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As crescentes dificuldades dos venezuelanos para entrar em outros países da América Latina

Eduardo Anizelli/ Folhapress
Imagem: Eduardo Anizelli/ Folhapress

21/08/2018 13h02

Os migrantes venezuelanos são cada vez mais numerosos na América Latina. E também enfrentam cada vez mais empecilhos.

Não se sabe ao certo quantas pessoas já abandonaram a Venezuela para escapar da grave crise político-econômica, mas o Escritório da ONU para Assuntos Humanitários estima que, até o mês de julho, a cifra girava em torno de 2,3 milhões de pessoas.

Sabe-se também que esses números parecem estar subindo rapidamente: só na fronteira com o Brasil, em Roraima, estima-se que 500 venezuelanos cheguem por dia. Relatório recente da Organização Internacional de Migrações (OIM) aponta que ao menos 50 mil pessoas - a maioria em situação de grande miséria - entraram no país vindas da Venezuela até abril de 2018, um aumento de mais de 1.000% em relação a 2015.

Com milhares de migrantes vivendo nas ruas da empobrecida cidade fronteiriça de Pacaraima, as tensões cresceram e levaram a um protesto violento no último sábado, quando acampamentos venezuelanos foram queimados e cerca de 1,2 mil deles cruzaram a fronteira de volta a seu país.

O governo federal brasileiro trabalha com a política de fronteiras abertas em relação aos venezuelanos, e posterior interiorização dos imigrantes para desafogar Roraima. Ao chegarem ao país, eles recebem documentos provisórios e podem dar entrada em um pedido de refúgio ou de residência temporária.

A governadora do Estado, Suely Campos, chegou a editar no início de agosto decreto limitando o acesso dos imigrantes a serviços públicos, contestado pela Advocacia-Geral da União. Uma decisão liminar em primeira instância na Justiça do Estado chegou a impor o fechamento da fronteira, mas foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Os debates em torno do tratamento ao grande fluxo de migrantes - seja atribuindo a razões de segurança ou ao colapso dos serviços públicos - se estendem a outros países da América Latina, que têm recebido volume ainda maior de venezuelanos em suas fronteiras.

Passaporte em mãos

No Equador, por exemplo, a partir de sábado passado o governo começou a exigir um passaporte "válido e vigente" aos venezuelanos que quiserem entrar no país.

A justificativa é de que "foram identificados casos de tráfico de migrantes venezuelanos", segundo comunicado da Chancelaria equatoriana.

A decisão acabou sendo flexibilizada após entrar em vigor: as autoridades afirmaram que ela não se aplicaria a crianças e adolescentes que chegassem ao país acompanhados de pais ou responsáveis em posse de passaportes.

A exigência de passaporte é contestada na Justiça pela Defensoria Popular do Equador, que pediu medidas cautelares para evitar que o governo a colocasse em prática.

A defensora Gina Benavides disse à agência EFE que a exigência é inconstitucional e esbarra em "princípios básicos de atenção humanitária" diante da crise na Venezuela e da "necessidade de proteção" dos venezuelanos.

Ao mesmo tempo, as autoridades peruanas anunciaram que, a partir de 25 de agosto, também exigirão um passaporte válido para autorizar a entrada de venezuelanos em seu território.

Peru, Chile e Argentina são, depois da Colômbia, os países da região com a maior presença de venezuelanos, segundo cifras da OIM.

E, no último 11 de agosto, as autoridades peruanas anunciaram um novo recorde de entrada desses migrantes: foram registradas 5,1 mil em apenas um dia.

Para se ter uma ideia das dificuldades encontradas por esses migrantes, é preciso lembrar que muitos fazem por terra o trajeto entre Venezuela e Peru - uma distância de mais de 2,3 mil quilômetros.

O ministro do Interior peruano, Mauro Medina, disse que a exigência de passaporte dos venezuelanos se deve à necessidade de segurança de todo o país.

A medida deve ter um impacto significativo, uma vez que 20% dos venezuelanos entram no Peru apenas com a carteira de identidade, segundo a Superintêndencia Nacional de Migrações peruana. E, por conta da crise venezuelana, a emissão de passaportes é considerada muito difícil.

Venezuelanos que moram no Peru expressaram preocupação pela dificuldade adicional em se reunir com familiares que planejavam migrar para o país.

"Emitir um passaporte custa US$ 500, que é o que nos custa para vir ao Peru", disse Yuliber Morales, venezuelana que mora há um ano em Lima, ao jornal local Correo. "Se você tem um 'palanca' (gíria para se referir a alguém influente que ajude nos trâmites), você o consegue em quatro dias, mas isso também custa, e dinheiro é algo que não temos."

A medida peruana também foi criticada pela Colômbia, destino para a maioria dos migrantes venezuelanos e também país de passagem dos que têm como destino outros países da América do Sul.

"Exigir hoje um passaporte dos venezuelanos, quando sabemos que seu governo não os está emitindo, é castigar a população pelos erros de seus mandatários", afirmou o diretor-geral de Migração da Colômbia, Christian Krüger Sarmiento.

A própria Colômbia - que registrava em julho a entrada de 50 mil venezuelanos por dia em distintos pontos de fronteira - reforçou suas medidas de controle de divisa em fevereiro, passando a admitir a entrada apenas de venezuelanos que apresentassem passaporte ou o Cartão de Mobilidade de Fronteira (TMF, na sigla em espanhol), um documento expedido pela agência migratória colombiana.

Segundo informou o órgão Migração Colômbia à BBC News Mundo, migrantes venezuelanos que fiquem por pouco tempo na Colômbia, e em algumas zonas limitadas próximas à fronteira, pode entrar no país apenas com o TMF - documento que não é mais emitido, mas é possuído por cerca de 1 milhão de venezuelanos. Os demais devem apresentar passaporte.

O país também está em meio a um processo de regularização de mais de 440 mil venezuelanos.

Vistos

No Chile, o governo anunciou em abril a criação de um "visto de responsabilidade democrática" destinado aos venezuelanos que queiram trabalhar e permanecer em caráter temporário no país. O documento, porém, só pode ser solicitado pelos consulados chilenos na Venezuela.

E a exigência foi aprovada dentro do contexto de uma reforma migratória que também tirou dos venezuelanos a possibilidade de entrar no Chile como turista e, posteriormente, mudar seu status migratório.

Na prática, isso significa que só se beneficiarão dos vistos os migrantes que tenham passaporte vigente e possam realizar os trâmites a partir da Venezuela.

Entraves para vistos a venezuelanos também passaram a vigorar em outros países.

Em 2017, o governo do Panamá começou a exigir visto de todos os venezuelanos que quisessem visitar o país por um período máximo de 30 dias e a um custo de US$ 60, sob a exigência de que o solicitante apresente as passagens de avião de ida e volta e comprove a posse de ao menos US$ 500.

Segundo a OIM, o número de venezuelanos no Panamá cresceu de 9,8 mil em 2015 para 75,9 mil em 2017.