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O que representa a devolução de restos mortais de soldados americanos pela Coreia do Norte

27/07/2018 11h23

Pequenas urnas de madeira cobertas por bandeiras da ONU eram carregadas cuidadosamente, uma por uma, do interior de um avião até o solo. Era a devolução do que se acredita serem restos mortais de 55 americanos em serviço mortos na Guerra da Coreia (1950-53).

Em Osan, uma base da força aérea americana perto de Seul, na Coreia do Sul, milhares de soldados americanos e seus familiares participaram do gesto simbólico que aconteceu nesta sexta - esperado há décadas por famílias nos EUA.

É a última das cautelosas ações diplomáticas entre Washington e Pyongyang.

Essa repatriação foi acordada em junho entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

"É difícil viver sua vida sem saber o que aconteceu com um ente querido", disse a filha de um soldado desaparecido à BBC.

O retorno de restos de soldados americanos foi um dos pontos do acordo a que Trump e Kim chegaram em seu histórico encontro em Singapura, e vem na esteira do 65° aniversário da assinatura do armistício que acabou com a Guerra da Coreia (1950-1953). O encontro entre os dois havia sido criticado por falta de detalhes sobre como e quando Pyongyang vai abrir mão de armas nucleares.

Acredita-se que os restos sejam de 55 americanos que serviram na guerra. Mas ainda precisa haver testes forênsicos para assegurar que de fato são restos de tropas americanas, um processo que pode levar anos.

John Zimmerlee, filho de um soldado americano que está entre os desaparecidos e fundador de uma associação de desaparecidos e prisioneiros da Guerra da Coreia, disse à BBC que não há garantia que esses sejam restos de soldados americanos. "Os restos de 55 pessoas são de quem a Coreia do Norte suspeitava serem inimigos durante a guerra, não necessariamente americanos."

"Eles podem ser britânicos, australianos, belgas. Podem ser de várias nacionalidades."

Por que há restos de soldados americanos na Coreia do Norte?

Mais de 326.000 americanos lutaram com soldados da Coreia do Sul e uma coalizão da ONU durante a guerra para apoiar o Sul contra o Norte comunista na guerra.

Mas milhares de soldados americanos da guerra permaneceram desaparecidos. A maioria, cerca de 5.300, desapareceram no que é hoje a Coreia do Norte.

Acredita-se que os restos estejam localizados em:

  • Campos de prisão: muitos mortos durante o inverno de 1950
  • Locais onde ocorreram grandes batalhas, como áreas ao redor de Unsan e Chongchon e no noroeste do país - onde haveria cerca de 1.600 mortos
  • Cemitérios temporários da ONU - a China e a Coreia do Norte retornaram cerca de 3 mil mortos americanos em um esforço diplomático em 1954, mas ainda há outros restos
  • Na zona desmilitarizada que separa a Coreia do Norte e a Coreia do Sul - onde haveria mil corpos

Entre 1990 e 2005, 229 urnas foram devolvidas, mas esse esforço foi interrompido quando as relações se deterioraram - resultado das ambições nucleares da Coreia do Norte.

O que acontece agora?

Uma aeronave dos EUA levou os restos à base americana de Osan, na Coreia do Sul. Ali, segundo a Casa Branca, haverá uma cerimônia de repatriação no dia 1° de agosto, após testes iniciais.

NosEstados Unidos, osrestos serão submetidos a testes forênsicos.

Pelo Twitter, Trump explicou que os restos de americanos que serviram na guerram seriam levados aos EUA. "Depois te tantos anos, esse será um grande momento para muitas famílias. Obrigado, Kim Jong Un", escreveu.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1022690767305928704

A Casa Branca disse que era "uma obrigação solene do governo dos Estados Unidos assegurar que os restos sejam manuseados com dignidade e sejam devidamente contabilizados e cuidados para que as famílias os recebam de forma honrosa."

Reação diplomática

O governo americano disse que se sente "'encorajado' pelas ações norte-coreanas e seu ímpeto para mudanças positivas".

O retorno de soldados mortos foi um "passo significativo para recomeçar a repatriação dos restos da Coreia do Norte e retomar esforços de busca na Coreia do Norte para procurar por estimados 5,3 mil americanos que ainda não voltaram para casa".

Mas Bill Richardson, um ex-embaixador da ONU que assegurou o retorno de seis corpos em 2007, ainda está cético.

Ele disse ao jornal americano Washington Post: "Eles darão uma certa quantidade de restos de corpos de graça logo de cara, mas vão cobrar pelos próximos".

Acredita-se a Coreia do Norte tenha 200 urnas já coletadas.

Quais são as intenções mais amplas da Coreia do Norte?

No encontro entre Trump e King-Jong-un em 12 de junho, os dois líderes falaram com ambição dos passos concretos para melhorar as relações entre os países, mas especialistas duvidaram que Pyongyang tenha interesse genuíno em se "desnuclearizar".

Na semana passada, a Coreia do Norte aparentou estar desmantelando parte de uma importante base de lançamento de mísseis, mas há relatos de que estariam secretamente continuando seu programa de armas nucleares. Enquanto isso, Pyongyang, por sua vez, acusa os EUA de levar a cabo táticas "gângster".

Não está claro o que os dois lados querem dizer com "desnuclearização total" e não há um cronograma para tanto.

De qualquer forma, a repatriação desta sexta será vista, provavelmente, como um gesto concreto após anos de esforços por parte de parentes e autoridades americanas de recuperar restos dos mortos e desaparecidos durante a guerra.