Topo

Pesquisa revela aumento de operações e mortes em favelas do Rio após assassinatos de policiais

26.mar.2018 - Movimentação de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na comunidade na Rocinha, na zona sul do Rio - Wilton Junior/Estadão Conteúdo
26.mar.2018 - Movimentação de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na comunidade na Rocinha, na zona sul do Rio Imagem: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Mariana Alvim - @marianaalvim - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil em São Paulo

13/04/2018 18h49

Na noite de quarta-feira 21 de março, um policial e um morador da Rocinha, no Rio de Janeiro, morreram após serem baleados em confrontos na comunidade. As lágrimas de suas famílias se somariam três dias depois, no sábado, ao pesar de parentes de outras oito pessoas mortas em ações da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) ali.

Moradores da Rocinha acusaram a ação do sábado de ser uma retaliação à morte do soldado. Em nota à BBC Brasil, a corporação negou que as ações tenham tido uma relação causal e destacou que a comunidade tem um "reforço no policiamento" desde setembro de 2017. Ainda segundo a PMERJ, quatro dos oito mortos no dia 24 "tinham anotação por tráfico de drogas".

No entanto, dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) analisados pela pesquisadora Terine Husek Coelho mostram que existe uma correlação entre mortes de policiais militares e vítimas civis fatais da intervenção policial no Rio. Coelho avaliou o que aconteceu no período entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015. Segundo ela, após o óbito de um policial em serviço, a probabilidade de um civil perder a vida em meio a uma ação policial no mesmo local aumenta em 1150% no mesmo dia; em 350% no dia seguinte; e em 125% entre cinco e sete dias mais tarde.

Para a pesquisadora, os dados revelam um ciclo de violência que não só tira a vida de policiais e civis em sequência como, para a tropa que fica, gera impactos psicológicos devastadores.

"A polícia deveria ser a instituição que encerrasse o ciclo de violência, mas ela perpetua", afirmou, em entrevista à BBC Brasil. "A consequência de uma morte fica para toda a unidade. Não se olha para o policial que dividia uma rotina com o morto, ou para aquele que estava presente na ocorrência ou foi ferido. Normalmente este policial é aquele colocado em uma operação no dia seguinte, tendo até mesmo a folga cassada".

Os dados foram apresentados em 2017 pela pesquisa de mestrado de Coelho na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Por meio de técnicas estatísticas, o cálculo foi feito de forma a neutralizar os efeitos da violência local nos números - evitando que os resultados reflitam, por exemplo, simplesmente o fato de uma área ser mais violenta.

Tropas nas ruas

Segundo Coelho, diante de mortes de agentes, a resposta mais comum de comandantes da PM do Rio é promover operações nas ruas e reforçar o efetivo na área. Para fazer isso, lançam mão de forças como Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e o Batalhão de Choque (BPChq). Enquanto isso, alternativas consideradas mais eficientes pela pesquisadora não costumam ser colocadas em prática: investigações sobre o assassinato e ações integradas de prevenção e inteligência.

A partir da entrevista com 32 policiais, Coelho identificou uma ideia de que é preciso "medir forças".

"A lógica é a de que é preciso dar uma resposta à morte do policial: se atacaram a polícia, ela tem força para responder. Tenho cuidado em falar em vingança, pois isso daria a impressão que seria uma ação pontual de alguns policiais. Mas estamos falando em um modo institucional de agir da polícia, uma dinâmica de violência da qual ela participa", diz a pesquisadora.

Um levantamento feito pela BBC Brasil mostra que, em 2018, operações policiais subsequentes às mortes de policiais seguiram acontecendo.

Segundo a PM do Rio, no primeiro trimestre de 2018, 32 policiais perderam a vida violentamente. A instituição não divulga os nomes destas vítimas mas, segundo um levantamento da reportagem nos sites da corporação e de veículos da imprensa, pelo menos 12 deles morreram em serviço.

Destas mortes, oito foram sucedidas, em menos de sete dias, por operações onde o agente perdeu a vida (Lagomar, em Macaé; Morro da Coca-Cola, em Arraial do Cabo; Gogó da Ema, em Belford Roxo; e, na capital, em Barros Filho, Andaraí, Rocinha e Costa Barros).

Das oito operações, três tiveram como motivação a busca pelos assassinos dos policias, de acordo com comunicados da própria corporação. E três delas resultaram em mortes de civis.

Foi o caso das ações que se seguiram ao assassinato de um cabo em 9 de janeiro, na comunidade de Lagomar, na cidade fluminense de Macaé. Um comunicado no site da PM naquele dia explicitou que a ação pretendia "identificar e prender os criminosos da comunidade Lagomar" que "assassinaram o cabo". Além de colegas do batalhão em que trabalhava o policial morto, a ação teve o reforço de outros três batalhões e uso de helicópteros.

À BBC Brasil, a PM afirmou, por meio de nota, que "crimes cometidos contra agentes da lei são considerados hediondos e atentam contra o Estado Democrático de Direito". A corporação disse ainda que "o citado crime sempre será enfrentado com o maior rigor possível, sempre observando a técnica policial, evitando assim efeitos colaterais (...) Em 2017 tivemos o número absurdo de 135 policiais militares mortos em razão de ser policial".

Custos psicológicos

Terine Husek Coelho acredita, no entanto, que a Polícia Militar do Rio está falhando em lidar com os efeitos colaterais deste ciclo de violência.

No grupo de 32 policiais entrevistados na pesquisa, apenas um terço foi atendido por um psicólogo. Em vez de receberem este tipo de assistência, policiais que acabaram de perder um colega frequentemente vão às ruas no dia seguinte. De acordo com Coelho, o estresse se torna uma "bomba" que estoura na operação policial.

"Que tipo de segurança você está gerando ao colocar um policial nestas condições na rua? Encontrei, por exemplo, um policial que foi ferido duas vezes no mesmo mês", aponta a pesquisadora.

Nas entrevistas, Coelho se deparou com policiais que não tinham com quem conversar sobre a dor de perder um colega em serviço. É o que se nota no depoimento de um sargento à pesquisadora:

"Eu não consigo imaginar outra situação mais forte do que essa. (...) Eu não acho que tenha uma situação pior. Eu lembro daquele dia em detalhes, se eu fechar o olho, eu lembro. Eu vi os olhos do M. perdendo o brilho. Você já viu isso? Ele disse: - 'Ai, tá doendo'. Eu olhei para ele, e a íris dele foi apagando. Eu vi quando ele morreu. Sabe o que é viver isso? Você não consegue ter ideia".

Perguntada sobre a assistência psicológica oferecida a seus agentes, a PM afirmou em nota que presta assistência psicológica e que "não conseguimos parar o policial que conhece um outro policial que morreu em combate sob pena de caso seja adotada essa medida acabar por retirar um efetivo considerável das ruas, algo que prejudicaria muito a sociedade e a própria Policia Militar que também é cliente do serviço que presta à população".

Alternativas

Um major de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) também expressou, em entrevista dada a Coelho, a priorização da colocada das operações em detrimento do encaminhamento a outras formas de assistência.

"Geralmente quando acontece algo contra os policiais, ou atiram contra a gente, eu gosto de dar uma pronta-resposta, um dia ou dois dias depois no máximo. Gosto de fazer uma operação de máximo porte, para apreender algo, prender gente. Para mostrar para tropa que se nos atacarem não vai ficar sem resposta", afirmou o major na pesquisa.

Frequentes, mas tecnicamente questionáveis. Assim o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da PM do Rio e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, enxerga o recorrente uso de operações - não só subsequentes a mortes de seus agentes, mas também em outras situações como denúncias da imprensa.

"Uma operação implicaria em planejamento, uso da inteligência... Mas o que ocorre é uma deturpação. Na Constituição, a função da PM é fazer o policiamento preventivo, ostensivo", aponta Rodrigues.

"Você esgota todo o esforço de uma polícia que deveria ser de patrulhamento. Os policiais se lançam em uma empreitada arriscada para eles e para a população".

'Pagando com o próprio sangue'

Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, destaca que é preciso lembrar também de reações extraoficiais às mortes de policiais - que tem chacinas como a de Vigário Geral como exemplo. Em 1993, quatro policiais militares foram assassinados por traficantes em uma emboscada na comunidade no Rio de Janeiro; no dia seguinte, PMs encapuzados e fortemente armados voltaram a Vigário Geral e mataram 21 pessoas.

Já no caso das operações, Lemgruber enxerga uma "clara característica" de reação às mortes de policiais que leva a uma cadeia "perigosa" de retaliações entre as corporações e o crime.

"Temos que lamentar profundamente qualquer morte, tanto de vítimas da violência policial como de policiais. É lamentável que policiais morram como morrem no Rio e não haja indignação", diz Lemgruber. "Mas arquitetar uma estratégia de vingança é uma barbárie. A confiança da população na polícia se rompe".

O ativista Davison Coutinho, morador da Rocinha, classifica a comunidade hoje como um "grande abatedouro" diante de uma sequência de operações policiais desde que a presença da corporação foi reforçada ali, a partir de setembro de 2017. Coutinho diz que, quando um policial morre na comunidade, os moradores já esperam que ações violentas da polícia aumentem - como, para ele, aconteceu na escalada que acabou resultando nas mortes do último dia 24.

"A gente sabia que haveria retaliação. Os moradores estão pagando com o próprio sangue a morte do policial", aponta o ativista. "Os últimos seis meses foram de confronto a todo momento na Rocinha. Já está mais que comprovado que este combate não dá em nada, somente em mortes".