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Brasil é um dos países em que macacos estão mais ameaçados, aponta estudo

Evanildo da Silveira - De São Paulo para a BBC News Brasil

20/08/2018 07h07

 Os primatas do mundo, incluindo gorilas, chimpanzés e gibões, pedem socorro. Grande parte das 439 espécies conhecidas corre algum risco de ser extinta. O perigo é mais iminente para as que vivem nos quatro países com a maior biodiversidade: Brasil, que soma 102 espécies, Madagascar (100), Indonésia (48) e República Democrática do Congo (36).

Dessas 286, cerca de 60% estão ameaçadas de extinção em algum grau (vulneráveis, ameaçadas ou criticamente ameaçadas), por causa de ações humanas. Hoje, a situação é pior em Madagascar, com cerca de 90% de sua fauna de primatas ameaçada de extinção, seguida da Indonésia, com 83%, Brasil, com 39% e Congo, com 17%.

As conclusões são de um amplo estudo realizado por um grupo internacional de 72 especialistas em primatas, entre os quais oito de instituições brasileiras, e publicado em junho na revista científica PeerJ.

"Reunimos pesquisadores de diferentes nacionalidades, mas que direta ou indiretamente trabalham num dos quatro países, e compilamos as informações disponíveis na literatura em relação ás pressões antrópicas sobre os macacos em cada um deles", conta o biólogo Leonardo Oliveira, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBP).

De acordo com ele, o estudo avaliou o papel do Brasil, Madagascar, Indonésia e República Democrática do Congo para a conservação global dos macacos. "Esses quatro países abrigam dois terços de todos os primatas não humanos do mundo", diz. "Daí sua importância para a conservação desses animais."

Os pesquisadores analisaram a distribuição das áreas protegidas e das espécies em cada um dos quatro países e descobriram que a grande maioria das populações de primatas não tem segurança adequada. Por exemplo, embora a porcentagem deles em unidades de conservação no Brasil seja relativamente alta, 38%, na Indonésia e no Congo esses índices são baixos, 17 e 14%, respectivamente. Em Madagascar ele é igual ao do Brasil, 38%.

O estudo avaliou ainda as ameaças aos macacos em cada um dos quatro países e o que contribui para que elas existam ou sejam potencializadas. Entre as principais estão a perda de habitat, em especial no Brasil, Madagascar e Indonésia - no Congo, é a caça comercial de carne de espécies silvestres, no caso aqui, de primatas.

Mas existem várias outras, como doenças, grandes populações humanas em crescimento, exploração madeireira, mineração e extração de petróleo por corporações multinacionais, o comércio ilegal deles como animais de estimação, as mudanças climáticas e até a instabilidade política e a corrupção.

Depois disso, os pesquisadores modelaram o conflito por espaço entre as atuais áreas onde vivem os primatas e a projeção da expansão agrícola (um importante impulsionador da fragmentação dos habitats, desmatamento e perda de biodiversidade) nestes quatro países mais ricos nesses animais. Foram elaborados diferentes cenários. No pior deles, as áreas de ocorrência dos primatas até o final do século 21 encolheriam entre 78% no Brasil, 72% na Indonésia, 62% em Madagascar e 32% no Congo.

A situação é pior em Madagascar, com cerca de 90% de sua fauna de primatas ameaçada de extinção, seguido da Indonésia, com 83%, Brasil, com 39% e Congo, com 17%. Para piorar o quadro, mesmo não correndo risco imediato de extinção, grandes partes das populações de macacos dos quatro países estão em declínio. De novo, a situação mais grave é a da grande ilha africana, com 97% das espécies diminuindo ano a ano, seguida pela Indonésia com 94%, Brasil com 48% e Congo com 39%.

Em Madagascar, uma das espécies mais ameaçadas é o lêmure-de-cauda-anelada (Lemur catta), famoso pela cauda listrada de preto e branco e pelos olhos esbugalhados em tons alaranjados, principalmente por causa do aumento da mineração ilegal de cobalto, níquel e ouro nas florestas, inclusive em áreas de proteção ambiental. Na Indonésia, o garimpo de ouro também é responsável por colocar primatas em perigo, como, por exemplo, o macaco-narigudo (Nasalis larvatus) e o gibão-cinza (Hylobates muelleri).

No mesmo país, a construção de uma usina hidrelétrica no norte da ilha de Sumatra, destruirá a floresta Batang Toru, habitat do raro orangotango-de-tapanuli (Pongo tapanuliensis), ameaçando a sua sobrevivência. Na República Democrática do Congo, a vilã é a caça, que está acabando com os gorilas (Gorilla gorilla) e os bonobos (Pan paniscus).

No caso específico do Brasil, em números absolutos, existem hoje 35 espécies ameaçadas de extinção, em diferentes graus. "Temos gêneros completos em risco, como o Leontopithecus (dos micos-leões, 4 espécies) e o Brachyteles (dos muriquis, duas)", informa Oliveira. "Além disso, possuímos duas outras entre as 25 mais ameaçadas do mundo, o Alouatta guariba guariba (bugio ruivo), restrito aos Estados da Bahia e Minas Gerais) e o Cebus kaapori (caiarara), que vive apenas em uma pequena parte do Pará e Maranhão."

Há ainda no país algumas espécies na categoria criticamente ameaçadas de extinção, como o sagui-de-coleira (Saguinus bicolor), restrito à região dos municípios de Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara; o guigó-da-caatinga (Callicebus barbarabrownae), único primata endêmico daquele bioma; o cuxiú-preto (Chiropotes satanás), que ocorre no leste da Amazônia no arco do desmatamento; e o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), exclusivo da Mata Atlântica, vivendo em fragmentos florestais de Minas Gerais, Espírito Santo e da Bahia.

A preocupação com a sobrevivência dos primatas não humanos se justifica por uma série de motivos. Eles são de grande importância para a biodiversidade, pois desempenham diversas funções, auxiliam em processos ecológicos e no fornecimento de serviços ecossistêmicos.

"São nossos parentes biológicos vivos mais próximos, oferecendo insights sobre a evolução humana, biologia e comportamento", explica Oliveira. "Esses animais têm também grande importância cultural e religiosa em muitas sociedades, além de servir como fonte de proteína, ajudando na subsistência de várias populações humanas."

Por isso, as consequências de sua extinção são graves. A perda de primatas não humanos pode desencadear, por exemplo, perda de dispersão de sementes de várias espécies de plantas, essenciais para regeneração de florestas. "Mas não é só isso", alerta Oliveira. "Em alguns lugares, os macacos podem funcionar como atrativo turístico e até mesmo serem considerados sagrados."

É neste contexto que o levantamento do grupo internacional se reveste de importância. "Creio que este seja um estudo bastante completo, pois mostra o cenário atual com as ameaças que os primatas não humanos sofrem, as causas delas e os fatores que contribuem para que elas ocorram", diz Oliveira. "Analisamos essas informações em um contexto de crescimento populacional humano, baixo nível de desenvolvimento social e desigualdade econômica, instabilidade política e governança fraca nesses quatro países."

Para o também biólogo Ricardo Dobrovolski, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), outro integrante do grupo, o estudo lembra que é precioso encontrar formas de conviver com a biodiversidade e garantir o bem-estar para as pessoas. "Esse bem-estar deve ser pensado também para os animais domesticados, como os movimentos em defesa deles têm lembrado, e para o resto da biodiversidade", diz. "Talvez os primatas, pelo parentesco, nos motivem a iniciar esse processo. Essa é a mensagem de fundo do estudo."

No final do trabalho, o grupo fez algumas recomendações e apontou várias potenciais soluções para evitar a extinção dos primatas no Brasil, na Indonésia, em Madagascar e no Congo.

A primeira delas é expandir as áreas protegidas. Outras são criar corredores florestais para a migração entre subpopulações atualmente isoladas, incentivar a restauração das comunidades florestais naturais, aumentar a segurança alimentar e as oportunidades que beneficiam a qualidade de vida das pessoas, priorizar a sustentabilidade e as energias limpas, e exigir que os países consumidores e as corporações internacionais paguem um fundo de sustentabilidade e conservação para compensar a sobre-exploração e os danos ambientais.