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Em meio à expectativa de eleições, Paraguai vive boom imobiliário impulsionado por Brasil e Argentina

Ao lado do palácio de governo está sendo construído o The One Downtown, exemplo da nova onda imobiliária em Assunção - BBC
Ao lado do palácio de governo está sendo construído o The One Downtown, exemplo da nova onda imobiliária em Assunção Imagem: BBC

Daniel Pardo - Enviado especial da BBC Mundo ao Paraguai

20/04/2018 16h36

Em pleno centro histórico de Assunção, diante do majestoso edifício neoclássico que abriga o governo do Paraguai, está sendo construído o The One Downtown, projeto residencial de fachada branca e espelhada. Com 20 andares e piscina de borda infinita na cobertura, o projeto "chega para se adaptar ao novo estilo de vida que começa a nascer em Assunção", diz o panfleto publicitário do empreendimento.

Durante os últimos anos, a antes horizontalizada paisagem da capital paraguaia viu surgirem dezenas de arranha-céus. Entre eles há muitos edifícios comerciais, mas a maioria é de prédios residenciais, com nomes como Feel, Blue Tower, Pride e Eminent - promovendo um "estilo de vida" ainda pouco familiar no Paraguai, país historicamente pouco integrado à comunidade internacional, mas que vive crescimento inédito.

Os paraguaios, que em sua maioria ainda estão muito distantes de ter acesso ao estilo de vida prometido pelos novos empreendimentos, vão às urnas eleger um novo presidente neste domingo com a esperança de que o "milagre econômico" por trás do boom imobiliário se estenda ao grosso da população.

Em um pleito que não chega a causar euforia, se enfrentam neste domingo Mario Abdo, do governista (e histórico) Partido Colorado, e Efraín Alegre, da coalizão opositora Aliança Ganhar.

O Paraguai, hoje governado pelo colorado Horacio Cartes, tem apresentado dados macroeconômicos invejáveis para o resto do continente: crescimento elevado e constante do PIB, reduzido déficit fiscal e câmbio estável, em parte por conta de uma das maiores taxas de investimento estrangeiro da América Latina.

E os investidores desse novo "estilo de vida" são sobretudo brasileiros, argentinos e americanos.

Pobreza e corrupção

Mas a outra - e majoritária - face do país não fala inglês e tem dificuldade em fazer o salário chegar até o fim do mês.

O Paraguai tem 26% de sua população em situação de pobreza, uma das mais altas percepções de corrupção do continente, infraestrutura e serviços básicos ineficientes e caros e um dos piores sistemas de educação do mundo, segundo o ranking Competitividade Global, do Fórum Econômico Mundial.

E, ainda que o chamado "milagre econômico" tenha impactado a paisagem de Assunção, não fez o mesmo no país inteiro.

Rubén Ramírez, um dos mais conhecidos economistas do país, viajou ao Panamá - país que hoje concentra um dos maiores crescimentos imobiliários na América Latina e virou polo regional de negócios - em 2008, como funcionário do banco de desenvolvimento Corporação Andina de Fomento.

"Quando cheguei, os edifícios estavam em fase de construção e o país estava como vejo o Paraguai agora, na antessala de um auge econômico", diz ele à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.

A ministra da Fazenda, Lea Giménez, reforça: "O exemplo do Panamá é interessante porque, tendo em conta as diferenças de fundo, nós (paraguaios) também queremos virar um hub regional", afirma.

Depois de o país ter ficado à beira de um calote em 2003, os governantes paraguaios concordaram, pela primeira vez na história, em levar a cabo um conjunto de políticas econômicas de continuidade.

Desde então, explica Ramírez, "se constrói uma cultura disciplinada de controle e estabilidade do gasto público e equilíbrio fiscal; há uma política monetária e cambial estável, e o sistema tributário passa por uma reforma (para destinar uma porcentagem fixa de impostos e lucros) ao investimento".

Críticos dessas políticas de cunho liberal afirmam que o país entregou sua independência econômica a países maiores, como Brasil, Argentina e EUA.

Mas economistas como Ramírez argumentam que, para um país sem saída para o mar, rodeado por economias superiores e com um histórico de autoritarismo, violência e crise, a abertura em grande escala era inevitável e urgente.

"Por isso, acho que o Paraguai, apesar dos desafios jurídicos, políticos e sociais, vai ser como o Panamá", conclui.

Críticas

Mas a persistência da pobreza faz com que pessoas como o historiador (e hoje candidato ao Senado) Roberto Paredes neguem que esteja em curso um boom econômico no Paraguai.

"Seguimos sendo um dos países mais desiguais do continente; o crescimento foi pequeno se comparado ao tamanho da população; e temos milhões de paraguaios que vão embora do país em busca de salários melhores", diz ele à BBC Mundo.

Críticos afirmam ainda que a carga reduzida de impostos, em um país de alta informalidade e ilegalidade, acabou convertendo o Paraguai em um paraíso fiscal, aonde argentinos e brasileiros vão lavar dinheiro.

Existem boatos, nunca comprovados, de que parte dos novos empreendimentos imobiliários são erguidos com dinheiro desviado por políticos latino-americanos.

Ao mesmo tempo, há o temor de uma bolha: muitos questionam se a taxa de ocupação dos novos arranha-céus será sustentável. Os incorporadores citam taxas bem-sucedidas, dizendo que 80% dos novos imóveis são comercializados na fase de pré-venda. Mas, durante à noite, nota-se que muitos edifícios residenciais seguem com imóveis apagados, desabitados.

A ministra Lea Giménez destaca que um dos êxitos do governo Cartes é uma Lei de Transparência que "permite aos cidadãos saber o que tem sido feito com o orçamento público".

Ela também defende que, embora o Paraguai tenha uma economia atrelada aos seus pares regionais, a atual administração conseguiu minimizar essa dependência.

"Enquanto Brasil e Argentina passaram por recessão, nós continuamos crescendo", diz.

Giménez cita, por exemplo, a diversificação das exportações: o Paraguai passou a exportar a 22 países novos, e o peso do agronegócio diminuiu na balança comercial, enquanto aumentou a participação de indústrias, comércio e construção.

Investimento externo

De qualquer modo, se multiplicam no Paraguai as fazendas de gado e soja brasileiras, as pizzarias e churrascarias argentinas e as marcas de roupa americanas.

O país recebeu US$ 274 milhões em investimento estrangeiro direto em 2016, último dado disponível na Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Foi um aumento de 5% em relação ao ano anterior, tendência que só se repetiu no Brasil e na Colômbia (houve decréscimo no restante do continente).

A maior parte desses investimentos está no setor financeiro, seguido por comércio, hotéis e restaurantes.

Ao fim de 2016, o Banco Central paraguaio reportava a presença de 287 empresas internacionais no país, das quais 77 eram brasileiras, 29 americanas, 23 argentinas e 23 espanholas.

O argentino Branko Vuckovich é um dos que chegaram ao Paraguai em busca de vantagens econômicas - e acabou ficando.

"Fiquei porque sinto que aqui posso deixar uma marca, tenho a possibilidade de me planejar", diz ele à BBC Mundo, sentado no elegante lobby de seu hotel La Misión, conhecido como o primeiro hotel boutique do país e decorado com murais amazônicos.

Vuckovich, que refere-se aos paraguaios como "nós", afirma que Assunção não faz jus à fama de cidade fechada e de poucas opções. "A gente já não tem mais que ir a Buenos Aires quando quer bons restaurantes, hotéis, espetáculos ou cinemas. Na verdade, eles (argentinos) é que vêm fazer compras e passear aqui em Assunção", diz.

"Nem todos nós investidores estrangeiros que viemos para cá o fazemos para encher os bolsos e ir embora. Te diria que esses são a minoria", afirma, respondendo às críticas de alguns paraguaios.

O argumento é semelhante ao dado por Edgardo de Fortuna, também argentino e presidente do Fortune International Group, agência imobiliária que está construindo o Jade Park, possivelmente o projeto mais ambicioso em andamento na capital paraguaia.

"Quando você se sai bem investindo em um país, você não vai embora - continua lá e volta a investir", diz ele.

Com 122 apartamentos em três torres com vista privilegiada de toda Assunção, o Jade Park terá, por exemplo, sala de ioga, quadra de tênis e basquete, spa, sala de jogos, bar com mesas de sinuca, duas piscinas e salas para motoristas e empregados domésticos.

Entre as empresas construtoras do projeto está o grupo Cartes, de propriedade do presidente paraguaio, investigado nos EUA por suposta lavagem de dinheiro e ligação com o narcotráfico, oque ele nega.

"Serão construídas 480 vagas de estacionamento, porque a família paraguaia gosta de ter até quatro carros", explica uma corretora imobiliária do Jade Park, enquanto mostra à reportagem os detalhes de luxo da cozinha dos apartamentos.

"Aqui, o que se vende é um lifestyle", agrega. "É como estar em Miami, mas em Assunção."