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Como resgate de meninos presos em caverna uniu moradores e voluntários na Tailândia

Helier Cheung - Da BBC News em Chiang Rai

Da BBC News em Chiang Rai

07/07/2018 14h42

Leia aqui os desdobramentos mais recentes do caso: '12 meninos e treinador foram salvos'

Pelo menos dois dos 12 meninos presos em uma caverna na Tailândia junto com seu técnico de futebol fizeram aniversário lá dentro. Um deles, Note, acaba de fazer 15 anos. Em carta divulgada pela Marinha tailandesa neste sábado, ele escreveu: "Estou seguro. Não se preocupem! Eu amo mamãe, papai e todo mundo". Para finalizar, desenhou um coração e uma carinha sorrindo.

Na oficina MyWay, onde o pai de Note trabalha, alguns dos funcionários o conhecem desde que ele nasceu e o descrevem como um garoto inteligente que ama esportes e ajuda o pai no trabalho nos feriados.

Eles ficaram tocados com a carta, mas ainda estão preocupados com o resgate dos garotos. "Ele escreve como a mãe. Mas eu quero vê-lo muito mais do que quero ver sua escrita", disse um dos funcionários, Rinlinee Sombat, à BBC.

Outro deles, Ponrawee Tachavandee, disse que falou com a mãe de Note na noite de sexta-feira. Ela ficou angustiada depois de saber da morte de um mergulhador da Marinha que tentava levar suprimentos ao grupo.

Segundo o funcionário, ela disse: "O mergulhador tinha tanta experiência e era tão forte, mas morreu. E um garoto que nunca mergulhou antes?".

Os garotos e seu técnico estão presos há quase duas semanas em uma câmara do complexo de cavernas de Tham Luang, o quarto maior do país, na província de Chiang Rai. Na superfície, uma enorme operação de resgate militar e civil corre contra o tempo para salvar o grupo.

No acampamento dos socorristas, a alegria que havia se espalhado depois que os 13 foram encontrados vivos arrefeceu e deu lugar a um clima sombrio com a notícia da morte do mergulhador Saman Gunan, na madrugada de sexta-feira.

Para a comunidade local do vilarejo de Maesai, onde alguns dos garotos estudam, a preocupação e a ansiedade pelo resgate uniram a comunidade local e a equipe de socorristas, que também tem voluntários de outros países.

Preocupação

Quando chegou a notícias de que os garotos - membros do time de futebol Wild Boars - e seu técnico estavam perdidos no complexo de cavernas, os moradores decidiram doar alimentos, dinheiro e também sua mão de obra à operação de resgate.

A comerciante Patcharee Khumngen, por exemplo, preparou arroz e carne de porco frita, dois pratos populares na região. Na cultura tailandesa, preparar refeições é uma maneira comum de mostrar apreço por alguém.

"Você nunca imagina que alguém que você conhece pode ficar preso em uma caverna", diz.

Note costumava ir de bicicleta até sua loja comprar lanches quando tinha 8 anos de idade.

"Ele era um bom garoto, sempre fazendo piadas. Agora que é adolescente está bonito. Conheço seus pais desde que ele era um menininho", relembra.

As cavernas de Tham Luang ficam a cerca de 4 quilômetros de Maesai, que é um local popular para passeios turísticos e costumava ser frequentado pelas crianças do time - que têm entre 11 e 16 anos.

Na escola Ban Pa Muat School, Bunjob Chai-arm, que foi professor de um dos garotos, Mark, também está preocupado. Seu ex-aluno, com quem ele ainda mantém contato, é "um dos mais jovens na caverna", diz ele.

Bunjob descreve Mark como um estudante "alegre, simpático e cheio de energia", que ama jogar vôlei.

Na escola, os alunos pediram para poder assistir as notícias sobre o grupo na televisão - eles não podem usar seus telefones celulares na sala de aula.

"Durante toda a semana, enquanto alguns estavam nas aulas, outros ficavam diante da TV acompanhando as notícias", conta.

A escola também doou dinheiro para ajudar as famílias dos garotos a pagar suas contas e aluguéis, já que muitos pararam de trabalhar para acampar perto da equipe de resgate e esperar por notícias de seus filhos.

"Em todas as casas se fala deles", diz Koywilai Promwijit, que trabalha em um salão de beleza local. "O vilarejo doou centenas de sacos de comida."

Ela e sua irmã também prepararam refeições para os parentes e socorristas, e comeram menos para poderem ajudar.

Quando perguntada sobre o momento em que soube que os garotos foram encontrados com vida, no último domingo, ela se alegra.

"Eu estava indo dormi quando ouvi a notícia, e aí não consegui dormir mais", relembra.

'Corrida contra a água'

O local onde se concentra a operação de resgate, perto da entrada da caverna dentro do Parque Florestal Tham Luang, está cheio e agitado. A primeira coisa que você vê ao se aproximar é um fluxo constante de água.

As tentativas de salvar o grupo têm sido descritas como uma "corrida contra a água". Por causa da estação de monções, as fortes chuvas que prenderam os garotos na caverna continuam impedindo e ameaçando sua retirada.

Engenheiros trabalham durante o dia e a noite para drenar milhares de litros de água da caverna.

Mas, se não conseguirem baixar o nível da água o suficiente para que seja possível transitar a pé ou nadando superficialmente, só restarão duas opções de resgate: ensinar os meninos a mergulhar com cilindro de oxigênio ou esperar meses até que a temporada de chuvas acabe.

Centenas de voluntários e jornalistas também chegaram nos últimos dias ao pequeno distrito rural na província de Chiang Rai. Dado o grande número de pessoas amontoadas na área reduzida do parque, é surpreendente a organização nas áreas públicas.

O acampamento está dividido em várias zonas - as áreas restritas são onde a Marinha, outros militares e os socorristas civis trabalham.

As áreas públicas incluem barracas de primeiros socorros, com médicos e outros profissionais de saúde, um balcão de registro de voluntários, uma área de imprensa e diversas barracas de comida, onde funcionários da cozinha real tailandesa vêm preparando as refeições dos voluntários.

Os parentes dos garotos também estão acampados nas áreas públicas, mas suas barracas são protegidas por guardas para garantir sua privacidade.

Entre os voluntários, o clima é amigável e solícito. Em determinado momento, alguns ofereceram massagens aos que trabalhavam no local. Outros distribuíam garrafas de água e picolés aos jornalistas.

Há até um sistema para manter os banheiros limpos. Todos têm que entrar em uma bacia com água para lavar as botas enlameadas antes de entrar.

A agricultora Chiang Mai é uma das voluntárias encarregadas de lavar os toaletes.

Ela se orgulha de seu papel na operação de resgate. "Meu plano é ficar aqui até eles serem resgatados", diz.

Há muitas histórias como a sua. Sam Chareanphol, um assistente de polícia de Maesai, foi para a caverna no segundo dia após o desaparecimento do grupo e desde então vem transportando voluntários, jornalistas e socorristas para cima e para baixo do monte em sua motocicleta.

Saran Churat, um funcionário público local, decidiu ser voluntário porque considera "que os garotos nas cavernas são meus irmãos".

"Como você pode ver, todo mundo aqui está pronto para se reunir e ajudar."

O israelense Rafael Aloush e seu filho Shlomi vieram da província de Udon Thani, à leste do país. Rafael já mergulhou nas cavernas, e foi para Tham Luang há 25 anos, mas não chegou tão fundo quanto os garotos - que estão a cerca de 600 metros sob a superfície.

"Eu vi as mães dos garotos na TV e me cortou o coração. Preciso fazer algo a respeito", afirmou.

Ele está atuando como mergulhador e tradutor. Shlomi, que estuda administração de empresas em Bangcoc, também ajuda nas traduções.

'Ninguém sabia o que fazer'

Os primeiros dias das operações de resgate foram caóticos, enquanto as equipes tentavam encontrar o equipamento correto e mergulhadores com experiência em cavernas.

O morador local Max Yuttapong Kumsamut decidiu ir para o acampamento no meio da noite quando soube das dificuldades que eles estavam enfrentando.

Ele tinha visto fotos da operação e percebeu que a bomba de água usada no escoamento da caverna era pequena demais. "Tenho experiência em mineração e em águas subterrâneas... queria ajudar como pudesse", disse à BBC.

"Quando o incidente aconteceu, ninguém sabia muito bem o que fazer. Tudo aconteceu tão rápido e isso nunca tinha acontecido antes na Tailândia. As autoridades estavam fazendo o que podiam e trouxeram equipamento, mesmo que não fosse o correto - bombas de água pequenas, canos longos, canos curtos, canos de irrigação, facas, pás -, em pouco tempo e sem planejamento."

Por causa da sua experiência instalando bombas, Max ajudou a examinar a montagem do equipamento dentro da caverna, informando uma equipe, por rádio, quais eram as partes necessárias.

Depois, ele continuou no local para ajudar com traduções e no transporte de equipamento.

Mais acima no monte que leva à caverna circulam os membros da Marinha e outros mergulhadores socorristas, além de um fluxo constante de soldados carregando suprimentos para dentro e para fora da caverna. Outra base da operação de resgate foi instalada dentro do complexo.

Os garotos e seu técnico estão a salvo no momento, na saliência de uma rocha e cercados de água. Um vídeo divulgado no início da semana mostra que eles parecem cansados, mas estão tranquilos.

Mas a equipe ainda precisa encontrar um jeito de tirá-los dali. O caminho é longo e sinuoso, com passagens estreitas e completamente submerso em alguns locais.

É uma operação muito difícil. A caverna é escura e os garotos estão muitos quilômetros adentro. Eles não sabem nadar e algumas partes da caverna são muito estreitas para usar tanques de oxigênio.

O perigo da jornada foi ilustrado pela morte de Saman Gunan ilustra bem. Ele perdeu a consciência quando fazia a jornada de cinco horas de volta à base, depois de levar tanques de oxigênio para o grupo.

Ele tinha 38 anos, estava em boa forma e saudável, era atleta e ciclista - chegou a ser membro do time nacional de triatlo da Tailândia.

O contra-almirante da Marinha Arpakorn Yookongkaew disse que "não deixará o sacrifício do nosso amigo ser em vão".

Segundo as autoridades, a prioridade agora é a instalação de dutos que permitem a entrada de mais ar na câmara onde estão os garotos.

Os socorristas também vêm tentando levar cabos até a caverna, incluindo uma linha telefônica, para que eles possam falar com seus pais.

Mas a caverna é longa e tem muitas curvas. Por causa disso, eles ainda não conseguiram conectar os cabos.

Apesar de o clima seco dos últimos dias ter ajudado as operações, espera-se que as chuvas retornem no domingo. Se não aprenderem a mergulhar, as crianças e o técnico podem ficar lá por meses.

E quando forem resgatados, receberão uma atenção imensa da mídia. A região também já ficou mais famosa como atração turística nos últimos dias.

Mas para os moradores de Maesai, o caso é um alerta sobre segurança.

Depois disso, "todo mundo vai saber que não se deve entrar na caverna durante o período de chuvas", diz a cabeleireira Koywilai Promwijit.