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3 questões-chave que explicam a vitória de López Obrador na eleição presidencial do México

1.jul.2018 - Andrés Manuel López Obrador comemora com militantes sua eleição para a presidência do México - AFP PHOTO / PEDRO PARDO
1.jul.2018 - Andrés Manuel López Obrador comemora com militantes sua eleição para a presidência do México Imagem: AFP PHOTO / PEDRO PARDO

Ana Gabriela Rojas - BBC News Mundo, México

02/07/2018 11h24

Poucos duvidavam de que desta vez - em sua terceira tentativa - Andrés Manuel López Obrador conseguiria se eleger presidente do México.

As pesquisas já o colocavam na liderança durante a campanha, mas sua vitória, com mais de 53% dos votos, acabou sendo mais expressiva do que se imaginava.

"As mudanças serão profundas, mas estarão de acordo com a ordem legal estabelecida. Haverá liberdade de negócios, liberdade de expressão, de associação e de crenças", disse ele no primeiro discurso após a eleição.

Trata-se do primeiro presidente de esquerda do país em décadas.

Na reta final da campanha, os candidatos Ricardo Anaya, da coalizão Pelo México à Frente, e José Antonio Meade, da coligação Todos pelo México, aspiravam apenas disputar o segundo lugar.

Pela contagem rápida, Anaya obteve pouco mais de 22% dos votos e Meade, pouco menos de 16%. Os dois reconheceram rapidamente sua derrota e o triunfo de AMLO, iniciais pelas quais Andrés Manuel López Obrador é conhecido.

Mas quais foram os pontos decisivos para que ele conseguisse chegar à Presidência do México?

Especialistas consultados pela BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, apontam as três principais:

1. Mais pragmático, mais conciliador

"AMLO tem um mérito indiscutível. Ele e sua equipe passaram anos insistindo em criar uma organização de base e têm conseguido manter uma estrutura que está desafiando e derrotando os outros partidos", diz Sergio Aguayo, cientista político do Colégio de México (Colmex), instituição de ensino superior mexicana voltada ao estudo das ciências humanas e sociais.

Além disso, o sucessor de Enrique Peña Nieto adotou um discurso de tom mais conciliador e pragmático nesta campanha, diz José Luis Berlanga, especialista em teoria política da Universidade de Monterrey (Udem).

"Desta vez, ele propôs um movimento 'abraça-tudo'. Em sua aliança havia espaço para todos os que quisessem se somar, de todas as cores e sabores", comenta Berlanga.

Foi por isso que ele conseguiu passar imagem menos ideologizada e mais moderada.

Pessoas que antes seriam impensáveis uniram forças a sua campanha.

Entre os grandes exemplos está o empresário Alfonso Romo, que se declarava de oposição a AMLO e agora será seu chefe de gabinete.

Sua coordenadora de campanha, Tatiana Clouthier, é outro exemplo.

Ela é filha de Manuel Clouthier, que foi candidato à presidência pelo Partido da Ação Nacional (PAN) em 1988. Ela mesma militou no partido de direita até 2005.

Mas a maior polêmica foi causada pela coalizão formada com o Partido do Encontro Social (PSE), de raízes evangélicas, explica Berlanga.

Muitos consideram a aliança entre AMLO e o PES antinatural.

"Embora ainda seja preciso ver como funcionará no governo, como candidato isso o beneficiou, ampliou os votos", diz ele.

O sociólogo Roger Bartra, mais crítico em relação a AMLO, disse que o presidente eleito "deu uma guinada tão grande para a direita que se aproximou do antigo Partido Revolucionário Institucional (PRI)".

O Partido Revolucionário Institucional governou o México durante 77 dos últimos 89 anos, intercalados com apenas dois governos do PAN.

"Essa aproximação com o antigo PRI o ajudou a captar a simpatia de membros insatisfeitos com a virada tecnocrática do partido atual", opina Bartra, acrescentando que AMLO é uma "nova encarnação da tradição latino-americana do populismo".

2. Voto de punição

"Há uma revolta generalizada no México, especialmente por causa da insegurança e pela corrupção nos diferentes níveis do governo. Isso contribuiu para a crise do governo de Ernesto Peña Nieto (a quem AMLO substituirá)", explica Bartra.

Nos últimos seis anos, grandes escândalos de corrupção vieram à tona no país.

Um que prejudicou especialmente Peña Nieto foi o da "Casa Branca", uma propriedade avaliada em US$ 7 milhões (R$ 26,9 milhões) que pertence a sua mulher, Angelica Rivera.

A mansão foi vendida pelo Grupo Higa, que recebeu contratos de obras públicas na época em que Peña Nieto era governador do Estado do México.

A violência no país, por sua vez, continua aumentando. O ano de 2017 foi o mais sangrento nas últimas décadas, com mais de 29 mil assassinatos. ?

O especialista da Universidade de Monterrey observa que frente a essa saturação do governo, visto como corrupto, "uma parte dos cidadãos percebe em AMLO a possibilidade de uma mudança real".

Além disso, a imagem que eles têm de AMLO é de um político honesto, acrescenta.

Em certa medida, ele também simboliza o político antissistema. Sempre esteve distante de Peña Nieto, mantendo um discurso muito crítico e duro contra o governo e os partidos mais tradicionais, explica o especialista.

"Ele capitalizou esse sentimento de raiva e, para os eleitores, representa a possibilidade de punir aqueles que agiram mal e tiveram um desempenho incorreto", diz ele.

3. Guerra entre o PRI e o PAN

Os especialistas concordam que AMLO foi quem se beneficiou com a guerra entre o PRI e o PAN.

Ainda que não esteja claro por que essa briga começou, sabe-se que os dois partidos estiveram próximos durante os seis anos de Peña Nieto e que em algum ponto começaram uma batalha que ainda não terminou.

Bartra disse que o entendimento entre os partidos se deu quando parte do PAN rompeu um acordo pelo qual Margarita Zavala seria candidata à Presidência.

"Ela era uma candidata extremamente fraca - como foi visto mais tarde, quando renunciou à disputa. Mas, neste entendimento, o PRI tinha a possibilidade de vencer as eleições."

Ao entrar na corrida eleitoral, Ricardo Anaya - que era visto como um candidato chances de vencer - conseguiu arruinar o plano, avalia o especialista.

"A ala do PAN (partido de Anaya) que era próxima ao PRI ficou indignada, e houve um confronto muito forte, em que alguns saíram (do partido)."

Assim, o governo e o PRI concentraram sua batalha não contra López Obrador, como se esperava, mas contra Anaya, que passou a ser o principal inimigo.

"E nisso eles cometeram um erro terrível, porque quanto mais lutavam contra Anaya e usavam a Procuradoria contra ele, mais AMLO crescia. O cálculo deu errado", diz Bartra.

Para Berlanga, a ruptura entre o PRI e o PAN ocorreu provavelmente nas eleições para o Estado do México e Coahuila, em 2017 - o PRI tomou a região do PAN, na avaliação deste último.

O processo continuou escalando até que Anaya ameaçou investigar Peña Nieto e levá-lo à prisão caso descobrisse algo contra ele.

Seja como for, os analistas concordam que quem ganhou foi AMLO.

Além disso, a briga dificultou o "voto útil", o voto em que o cidadão escolhe um candidato não necessariamente por ser o seu favorito, mas para evitar que outro, que considera pior, vença.

No caso do México, uma parte dos seguidores dos candidatos do PRI e do PAN já não estava disposta a votar no candidato que estava em segundo lugar devido à forte tensão entre os dois lados.

Mistura de revolta e esperança

Berlanga e Aguayo concordam que, apesar de parte dos mexicanos ter votado movida pelo sentimento de revolta, também foi motivada pela esperança.

Mas uma esperança menos ingênua ou irracional do que a experimentada em 2000, diz o pesquisador da Colmex.

"Sabe-se que AMLO não é uma cura milagrosa, mas acredita-se que ele levará os grandes problemas nacionais mais a sério", disse.

O novo presidente tomará posse no dia 1º de dezembro.