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A chegada da caravana de migrantes à fronteira dos EUA: 'Não nos querem aqui, fomos recebidos com pedras'

Nem todos os migrantes conseguem um espaço para dormir no abrigo improvisado em Tijuana - Getty
Nem todos os migrantes conseguem um espaço para dormir no abrigo improvisado em Tijuana Imagem: Getty

Ana Gabriela Rojas - Enviada especial da BBC News Mundo a Tijuana

19/11/2018 10h23

"Não coloquem a vida de vocês ou de seus filhos em risco. Não pulem as cercas. Não tentem atravessar o deserto. Esperem para fazer as solicitações de asilo."

Estas são as recomendações feitas por uma equipe da Secretaria de Direitos Humanos de Honduras aos migrantes do país que chegaram a Tijuana, no norte do México, na fronteira com os Estados Unidos.

Eles fazem parte da caravana que deixou a cidade hondurenha de San Pedro Sula no dia 12 de outubro rumo aos Estados Unidos e que chegou a reunir milhares de pessoas, muitas que se juntaram ao grupo quando ele atravessava a América Central.

Há mais de um mês na estrada, eles chegam em diferentes levas a Tijuana, onde vão ficar "por tempo indeterminado, talvez alguns meses", enquanto o governo americano analisa os pedidos de asilo.

Esse é o cenário mais provável, de acordo a avaliação de diferentes especialistas consultados pela BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Embora a maioria dos migrantes seja de Honduras, também há pessoas da Nicarágua e da Guatemala no grupo em marcha, que foram se juntando ao movimento ao longo do trajeto.

A pobreza e a violência das "maras", gangues que atuam em alguns países da América Central, são os dois principais motivos citados por aqueles que deixaram sua vida para trás.

Tijuana é conhecida por ser "uma cidade de migrantes", por estar localizada na fronteira com os Estados Unidos, mas a situação atual é considerada extraordinária e representa um grande desafio, reconhecem os entrevistados.

Os migrantes estão concentrados no centro esportivo Benito Juárez, a poucos metros da fronteira internacional.

Alguns, especialmente famílias com filhos pequenos, dormem em colchonetes dentro do ginásio coberto. Outros, deitados no chão de tendas ou barracas de camping que foram doadas.

Há muitos que dormem cobertos apenas por sacos plásticos - ou simplesmente ao relento.

"À noite, trememos de frio. Durante o dia, ficamos expostos ao sol", conta Norland, um jovem migrante.

'Destino temporário'

"Os cidadãos de Honduras podem ficar aqui por muito tempo", diz Alden Rivera Montes, embaixador de Honduras no México, que estima que Tijuana pode ser "um destino temporário" por cerca de seis a 16 meses para os migrantes.

"Tudo vai depender da velocidade com que os Estados Unidos recebam e analisem os pedidos de asilo."

Os milhares de migrantes da caravana se somam a uma fila de 2,8 mil pessoas de diferentes origens que estão em Tijuana esperando liberação dos Estados Unidos para cruzar a fronteira.

De acordo com o embaixador, Honduras criou um "consulado móvel" para proteger os direitos de seus cidadãos, garantindo que a solicitação de asilo siga o protocolo estabelecido e fornecendo a eles os documentos necessários para a tramitação do processo.

Rivera Montes esclarece, no entanto, que os Estados Unidos têm soberania para decidir a quantos migrantes da caravana vão conceder asilo.

Ele reconhece que as pessoas deixaram Honduras pelo "desejo legítimo de buscar uma vida melhor", que não conseguiram alcançar em seu país.

"A evidência disso é que temos uma presença maciça de hondurenhos nesta caravana."

Ele diz que seu país está "melhorando a situação econômica e reduzindo a violência para que a migração em massa não se torne recorrente".

Antes da visita do embaixador ao centro esportivo, um grupo de migrantes mostrou descontentamento com o governo.

"Eles mentem. Honduras está mergulhada na miséria, se tivéssemos trabalho decente e uma chance de viver bem, por que nos arriscaríamos a vir até aqui para ver se os Estados Unidos nos receberiam?", gritou uma mulher.

'Eles não nos querem aqui'

Fora do ginásio Benito Juárez, três pessoas abrem o porta-malas de uma caminhonete e começam a distribuir fatias de pizza. Os migrantes formam uma longa fila.

"Gastei minhas economias tentando ajudar essas pessoas. Principalmente as crianças, porque sei que elas não têm culpa", explica Ivana, de 15 anos.

Os migrantes reconhecem que em Tijuana, assim como em toda sua caminhada pelo México, os moradores locais têm lhes oferecido ajuda.

No entanto, dois incidentes ocorridos aqui mostram que uma parte dos mexicanos não os quer em seu território.

De acordo com a consultoria Mitofsky, embora 51% da população defenda a solidariedade e ajuda aos migrantes, um em cada três mexicanos os rejeita por acreditar que podem roubar seus empregos e aumentar a insegurança no país.

'Voltem ao seu país'

"Em todo o México temos sido bem tratados. Mas há algumas pessoas que não nos querem aqui. Ontem à noite, enquanto dormíamos no ginásio, jogaram pedras no telhado de zinco e gritaram que não nos queriam aqui, além de muitas coisas ruins que não posso repetir", diz Maria, de La Ceiba, em Honduras.

Ela e o marido abraçaram os três filhos com força, tentando protegê-los.

O secretário de Desenvolvimento Social de Tijuana, Mario Osuna Jimenez, confirmou o ataque à BBC e contou que o telhado do ginásio ficou danificado. Segundo ele, ninguém foi detido, mas a polícia começou a monitorar a área.

Outro incidente, amplamente divulgado nas redes sociais, aconteceu quando os primeiros andarilhos chegaram a Tijuana, na noite da última quinta-feira.

Muitos migrantes preferiram acampar na praia de Tijuana, perto da cerca metálica da fronteira, mas não foram bem recebidos pelos vizinhos: dezenas saíram de casa para atirar pedras nos estrangeiros e gritar para que voltassem para Honduras.

A violência se intensificou naquela noite.

"É verdade que alguns hondurenhos também foram violentos e gritaram que estávamos em número maior e poderíamos matá-los se quiséssemos", conta um integrante da caravana.

No domingo, aconteceram manifestações contra e a favor dos migrantes na cidade, esta última organizada pela entidade Pueblo Sin Fronteras, que prestou auxílio à caravana também durante seu deslocamento.

"Tijuana é uma cidade aberta à migração. Recebe diariamente 130 mexicanos repatriados dos Estados Unidos, além de centenas de migrantes nacionais e internacionais. Mas esta é uma situação extraordinária", explica César Palencia Chávez, diretor municipal de atenção aos migrantes.

Ele diz que a resposta dos Estados Unidos "pode ??depender de como os migrantes vão se comportar. Se eles ficarem organizados, não causarem tumulto, acho que os Estados Unidos podem acelerar um pouco os processos".

Mas, por enquanto, a cerca que demarca a fronteira nas praias de Tijuana foi reforçada com arame farpado. A operação de patrulha aumentou a vigilância com o auxílio de dois helicópteros que sobrevoam baixo a área. E as faixas de carros para atravessar de Tijuana para San Diego, cidade americana do outro lado da fronteira, foram reduzidas.

Além disso, no lado mexicano, a polícia federal instalou barreiras de metal na guarita do posto de San Ysidro para controlar o fluxo de veículos e pessoas.

O governo local afirma que tem recursos para manter este acampamento por 15 dias e pede ajuda ao governo federal para ajudar os migrantes.

Tudo isso acontece em meio à transição política no México: o governo de Enrique Peña Nieto está chegando ao fim e o presidente eleito Andrés Manuel López Obrador toma posse em 1º de dezembro.

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