos 13: as meninas traficadas após fugir da perseguição

30/03/2018 11h51

Meninas no início de sua adolescência que vivem em campos de refugiados rohingyas em Bangladesh, na Ásia, estão sendo traficadas para se prostituir, revelou uma investigação da BBC.

Estrangeiros em busca de sexo conseguem facilmente ter acesso a crianças que fugiram do conflito em Mianmar - e que, agora, enfrentam um novo perigo.

Centenas de milhares de rohingyas têm fugido para Bangladesh nas últimas décadas; o número aumentou drasticamente no ano passado, após uma onda de violência e perseguição em Mianmar, onde a etnia, muçulmana, representava cerca de 5% da população.

Mais de 600 mil refugiados vivem em campos montados em Bangladesh; entre eles, mais de 60% são crianças, segundo a Agência da ONU para Refugiados.

Anwara tem 14 anos. Ela deixou Mianmar depois que sua família foi morta. Na estrada rumo a Bangladesh, recebeu uma oferta de ajuda. "Mulheres vieram em uma van. Perguntaram se eu gostaria de ir com elas."

Ao entrar no veículo, Anwara pensava estar a salvo e a caminho de uma nova vida. Em vez disso, foi levada para a cidade mais próxima, Cox's Bazar, onde foi estuprada.

"Não demorou muito para levarem dois rapazes até mim. Eles me mostraram uma faca, me deram um soco no estômago e me espancaram, porque eu não estava cooperando. Então, os dois me estupraram. Não queria fazer sexo, mas eles continuaram mesmo assim."

Há muitas histórias de tráfico de pessoas nos campos de refugiados próximos a Cox's Bazar. Mulheres e crianças são as principais vítimas. Elas são atraídas para longe destes locais com promessas de trabalho e acabam sendo forçadas a fazer sexo.

Uma equipe da BBC e da Fundação Sentinel, uma ONG dedicada a treinar e ajudar forças de segurança no combate à exploração infantil, foi a Bangladesh para investigar a rede por trás desse esquema de tráfico e prostituição.

Táticas cruéis

Menores de idade e suas mães e pais contaram ter recebido ofertas de emprego no exterior e na capital, Daca, para trabalhar como domésticas e em equipes de hotéis e restaurantes.

O caos nos campos de refugiados cria oportunidades para que crianças sejam levadas a essa indústria do sexo. Oferecer a esperança de uma vida melhor a famílias desesperadas é uma das táticas mais cruéis destes traficantes.

Mas para muitos, simplesmente não há outra saída. Masuda, de 14 anos, que hoje recebe ajuda de uma organização de caridade, contou que, quando como foi traficada, "sabia o que aconteceria". "A mulher me ofereceu um trabalho, todo mundo sabe que ela obriga as pessoas a fazerem sexo. Ela é rohingya e vive aqui há bastante tempo, nós a conhecemos. Mas eu não tinha escolha. Não havia nada para mim aqui", disse ela.

"Minha família havia desaparecido. Não tinha dinheiro. Fui estuprada em Mianmar. Costumava brincar na floresta com meus irmãos. Agora, não me lembro de como é brincar."

Alguns pais aceitaram que seus filhos fossem levados mesmo com o receio de nunca vê-los de novo. Outros sorriam pensando que seus filhos agora tinham uma vida melhor, mesmo não tendo mais notícias deles. Como disse uma mãe, "qualquer lugar é melhor" do que a vida nos campos.

Mas para onde essas crianças estão sendo levadas e por quem?

Muitas meninas à disposição

Passando-se por estrangeiros recém-chegados em Bangladesh em busca de sexo, a equipe investigativa da BBC buscou formas de ter acesso a crianças. Após 48 horas, questionando donos de pequenos hotéis e pousadas na praia - locais conhecidos por terem quartos disponíveis para sexo -, conseguimos os números de telefone de cafetões locais.

Com o conhecimento da polícia, pedimos por meninas mais novas para estrangeiros, especificamente meninas rohingya. "Temos meninas jovens, muitas, mas por que você quer rohingyas? Elas são as mais sujas", disse um homem.

Isso foi recorrente na investigação. Na hierarquia da prostituição em Cox's Bazar, jovens rohingya são consideradas as menos desejáveis e as mais baratas.

Recebemos ofertas de uma série de cafetões que integram uma rede de prostituição. Nas negociações, destacamos que queríamos as meninas imediatamente, para não criar uma demanda por elas.

Fotos de diferentes meninas começaram a chegar, e nos diziam que elas tinham idades entre 13 e 17 anos. Ficamos impressionados com o número de meninas disponíveis e o tamanho dessa rede. Se não tivéssemos gostado das meninas nas fotos, havia muitas outras à disposição.

Várias vivem com as famílias dos cafetões. Quando não estão com um cliente, estão cozinhando ou fazendo limpeza. "Não ficamos com elas por muito tempo. A maioria dos homens que pedem por elas são de Bangladesh. As mais novas costumam causar mais problemas, então, nos livramos delas", nos disseram.

Com gravações em mãos, apresentamos as evidências para a polícia. Uma pequena equipe foi designada para uma ação controlada.

Conflito entre a prostituição e a miséria

O cafetão foi identificado imediatamente pela polícia. "Eu o conheço. Sabemos muito bem quem ele é", disse um dos policiais, sem dar mais detalhes.

Em preparação para a ação, ligamos para o cafetão e pedimos que duas das meninas que vimos em uma fotografia fossem entregues em um hotel conhecido de Cox's Bazar naquela mesma noite, às 20h.

O homem que se passava por um cliente estrangeiro, que é membro da Fundação Sentinel, esperou do lado de fora do hotel junto com um tradutor. Policiais à paisana aguardavam no estacionamento.

Conforme o horário marcado se aproximava, houve uma troca intensa de telefonemas entre o cafetão e o cliente. O cafetão queria que o cliente se afastasse do hotel - nos recusamos a fazer isso. O cafetão mandou então um motorista para entregar as duas meninas.

Depois que o pagamento foi feito, o cliente perguntou se, caso a noite corresse bem, outras meninas poderiam ser entregues. O motorista acenou positivamente com a cabeça.

A polícia entrou em ação em seguida. O motorista foi preso, e assistentes sociais e especialistas em tráfico humano ajudaram a providenciar auxílio para as meninas. Uma delas se recusou a ir para um abrigo, enquanto a outra, que disse ter 15 anos, ficou sob os cuidados das assistentes sociais.

As meninas pareciam estar em conflito entre se prostituir e viver na miséria - elas disseram que, sem a prostituição, não conseguiriam se sustentar ou sustentar suas famílias.

Indústria oculta

Transportar mulheres e crianças tanto dentro do país quanto no exterior exige um certo grau de organização. A internet fornece as ferramentas para que diferentes membros de grupos de crime organizado se comuniquem entre si e ofereçam serviços sexuais.

Encontramos casos de crianças rohingya levadas para Chittagong e Daca, em Bangladesh, Katmandu, no Nepal, e Calcutá, na Índia.

Na efervescente indústria do sexo de Calcutá, elas recebem documentos indianos e são absorvidas pelo sistema, perdendo para sempre suas identidades originais.

Na unidade de crimes cibernéticos em Daca, policiais explicaram como traficantes oferecem meninas pela internet. Grupos abertos e fechados no Facebook são como portais de uma indústria oculta de prostituição infantil.

Em meio ao labirinto de sites criptografados, conhecemos uma plataforma usada por pedófilos para trocar informações e compartilhar experiências de como fazer sexo com crianças ao redor do mundo.

Um dos usuários mais prolíficos oferece um passo a passo de como se aproveitar de crianças, especificamente as rohingyas, em meio à crise de refugiados. Ele relata como evitar ser detectado, detalhes sobre a polícia local e as melhores áreas para conseguir suas vítimas.

Isso já foi tirado do ar pelas autoridades, mas é um sinal arrepiante de como a crise de refugiados cria oportunidades para que pedófilos e traficantes se aproveitem desse momento em que estão tão vulneráveis.

Traficantes, cafetões e outros membros das redes online e offline de prostituição de Bangladesh continuam a fornecer mulheres e crianças para quem busca sexo.

A crise rohingya não criou a indústria do sexo no país, mas aumentou a oferta de vítimas dessa indústria, fez cair o preço cobrado por esses serviços e fez a demanda aumentar como nunca.

Os nomes usados nesta reportagem foram alterados para proteger os entrevistados.

Créditos:

Produtor Investigativo: Sam Piranty

Consultor Investigativo: Glenn Devitt

Imagens: Nick Woolley

Apresentador : Mishal Husain

Produtor Executivo: Jacky Martens