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Cientista de 104 anos morre na Suíça após jornada de 10 mil km em busca do suicídio assistido

Frances Mao - BBC News

02/05/2018 17h22

O cientista David Goodall, de 104 anos, morreu nesta quinta-feira em uma clínica na Suiça após escolher encerrar sua vida por meio do suicídio assistido.

Nascido em Londres, o premiado ecologista e botânico vivia na Austrália havia anos e precisou atravessar o mundo para poder morrer.

Ele não tinha nenhuma doença terminal e disse que sua decisão foi tomada porque sua qualidade de vida estava se deteriorando.

Sua viagem de 10 mil km para a Suíça atraiu a atenção de pessoas no mundo todo. Em sua última aparição pública, Goodall disse que estava surpreso com o interesse.

"Eu não quero continuar a viver", disse ele a reporteres na quarta-feira. "Você quer, na minha idade, e até com menos idade, ser livre para escolher morrer quando é o momento certo para a morte."

Goodall morreu "em paz" na clínica Life Cycle (Ciclo da Vida), na cidade de Basiléia, segundo Philip Nitschke, fundador da Exit International, o grupo defensor da morte assistida que ajudou o cientista em sua luta para poder encerrar a própria vida.

Em seus últimos momentos, Goodall ouviu Ode à Alegria, parte da nona sinfonia de Beethoven. Sua última refeição foi o clássico inglês "fish and chips" (peixe e batatas fritas), seu favorito, com um cheesecake de sobremesa.

O cientista não quis ser velado nem ter um funeral, mas pediu que seu corpo seja doado à medicina ou que suas cinzas sejam espalhadas na natureza, disse o grupo.

Viagem para a morte

Goodal havia se despedido de sua casa na Austrália na semana passada.

"Lamento muito por ter atingido essa idade", afirmou o biólogo no seu aniversário no mês passado em uma entrevista para a rede australiana ABC.

"Não estou feliz. Eu quero morrer. Não é exatamente triste. O que é triste é ser impedido de fazer isso", disse.

A morte assistida foi legalizada em um Estado australiano no ano passado após um debate bastante polêmico - mas, para conseguir isso, a pessoa precisa ser diagnosticada como paciente terminal de alguma doença.

Goodall decidiu, então, viajar para a clínica na Suíça. Ele disse, no entanto, que ficou triste por ter de sair da Austrália para fazer isso. O pesquisador foi acompanhado em sua viagem por Carol O'Neill, representante da Exit International.

Vida ativa

O pesquisador nasceu em Londres, mas vivia sozinho em um pequeno apartamento em Perth, no leste australiano.

Ele deixou seu emprego em 1979, mas se manteve envolvido com sua área de trabalho depois disso.

Entre suas conquistas nos últimos anos, Goodall editou uma série de livros de 30 volumes chamada "Ecossistemas do Mundo" e foi nomeado membro da Ordem da Austrália por seu trabalho científico.

Em 2016, com 102 anos, ele venceu uma batalha para continuar trabalhando no campus da Universidade Edith Cowan, em Perth, onde era um associado honorário de pesquisa não remunerado.

O'Neill disse que a disputa de Goodall para continuar tendo um espaço de trabalho o afetou drasticamente.

Tudo começou quando a universidade levantou preocupações sobre sua segurança - incluindo sua capacidade de se locomover até o local.

Embora Goodall tenha vencido a questão, ele acabou forçado a trabalhar mais perto de casa. Também chegou o momento em que ele foi forçado a parar de dirigir e de se apresentar no teatro, conforme conta O'Neill.

"Esse foi o começo do fim", disse à BBC.

"Ele foi perdendo a animação, começou a empacotar todos os seus livros. Foi o início de uma fase em que ele não era mais feliz."

A decisão de Goodall para acabar com sua vida foi acelerada por uma queda grave em seu apartamento no mês passado. Ele ficou dois dias no chão antes de ser socorrido. Depois, os médicos disseram que ele precisaria de cuidados 24h por dia ou se mudar para uma casa de repouso onde tivesse esse tipo de atendimento.

Debate polêmico

A Suíça permite o suicídio assistido desde 1942. Outros países também já liberaram esse tipo de morte voluntária, mas boa parte deles determina a presença de doença e o estado terminal como condições imprescindíveis para a autorização.

A Associação de Médicos da Austrália (AMA) permanece contrária à morte assistida, que é vista por eles como uma prática antiética da medicina.

"Médicos não são treinados para matar pessoas. Na nossa ética e na nossa formação, isso não pode ser apropriado", afirmou o presidente do órgão, Michael Gannon, durante o debate legislativo do último ano no estado de Vitória.

"Agora, não é todo médico que concorda com isso", afirmou.

Uma pesquisa da AMA indicou que quatro em cada dez membros da associação apoiavam as políticas pelo direito de morrer.

O'Neill disse que o maior desejo de Goodall era morrer pacificamente e com dignidade.

Uma petição online arrecadou cerca de US$ 15 mil para o cientista voar em classe executiva para a Europa. Ele visitou a família na França antes de partir para a Suíça.

O'Neill disse que ele passou os últimos dias revisando as últimas cartas e conversando com sua família, incluindo os muitos netos que tem.

A história do pesquisador chamou a atenção da região em um momento que os legisladores do estado onde ele morava, Austrália Ocidental, avaliam debater uma legislação sobre a morte assistida.

O governo estadual expressou publicamente solidariedade a Goodall, mas afirmou que qualquer legislação a esse respeito envolveria apenas casos de pacientes terminais.

"Meu sentimento é que uma pessoa velha como eu deveria ter todos os seus direitos como cidadã, incluindo o direito ao suicídio assistido", afirmou Goodall no último mês.

Ele disse à ABC que esperava que o público entendesse sua decisão. "Se alguém escolhe se matar, isso é justo. Não acho que ninguém tenha direito de interferir."