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Enquetes do Senado batem recorde após eleições, mas têm pouco efeito prático no Congresso

Leticia Mori e Rafael Barifouse - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil em São Paulo

12/11/2018 17h24

Em maio de 2015, o senador Magno Malta (PR-ES) apresentou um projeto para sustar a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que autoriza a celebração de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Como ocorre com toda proposta do Senado, foi aberta uma consulta na internet para que cidadãos pudessem dizer se concordam ou não.

Em mais de cinco anos no ar, a enquete no site do Senado havia recebido 1.045 votos - 620 contra e 425 a favor. Veio, então, a eleição presidencial e a votação na consulta online sobre o projeto explodiu.

Ao longo de pouco mais de uma semana, a enquete recebeu dezenas de milhares de votos. Hoje, já passam de 456 mil, dos quais 428 mil contra o projeto. Na escolha presidencial, apoiado por Malta, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente do País.

O número de acessos à consulta do Senado foi tão grande que, na semana após a eleição, o site ficou instável e saiu do ar algumas vezes.

Parte da explicação para o aumento desta e de outras votações foram correntes de WhatsApp e posts em outras redes sociais mobilizando pessoas a votarem sobre os temas tratados por elas.

Não é a primeira vez que isso acontece: sempre que a discussão sobre um assunto polêmico esquenta e há algum projeto sobre ele em tramitação no Senado, surgem correntes de mobilização para que as pessoas votem nas respectivas enquetes.

Na semana após a eleição, também viralizaram as enquetes do projeto sobre a criminalização da "apologia ao comunismo", do fim do auxílio-moradia para juízes, senadores e deputados, da realização de um plebiscito sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento, da classificação da ocupação de propriedades privadas por movimentos sociais como terrorismo e do projeto Escola Sem Partido.

Neste ano, por exemplo, as enquetes receberam 7,67 milhões de votos, dos quais 4,9 milhões apenas entre 1º de outubro e 11 de novembro.

"Essas pesquisas tendem a ganhar bastante tração especialmente num período eleitoral. Para muitas pessoas, o interesse pela política é sazonal, segue a lógica de temporadas", diz Carlos Affonso Souza, diretor do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro).

"As pessoas vivem em hibernação política e despertam mais próximo do período de eleição. E pautas do Congresso acabam ganhando atenção", explica Souza.

Mas, afinal, para que servem estas enquetes? Elas têm algum efeito prático na tramitação de leis ou são apenas mais um campo de batalha na internet?

Participação em enquetes cresceu com a eleição

As enquetes sobre projetos legislativos fazem parte do site e-Cidadania, portal dentro do site do Senado, criado após os protestos de junho de 2013.

"O senado aprovou algumas medidas para mostrar à população que estava ouvindo o clamor do público, e o site foi uma delas", afirma Alisson Bruno Dias de Queiroz, coordenador do e-Cidadania.

O e-Cidadania permite, por exemplo, que os cidadãos façam comentários sobre projetos de lei que serão alvo de audiências públicas - dos quais uma pequena parcela chegam a serem lidos nas reuniões. Também permite que a população sugira projetos de leis.

As enquetes são inegavelmente sua face mais popular e a que costuma atrair a maior participação - que vem aumentando de forma expressiva desde 2016.

Na semana após o segundo turno deste ano, por exemplo, o e-Cidadania chegou a receber 17 mil acessos simultâneos - em média, são de 300 a 400. "Há alguns picos ao longo do ano, mas este foi o maior de todos", diz Queiroz.

"Eu mesmo recebi muitas enquetes pelo WhatsApp no grupo da família, do condomínio, e outras pessoas me disseram que o mesmo aconteceu com elas. Esse aplicativo costuma ser o principal motor."

O coordenador do e-Cidadania avalia que "o terreno já estava fértil para a circulação de mensagens de teor político. E, com o fim da votação, talvez não houvesse mais o que falar da eleição em si e a atenção tenha se voltado para os projetos."

Souza destaca que o Congresso, por meio de sua função legislativa, tem um enorme poder de transformação social, e que "suas pautas que dizem respeito a família, sexualidade, religião e exercício de direitos fundamentais, tendem a ganhar bastante tração, especialmente num período eleitoral".

"Parte da população vê a eleição como uma oportunidade de renovação e mudança no País, e as enquetes acabam funcionando como um referendo sobre programas e as ideias de determinado candidato."

Mas, na prática, essas votações não são um referendo (quando a população vai às urnas para ratificar ou rejeitar uma proposta legislativa) porque seu resultado não tem nenhum efeito decisivo sobre se um projeto será ou não de fato aprovado.

Ou seja, servem apenas como um termômetro para os senadores saberem o que está chamando atenção dos cidadãos e como eles estão se posicionando.

Resultados distorcidos

No entanto, o sociólogo Danilo Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas Ipsos, ressalta que estes votos talvez não sejam a melhor forma de medir a opinião popular.

Não há, por exemplo, qualquer controle sobre a amostragem das pessoas que respondem às perguntas para garantir que seja representativa da população como um todo, como ocorre com pesquisas de opinião, que devem atender a critérios técnicos para garantir que a parcela de pessoas ouvidas corresponda ao conjunto total dos cidadãos.

Não raro as enquetes acabam sendo respondidas de forma desproporcional por pessoas de determinados grupos: faixas etárias, classes sociais, grupos políticos.

"O resultado vai ser distorcido, porque esse tipo de enquete tem um recorte muito específico, que não é condizente com o perfil da população brasileira", afirma Cersosimo.

"Se quem divulga é militante, você gera um problema ainda mais grave que o desvio amostral, porque só um grupo vai participar e você não dá chance para que todos sejam representados."

Há uma limitação da própria plataforma, já que parte da população não tem acesso à internet. E, com as campanhas de divulgação promovidas por determinados grupos, uma votação pode ser influenciada por quem defende certa posição, transformando-se mais em uma forma de pressão do que de manifestação de opinião pública como um todo.

Souza, do ITS-Rio, diz que a experiência de mais de uma década dos brasileiros com votações online favorece "esse tipo de organização para gerar artificialmente um determinado resultado".

"Sabemos que a internet é craque em promover essas situações. É possível orquestrar para dar enorme votação para um lado ou outro", diz Souza.

Segundo Cersosimo, o que mais gera preocupação é a maneira como isso é utilizado. "Em certo sentido, esse tipo de enquete tem a função de criar engajamento. Mas não pode determinar a condução de política pública ou influenciar a pauta da casa", diz o diretor da Ipsos.

De fato, um dos efeitos mais frequentes de um pico de votação em uma enquete é chamar atenção para projetos que muitas vezes estão parados e colocá-los na pauta do Congresso.

A PEC 106/2015, de autoria do senador Jorge Viana (PT-AC), de redução do número de parlamentares, teve um pico de acesso há dois anos. Hoje tem 1,8 milhão de votos a favor e 10 contra.

"Quando teve esse boom, um senador viu e pediu a relatoria do projeto, que estava aguardando designação havia sete meses, estava engavetado. Então, no mínimo, fez o projeto andar um pouco", afirma Queiroz.

Parte do pico de votação foi resultado de um boato espalhado por redes sociais: mensagens enganosas pediam votos e afirmavam que a PEC tinha o objetivo de reduzir o salário dos senadores - o que não é verdade, ela lida apenas com a questão da quantidade de assentos na Casa.

"As enquetes podem parecer algo que não tem utilidade, mas, no fim das contas, têm sim, nem que seja para resgatar um tema esquecido e renovar o debate em torno dele", diz Queiroz.

O coordenador do e-Cidadania ainda destaca que projetos de lei sugeridos por cidadãos, as chamadas ideias legislativas, caso recebam mais de 20 mil apoios, são transformados em sugestões que são apreciadas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. Um senador é designado como relator e é debatido se ela deve ser transformada em projeto de lei.

"Uma ideia legislativa sobre a regulamentação da maconha passou por esse processo e, depois de muito debate, virou um projeto de lei que hoje tramita no Senado para regulamentar o uso medicinal", exemplifica Queiroz.

Enquetes divulgam dados de quem opina

Há milhares de enquetes em andamento no site do Senado - uma para cada projeto atualmente em tramitação. Desde o lançamento do e-Cidadania, 6.955 propostas legislativas já receberam ao menos um voto.

"As enquetes são criadas automaticamente, sempre que um projetos de lei, emenda à constituição, medida provisória, decreto legislativo ou projeto de resolução é apresentado no Senado", explica Queiroz.

O site da Câmara costumava ter enquetes parecidas, mas o sistema está atualmente fora do ar, segundo a Casa, devido a problemas técnicos.

Para votar nas matérias que estão em tramitação no site do Senado, é preciso fazer um cadastro, com nome, e-mail e Estado de residência, ou usando seu login em outra rede social. A ideia é evitar votos repetidos ou feitos por robôs.

"São pessoas de verdade, porque o site tem mecanismos que impedem a atuação de robôs para influenciar o resultado", diz Queiroz.

O que muita gente não sabe é que os dados pessoais de quem participou são publicados em um arquivo PDF no site quando a enquete é encerrada. Assim, é possível saber nome, e-mail de quem votou e como a pessoa se posicionou.

"Não é um documento sigiloso. A forma como as enquetes exibem os dados é campo fértil para datamining (coleta de dados) e exploração de dados pessoais de forma altamente sensível", alerta Souza.

"Quanto mais polêmica a enquete, mais sensível é o posicionamento do indivíduo", diz Souza.

"Se quero criar um grupo de pessoas favorável ao armamento, tem ali os dados de centenas de pessoas. Isso é gravíssimo, e ninguém está falando dessa questão da privacidade."

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