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O mistério da morte de John Chau, o americano recebido a flechadas por aborígenes ao entrar em ilha proibida

No Instagram, @johnachau descrevia a si mesmo como "um sobrevivente de picada de cobra" e "paramédico da natureza selvagem" - Reprodução/Instagram/John Chau
No Instagram, @johnachau descrevia a si mesmo como 'um sobrevivente de picada de cobra' e 'paramédico da natureza selvagem' Imagem: Reprodução/Instagram/John Chau

22/11/2018 10h00

Um americano de 27 anos foi morto a flechadas nesta semana por uma tribo que vive isolada no arquipélago indiano de Andaman e Nicobar, no Oceano Índico.

John Allen Chau foi recebido por um ataque com arco e flecha ao desembarcar na ilha Sentinela do Norte, que é proibida para visitantes, informaram os pescadores da região.

A imprensa local identificou o rapaz como um missionário cristão, que queria catequizar os aborígenes. Mas nas redes sociais e em uma entrevista, Chau se apresentava como um aventureiro.

"Eu adoro explorar", disse ele ao Outbound Collective, comunidade online de viagens de aventura, há quatro anos.

"Seja fazendo trilhas pelas densas florestas próximas ao rio Chilliwack (na fronteira dos EUA com o Canadá), buscando uma lendária cachoeira nas selvas de Andaman, ou simplesmente vagando pela cidade para sentir a vibração, 'sou um explorador de coração'. "

Grupo de direitos humanos diz que Chau pode ter contaminado a tribo - Survival via BBC - Survival via BBC
Grupo de direitos humanos diz que Chau pode ter contaminado a tribo
Imagem: Survival via BBC

Segundo relatos, Chau teria subornado pescadores para levá-lo ilegalmente até a ilha.

O contato com várias tribos do arquipélago, que correm risco de extinção e vivem isoladas do mundo, é proibido com o intuito de protegê-las de doenças e preservar seu estilo de vida.

"A polícia disse que Chau já tinha visitado a ilha Sentinela do Norte cerca de quatro ou cinco vezes com a ajuda de pescadores locais", contou o jornalista Subir Bhaumik, que cobre a região há anos, à BBC.

As autoridades dizem que os membros da tribo vivem isolados há quase 60 mil anos e, portanto, não têm imunidade para doenças comuns, como gripe e sarampo.

A organização Survival International, que atua em defesa dos direitos humanos, afirmou que, ao entrar em contato com a comunidade, Chau pode ter transmitido agentes patogênicos (como bactérias, fungos e protozoários) que têm o "potencial de eliminar toda a tribo", formada por cerca de 50 a 150 pessoas.

Segundo a polícia, ele partiu com os pescadores contratados na calada da noite e remou em um caiaque até desembarcar em terra firme.

Ele teria levado presentes para os aborígenes, incluindo uma pequena bola de futebol, linha de pesca e tesoura.

Missionário ou aventureiro?

Tanto autoridades locais quanto a organização de defesa religiosa International Christian Concern identificaram Chau como um missionário americano.

Mas Dependra Pathak, diretor da polícia de Andaman, disse ao site de notícias indiano News Minute que isso pode ser apenas uma interpretação, uma vez que o rapaz expressou suas crenças religiosas na internet.

"As pessoas pensaram que ele era um missionário porque ele tinha mencionado sua fé em Deus nas redes sociais. Mas em um sentido estrito, ele não era um missionário."

"Ele era um aventureiro. A intenção dele era conhecer os aborígenes."

No Instagram, @johnachau descreve a si mesmo como "um sobrevivente de picada de cobra" e um "paramédico da natureza selvagem" que está "seguindo seu caminho".

Na entrevista de 2014 ao Outbound Collective, ele disse que estava morando em Vancouver, no Canadá, onde trabalhava como treinador de futebol. E afirmou que havia encontrado inspiração para viajar ainda na infância:

"Meu irmão e eu (costumávamos) pintar os rostos com suco de amora silvestre e andar pelo quintal com arcos e lanças que fazíamos com pedaços de pau", contou.

"Desde então, a natureza tem sido minha casa."

Ao site, Chau declarou ainda que Jesus e David Livingstone (1813-1873), explorador e missionário escocês, eram sua fonte de inspiração.

E disse que seu próximo objetivo seria retornar às ilhas Andaman e Nicobar.

"Há muito para ver e fazer lá!"

No Instagram, um amigo disse que Chau foi "martirizado".

Em postagens recentes na mesma rede social, ele tinha mencionado uma viagem para Diglipur, a maior cidade de Andaman.

E publicou uma foto de uma cachoeira tropical, comentando que estava cheia de sanguessugas.

Ao descrever a paisagem, ele usou a hashtag "#solideogloria", expressão em latim que quer dizer "Glória somente a Deus".

Resgate do corpo

Os pescadores que levaram Chau para a ilha Sentinela do Norte contaram que os membros da tribo abandonaram o corpo dele na praia logo após o ataque.

E, de acordo com as autoridades indianas, pode levar "alguns dias" para que o corpo do jovem seja resgatado. Um helicóptero e uma embarcação vasculham a região para tentar identificar o local do incidente.

"Mantivemos uma distância da ilha e ainda não conseguimos identificar o corpo. Pode levar mais alguns dias e... (o reconhecimento) da área", disse Dependra Pathak à agência de notícias AFP.

Segundo a polícia, sete pessoas, incluindo cinco pescadores, foram presas por ajudar o americano a chegar até a ilha.

Família perdoa tribo

A família do rapaz afirmou que perdoa aqueles que o mataram.

Em texto publicado no Instagram, eles disseram que John Chau "amava a Deus, a vida, ajudando os necessitados, e não tinha nada além de amor pelo povo da ilha de Sentinela".

John Allen Chau

Uma publicação compartilhada por John Chau (@johnachau)

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O comunicado afirma ainda que ele foi para a ilha por "vontade própria".

"Também pedimos a libertação dos amigos que ele tinha nas Ilhas Andaman. Ele se aventurou por livre e espontânea vontade e seus contatos locais não precisam ser perseguidos por suas próprias ações", disse o comunicado.

Em 2006, dois pescadores indianos que pescavam ilegalmente na ilha Sentinela do Norte também foram mortos pela tribo.