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Tim Vickery: Meu amigo indiano e a importância da cultura na formação da identidade

Xinhua/Stringer
Imagem: Xinhua/Stringer

Tim Vickery - Colunista da BBC News Brasil*

27/07/2018 12h18

Um dos meus amigos mais próximo é um inglês, filho de pais indianos. Há uma década, ele foi morar na Índia e, mesmo depois desse tempo todo, os indianos sacam, imediatamente e sem a menor dúvida, que ele é estrangeiro.

Fisicamente ele é um indiano, mas o seu jeito de andar, de se mexer, a sua maneira geral de ser, revelam que ele não é um "local" antes mesmo de abrir a boca.

Ele vive feliz lá. Sua mulher é indiana, eles têm um filho e têm fé no futuro do país.

Mas meu amigo também sente necessidade de voltar a Londres com frequência. Trabalha por conta própria com propaganda, e organiza a sua vida de tal maneira que criou uma obrigação de ir para Londres e encontrar com clientes quase todos os meses.

Não se trata somente de compromisso profissional. É necessidade psicológica também. Existem partes da sua personalidade que simplesmente não estão sendo alimentadas na Índia. Uso isso como prova convincente de que a cultura é mais importante que outros fatores.

Defino "cultura" como qualquer coisa que você não tem de fazer. Por exemplo: para sobreviver, você precisa comer. Podemos concluir, então, que comer em si não é cultura. Mas o que você come, quando, onde, com quem e como - tudo isso é o produto de opções, e portanto faz parte de uma cultura gastronômica.

No caso do meu amigo, apesar de uma afinidade com a Índia, ele talvez se identifique até mais com algumas opções mais comuns na vida inglesa. Ele até gosta mais comida indiana britânica do que da original!

Depois de 24 anos no Brasil, me identifico com isso. Tenho uma gratidão enorme pelo Brasil, tenho uma família brasileira. Não tenho amigos ingleses no Rio de Janeiro e hoje em dia só falo a minha língua nativa quando estou trabalhando. O dia a dia é sempre em português.

Mas eu nunca poderia ser brasileiro ou me definir como tal, mesmo se quisesse.

Morar fora do seu país de origem obriga a enfrentar questões de identidade, a refletir sobre o que você é e com o que você se identifica. Passando por esse processo, eu chego a conclusões bem parecidas com aquelas do meu amigo na Índia.

Por um lado, não tenho a menor afinidade com o patriotismo oficial do meu país. Os símbolos - a bandeira, o hino, a família real - não dizem nada para mim.

O passado imperial da Grã-Bretanha até me causa repulsa - com a exceção da Segunda Guerra Mundial, quando o país se quebrou e, de maneira mais ou menos consciente, escolheu abrir mão do império para lutar contra o nazismo.

No entanto, me identifico com os valores das décadas depois da guerra - e devo muito a eles.

É verdade que, sendo generoso, aquela foi uma revolução feita pela metade, mas também foi o período em que o povo fez grandes avanços, com a participação do estado na moradia, na saúde e na educação.

Também me identifico com o senso de humor britânico. Pode ser cruel e obscuro, mas eu gosto disso também, além da capacidade que temos de rir de nós mesmos. Mas gosto desse humor principalmente porque ele nos dá o poder de transformar qualquer situação em motivo para uma piada.

No momento, estou em uma visita breve à Inglaterra, em meio a uma onda de calor impressionante. Outro dia, eu estava em um pequeno ônibus que, muito lotado e preso no trânsito, estava muito quente, deixando os passageiros desconfortáveis. Começaram as reclamações.

Aí alguém falou que deveríamos encarar aquela situação como alerta. "É melhor a gente se comportar," falou. "Senão, vamos para o inferno para passar a eternidade nesse calor. Isso aí não passa de treinamento."

O comentário provocou muitas risadas, e a viagem continuou com mais leveza. Os sisudos que me desculpem, mas humor é fundamental. É a unica maneira de lidar com o mundo, é o que acontece quando a inteligência resolve dançar.

Posso estar equivocado, mas vejo a mesma flexibilidade no senso de humor brasileiro.

Falando no Brasil, me lembro do clima durante e imediatamente depois daquelas manifestações enormes de junho de 2013. Vários participantes foram entrevistados, e um tema veio à tona. Muitos citaram um certo incômodo com a identificação global do Brasil com carnaval, futebol e sexo. As pessoas diziam que isso não é uma representação justa do país, ou que queriam que a imagem do país fosse estivesse mais ligada a outras coisas.

Então, querido leitor, gostaria de terminar com uma pergunta: qual é a sua identificação com o Brasil? Quais aspectos da cultura brasileira são mais importantes para você?

*Tim Vickery é colunista da BBC News Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.