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Eleições 2018: Como será o julgamento da candidatura de Lula no TSE?

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC Brasil em Brasília

29/08/2018 06h51

Reportagem atualizada no dia 31 de agosto de 2018.

A grande indefinição que cerca a eleição presidencial das eleições de outubro vai começar a se esclarecer nos próximos dias.

Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começam nesta sexta-feira o julgamento do pedido de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República. Ao todo, há 16 pedidos ao TSE para que a candidatura do petista seja barrada com base na Lei da Ficha Limpa.

O registro de Lula na Justiça Eleitoral como candidato à presidência gerou polêmica, apoio, indignação e debates jurídicos. Condenado em segunda instância e preso em Curitiba desde abril, o petista lidera as intenções de voto e apareceu nas pesquisas divulgadas na última semana como o preferido de 37% a 39% do eleitorado brasileiro. Muitos esperavam que, pela condenação em segunda instância, a candidatura fosse imediatamente rejeitada com base na Lei da Ficha Limpa e não tivesse de passar pelo ritual jurídico que a BBC News Brasil explica abaixo.

O que será julgado?

Seguindo a legislação eleitoral, as 16 impugnações apresentadas contra Lula foram unificadas em apenas um processo. Os pedidos argumentam que Lula não pode concorrer por estar condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do apartamento tríplex no Guarujá (SP). Em geral, também solicitaram que o TSE proíba o candidato petista de fazer campanha, sob o argumento de que não há dúvidas de que o candidato é inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

A procuradora-geral da República (PGR) Raquel Dodge, autora de um dos pedidos de impugnação à candidatura de Lula, solicitou, inclusive, que isso fosse determinado imediatamente, de modo que a Justiça Eleitoral impedisse Lula de ser mantido na disputa sub judice (ou seja, enquanto tramitam os pedidos para impedir seu registro).

O ministro sorteado relator do caso, Luís Roberto Barroso, não atendeu aos pedidos por decisões imediatas e deu trâmite regular ao processo, seguindo os prazos previstos em lei - foi dele a decisão de que não era necessário conceder mais prazo para coleta de depoimentos e produção de mais provas.

A decisão de marcar o julgamento para esta sexta-feira indica que Barroso considera tratar-se de um debate apenas jurídico. As sessões regulares no TSE ocorrem somente nas terças e quintas, mas a presidente da corte, Rosa Weber, pode convocar sessões extraordinárias em qualquer outro dia, como a desta sexta.

A expectativa é que a defesa de Lula sustente que sua condenação foi ilegal e traga também, em sua argumentação, casos de candidatos que concorreram em eleições passadas sub judice e reverteram posteriormente a inelegibilidade, conseguindo se eleger e tomar posse.

Os advogados também devem alegar que a Lei da Ficha Limpa fere acordos internacionais, usando a recente recomendação favorável a Lula do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas). O grupo de especialistas independentes que formam o comitê recomendou que sejam garantidos direitos políticos de Lula. Mas o Itamaraty afirma que a recomendação não tem impacto jurídico - ou seja, o Brasil não é obrigado a acatá-la.

Qual expectativa para o resultado do julgamento?

O TSE é formado por sete ministros, e todos da atual composição já deram manifestações favoráveis à Lei da Ficha Limpa.

Três deles vêm do Supremo Tribunal Federal (atualmente Weber, Barroso e Edson Fachin), dois do Superior Tribunal de Justiça (Jorge Mussi e Napoleão Maia Filho, mas o segundo será substituído na quinta por Og Fernandes) e dois são oriundos da advocacia eleitoral (Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira). Os ministros das cortes superiores chegam ao TSE por rodízio, enquanto os advogados são eleitos pelo Supremo e depois nomeados pelo presidente da República.

Para juristas ouvidos pela BBC Brasil, parece improvável que a Corte permita a Lula disputar a eleição.

Ex-ministro substituto do TSE e fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado Joelson Dias considera que o cumprimento da decisão do comitê teria que ser acatado, já que o Brasil voluntariamente reconheceu o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU e o protocolo adicional que submete ao comitê o monitoramento desse pacto.

Ele reconhece, porém, que há precedentes de outras decisões de órgãos internacionais relacionadas a direitos humanos não implementadas pelo Brasil.

"Não será uma surpresa se (o Brasil) não levar em consideração essa última decisão sobre os direitos políticos de Lula", afirmou à BBC News Brasil.

Lara Ferreira, professora de Direito Constitucional na faculdade Dom Helder Câmara e servidora do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, também vê poucas chances de a decisão do comitê influenciar o julgamento.

Ela destaca ainda um precedente negativo para Lula - há poucos meses, a Espanha não cumpriu recomendação semelhante do mesmo órgão para que fossem garantidos os direitos políticos de Jordi Sánchez. Preso devido ao envolvido em manifestações em Barcelona em setembro passado, ele não foi autorizado pela Supremo Tribunal espanhol a tomar posse como presidente do governo autônomo da Catalunha.

A procuradora regional da República e professora de direito eleitoral da FGV Rio Silvana Batini acredita que o TSE vai barrar Lula da disputa presidencial.

Segundo ela, enquanto há outros fatores de inelegibilidade previstos na Lei da Ficha Limpa que dão mais espaço para discussão jurídica, isso não acontece com a condenação criminal em segunda instância.

"Por exemplo, se o sujeito teve suas contas (passadas de governo) rejeitadas ou está condenado por improbidade administrativa, a forma como a lei está escrita nesses casos dá uma margem para a Justiça Eleitoral de adentrar e rediscutir (o mérito da decisão que provocou a inelegibilidade). Mas o caso do Lula não tem essa margem, porque basta a existência da condenação em segunda instância, e a Justiça Eleitoral não pode fazer juízo de valor sobre se essa condenação foi justa ou injusta."

Na avaliação das duas professoras, Ferreira e Batini, a única chance de Lula concorrer é se conseguir no STF ou no STJ uma liminar (decisão provisória) suspendendo os efeitos da condenação em segunda instância, o que a defesa de Lula ainda não solicitou.

A Lei da Ficha Limpa prevê que a liminar possa ser concedida caso essas cortes avaliem que há evidências de ilegalidade no processo criminal que possam levar à sua anulação no futuro. Após uma liminar nesse sentido, o TSE poderia aprovar a candidatura.

Lula pode recorrer se for barrado?

Mesmo que o TSE negue o registro de Lula, a legislação permite ainda que seja apresentado, em até três dias, mais um recurso (embargos de declaração) à própria Justiça Eleitoral. Depois desse segundo julgamento, pode caber recurso também ao Supremo.

A estratégia do PT parece ser alongar ao máximo essa indefinição para manter Lula em evidência, com bom desempenho nas pesquisas eleitorais, e depois tentar transferir esses votos para seu provável substituto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT).

A Justiça Eleitoral, porém, só permite a troca de candidato até 17 de setembro. Dessa forma, se o caso não for concluído no STF até essa data, o partido terá um dilema: desistir de Lula ou manter a disputa jurídica até o último recurso, correndo o risco de a candidatura ser barrada nos dias seguintes e a legenda ficar de fora da eleição presidencial de outubro.

Se o PT mantiver Lula após o dia 17, ainda que o TSE considere Lula inelegível antes da data do pleito, em outubro, seu nome constará na urna eletrônica.

Segundo resolução do TSE, caso ele obtivesse mais de 50% dos votos, a eleição teria que ser anulada e refeita imediatamente. Se não atingisse mais do que 50% dos votos, o segundo e o terceiro colocado seriam enviados para a disputa de segundo turno.